Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A proteção do céu e a ira impotente do inferno fizeram nascer em nosso santo aquela santa ousadia, com que ofereceu, nessa época, o seu coração à Rainha do céu, e com ela se desposou.



CAPÍTULO III 
Louco de amor divino 
A oficina aberta por Geraldo em 1745 corria maravilhosamente; tinha fregueses não só em Muro mas também em Castelgrande que ficava perto. Todos amavam o piedoso e modesto alfaiate. Embora nem todos compreendessem a sua vida recolhida, e alguns estranhassem a esquisitice da sua conduta, ninguém podia apresentar queixa alguma fundada contra ele. 

Geraldo era a prontidão personificada; pacientíssimo, quase em excesso, jamais entrou em contendas, mantendo sempre a mais escrupulosa seriedade em todos os negócios: nunca guardou para si coisa alguma, restituindo o restante ao dono, nem que fosse apenas um fio de linha. Os seus preços eram sempre razoáveis; trabalhava muitas vezes de graça para os pobres, e Deus o recompensava visivelmente por esses atos de desinteressada caridade. 

Um pobre levou-lhe pano para a confecção de um terno novo. Embora a fazenda não chegasse para tanto, Geraldo aceitou a encomenda e não só aprontou o terno mas restituiu ainda ao freguês o resto do pano; a fazenda crescera em suas mãos. O compassivo alfaiate gostava de trabalhar gratuitamente para os pobres, que denominava sempre “os pobres de Jesus Cristo” e reservava-lhes ainda parte dos seus próprios lucros. Às vezes dava-lhes tudo; queria padecer fome para matar a dos outros. 

Entre os pobres de Cristo enumerava não só os que padeciam miséria sobre a terra mas também as almas que se não achavam em condições de apresentar o “último ceitil” para a sua entrada na bem-aventurança; sentia-se docemente constrangido a socorrer, com seus poucos haveres materiais, as almas do purgatório em suas prementes e grandes necessidades espirituais. “As almas são pobres, muito pobres, dizia ele, e reclamam o nosso auxílio”. 

Muitas vezes (segundo outros: uma vez por semana) mandava celebrar para elas santas missas, e às vezes, diversas ao mesmo tempo. Aconteceu receber uma vez apenas cinco liras durante a semana inteira; não obstante deu tudo em benefício das almas, tendo por isso de jejuar a semana seguinte e contentar-se com uns poucos pedaços de pão duro. 
A mãe não discordava de Geraldo em se tratando de socorrer os pobres, porém não podia aprovar aquela prodigalidade exagerada, que o fazia esquecer as próprias necessidades. Repreendia-o muitas vezes, pedindo pensasse na situação precária em que se achava, e não se esquecesse do futuro. 

Geraldo porém não se preocupava com esses cuidados; julgava mais dignas de imitação as aves do céu, que Deus sustenta e os lírios dos campos que Deus reveste, do que os homens que cogitam do seu futuro; dizia: “Minha mãe, Deus cuidará de mim; quem confia em Deus nunca sentirá falta de coisa alguma”.   

A grande caridade de Geraldo para os seus semelhantes era a conseqüência necessária do amor divino que ardia em seu coração. Esse fogo celeste aumentava-se na medida que os anos passavam. As amargas horas da sua aprendizagem e do seu emprego em Lacedogna contribuíram para o aperfeiçoamento desse amor, que nessa ocasião se difundia por todos os lados produzindo magnífica florescência e exalando o mais delicioso aroma. Ao lado desse trabalho por Deus e pelo próximo era a oração a ocupação predileta de Geraldo. O lugar mais procurado era o sacrário onde habita o amigo da humanidade com a plenitude de seu divino amor; lá permanecia sempre que os seus trabalhos o permitiam e a obediência ou a caridade não reclamavam em outra parte a sua presença. 

Logo pela manhã assistia a diversas missas na catedral, e quando lho permitiam, ajudava o padre ao altar; comungava ao menos três vezes por semana. O momento em que se devia ausentar de perto do sacrário para entregar-se ao trabalho era-lhe tão doloroso como a separação de um bom amigo. 

 Sempre que encontrava momentos de lazer corria à igreja em visita a Jesus sacramentado e lá permanecia extático e absorto à contemplação das profundezas do poder, amor e misericórdia divina. Preferiria a noite para os seus colóquios com Deus, porque então se sentia livre dos negócios terrenos e longe do rumor do mundo. O sacristão da catedral, seu parente, entregava às vezes a chave da igreja para ele, desimpedido, fazer suas visitas ao SS. Sacramento — favor esse que Geraldo explorava ricamente. 

Assim passou o Servo de Deus um ano inteiro edificando a cidade de Muro, quando a municipalidade se lembrou de carregar de impostos o exercício de sua profissão. Ao mesmo tempo um tal Lucas Malpiedi que em São Félix abrira uma escola particular para rapazes e necessitava para isso de um alfaiate, pediu-lhe que o acompanhasse. Para evitar as molestas exigências municipais, Geraldo aceitou o convite e seguiu para São Félix pelo fim de 1746 ou começo de 1747. Lá estava ele livre dos impostos, porém mais exposto a insultos e provocações. Malpiedi nada entendia de pedagogia; em sua escola reinava a desordem e o desenfreamento. 

Geraldo fez o que pôde, mas infelizmente nada conseguiu, ao contrário, tornou-se o alvo das diabruras dos meninos sem educação e da má vontade do mestre sem habilidade. As seis ou oito semanas, que lá passou, serviram para provar rudemente a sua paciência. Suportar as zombarias e o desprezo dos garotos desenfreados era ainda mais relativamente fácil; mas os malvados maltratavam-no com torturas de toda a sorte, ainda mais que a reação de Geraldo consistia apenas em pedidos de compaixão. 

Malpiedi em vez de proteger o nosso Geraldo contra os maus tratos dos meninos, seguiu-lhes os exemplos atormentando e batendo desapiedadamente o nosso santo jovem. Geraldo porém, longe de perder a calma e a jovialidade costumada, parecia ter haurido desses contratempos uma verdadeira sede de novos sofrimentos e desprezos. O que agora vamos ouvir justifica essa conclusão. 

Em fevereiro de 1747 Geraldo já havia novamente voltado para casa. Na quaresma, que começou pouco depois, ele estava resolvido a mortificar-se de verdade, para assemelhar o mais possível o Salvador em sua Paixão e em seus desprezos. 
Acumulou penitências sobre penitências; as usuais não lhe bastavam, disciplinava-se muitas vezes até ao sangue; servia-se para isso de cordas molhadas e pedia a um certo Félix Falinga, seu confidente, que desempenhasse o papel de carrasco. Ele relatou mais tarde: “Sempre que eu o atava a um pilar de acordo com seu pedido, e lhe batia desalmadamente as costas, Geraldo abençoava-me, e quando eu compadecido afrouxava os açoites, pedia-me que batesse sem dó até correr sangue”. 

A sua refeição habitual consistia em um pedaço de pão duro, que umedecia em um pouco d’água; não poucas vezes passava dias inteiros sem alimento; quando muito tomava umas frutas ou algum resto de comida esmolada na rua. Quando tomava as refeições usuais, isto é, uma espécie de sopa com legumes, julgava-se haver banqueteado lautamente. Convidado para jantar em alguma família , desculpava-se pretextando inapetência; quando insistiam, reservava as comidas para os pobres e enfermos.   

Esse rigoroso jejum de Geraldo custou bastante à sua compassiva mãe, que se lamentava e queixava amargamente. Geraldo porém dizia-lhe: “Não vos incomodeis, minha mãe, não tenho apetite e não necessito de alimento”. Geraldo não mentia porque o seu alimento eram ervas amargosas, losna, centáurea e semelhantes, que levava sempre consigo em grande quantidade. Quando uma vez Eugênio Paschoal quis persuadi-lo a que se alimentasse para não morrer de fome, Geraldo respondeu que o seu jejum não era tão rigoroso, pois que levava sempre alimento na algibeira. Curioso, Eugênio examinou-lhe o bolso e encontrou raízes e folhas amargas e já em mau estado. 
A consolação do céu e a ira do inferno eram companheiras inseparáveis das penitências de Geraldo. Estando uma noite a desabafar o seu coração, ardente de amor, diante do SS. Sacramento, ouviu do altar as palavras: “És um louco, Geraldo”. Reconhecendo logo a voz do seu amado Senhor, não pôde conter-se, respondeu com a candura que só a sua intimidade e ardente amor lhe permitiam: “Sois ainda mais louco, Jesus; fostes ainda longe conservando-nos ai preso por meu amor”. 

Uma outra vez Geraldo, inebriado de amor, aproximou-se do altar donde ouviu a voz divina: “Que estás fazendo, louquinho”. “Que quereis meu Deus — respondeu Geraldo, que quereis e porque me chamais assim? Fostes vós que me reduzistes a tal estado”.  

De outro lado o inferno esforçava-se para fazer cessar essa união íntima com o céu servindo-se de ilusões aterradoras. Uma vez, quando Geraldo estava para entrar de manhã, na igreja, Satanás, tomando a forma de um cão a uivar e ranger os dentes, avançou contra ele ameaçando reduzi-lo a pedaços. Outro, que não o servo de Deus, teria fugido amedrontado; Geraldo porém, reconhecendo o inimigo, fez o sinal da cruz e afugentou o monstro. O mesmo fez ele outra vez quando o demônio se lhe pôs adiante qual lobo furibundo e ameaçador. 

A proteção do céu e a ira impotente do inferno fizeram nascer em nosso santo aquela santa ousadia, com que ofereceu, nessa época, o seu coração à Rainha do céu, e com ela se desposou. Como vimos, Geraldo sempre nutriu terno e filial amor à Santíssima Virgem. Obra prima das mãos divinas, essa Beleza incompreensível e Bondade imensa arrebatou-lhe a alma; como Mãe de Jesus, Maria despertou nele admiração, encanto e veneração, como Dispenseira de todas as graças, atraiu a si com irresistível violência aquele coração sedento de perfeição. 

Não se podia conservar afastado das imagens da Santíssima Virgem. Quando interrogado pela causa desse amor tão intenso, não sabia responder outra coisa senão: “A Madona arrebatou-me o coração e eu lho dei inteiramente”. Já na idade de doze anos Geraldo consagrara-se à SS. Virgem e é provável que já então fizera o voto de virgindade perpétua. Ao menos quando pessoas mundanas lhe perguntavam indiscretamente, se ele não se queria casar, costumava responder: “Uma senhora de formosura encantadora será a minha esposa”. 

A bênção dessa consagração manifestou-se na mais perfeita pureza de alma e corpo. Geraldo jamais se manchou de culpa grave; levou imaculada ao túmulo a inocência batismal; conseguiu até evitar a mancha do pecado venial, que nunca cometeu com plena advertência. Os seus confessores não encontravam matéria para a absolvição sacramental, e o Pe. Celestino de Robertis, que ouviu a confissão do santo nos últimos anos de sua vida, afirmava sentir-se humilde ao ver a seus pés aquele anjo do paraíso resplandecente de inocência e santidade. Quanto à pureza do corpo, Geraldo permaneceu sempre livre dos ataques da concupiscência. Foi essa graça com que a Virgem das virgens recompensou o seu servo virginal. 
A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA

terça-feira, 23 de outubro de 2012

“Não passava um dia, ou antes nenhuma hora — assim reza literalmente uma relação — em que Geraldo não invocasse o Espírito Santo, o que mais acentuadamente se dava, quando necessitava de algum bom conselho ou quando tinha de dá-lo a outrem."


 

CAPÍTULO II 
No palácio do bispo de Lacedogna 

O dia de Pentecostes em 1740 foi para o nosso Geraldo um dos mais importantes e abençoados de toda a sua vida. Nessa festa, 25 de junho, estava ele ajoelhado na capela das Clarissas de Muro ante o bispo de Lacedogna, Cláudio Albani, que com autorização do bispo diocesano lhe ia administrar o sacramento da crisma. A piedosa criança correspondia até então, do modo mais perfeito, à graça batismal; a graça da confirmação penetrou, qual fogo devorador e divino, em sua alma e o Espírito Santo assenhoreou-se totalmente de todos os movimentos do seu coração. 

Desde aquele instante tornou-se Geraldo, de modo todo especial, devotíssimo do divino Espírito Santo, devoção essa que durou até o fim da sua vida, podendo ele relatar mais tarde a seus confrades os mais belos traços a respeito dela. “Não passava um dia, ou antes nenhuma hora — assim reza literalmente uma relação — em que Geraldo não invocasse o Espírito Santo, o que mais acentuadamente se dava, quando necessitava de algum bom conselho ou quando tinha de dá-lo a outrem. Nos dias de Pentecostes, viam-no sempre tão jovial e de rosto tão corado como se não pudesse conter o júbilo que dele se apoderava interiormente. Os dias precedentes à festa, passava-os na mais rude mortificação, jejuando  a pão e água, flagelando-se e praticando outras penitências semelhantes; preparava-se com tão extraordinário fervor, que dava a aparência de querer incendiar as almas tíbias com o fogo que o devorava. 

Um outro efeito da Confirmação foi o desejo sempre mais ardente de se consagrar ao serviço de Deus na vida religiosa. Logo após a crisma, fez o santo um primeiro ensaio de entrar no convento, mas o projeto fracassou; o tempo, em que nos desígnios divinos ele deveria consumar o sacrifício, ainda não havia chegado. 
Os padres capuchinhos tinham um pequeno convento nas proximidades de Muro. Era lá que Geraldo queria ingressar, pois que se sentia atraído pela simplicidade, humildade e recolhimento que lá reinavam. Esperava ser recebido com mais facilidade nesse convento por causa de um tio seu, que lá residia, o Pe. Boaventura, erudito e apreciado teólogo. Cheio de confiança apresentou ao guardião o desejo e o pedido de ser admitido no número dos noviços. O guardião porém não se pôde resolver a aceitar o rapaz nem a título de experiência; Geraldo era de constituição demasiado fraca para suportar os rigores da Ordem. 

O santo teve que retirar-se profundamente entristecido por ver baldada a sua esperança de trabalhar na santificação de sua alma dentro do convento. Na despedida o tio, para consolá-lo, fez-lhe presente de uma roupa nova. O coração do jovem que mais pensava nas necessidades alheias do que nas próprias,  
não considerava aquele presente como consolação, a não ser porque o punha em condição de socorrer os outros. E de fato não tardou a apresentar-se-lhe um indigente. Mal fechara a porta do claustro na despedida, encontrou-se com um mendigo muito mal vestido a rogar-lhe esmola pelo amor de Deus. Não foi preciso mais porquanto o pedido era feito a uma alma compassiva que também sofria. Geraldo despiu depressa a roupa que o Pe. Boaventura lhe dera e entregou-a ao pobre. A coisa porém não permaneceu oculta, chegou aos ouvidos do Pe. Boaventura que não ficou nada contente com a prodigalidade do seu sobrinho; mandou-o chamar e repreendeu-o fortemente. O jovem ouviu tudo calado mas não pôde deixar de, no fim, dizer uma palavra em sua defesa: “Meu tio, não vos irriteis comigo; vós não vistes a nudez daquele pobre de Jesus Cristo, a quem dei a roupa, estava mais necessitado do que eu; se o tivésseis visto, teríeis feito o mesmo que eu”. 
Essa palavra que fazia lembrar o pobrezinho de Assis desarmou o Pe. Boaventura; o capuchinho calou-se edificado com os sentimentos nobres de seu sobrinho. 

Se Geraldo não conseguiu começar na solidão do convento uma vida de abnegação própria e de sacrifício, achou para ela uma compensação no mundo. O bispo Albini de Lacedogna, que havia crismado Geraldo, era natural de Muro e andava à procura de algum conterrâneo seu para empregado de confiança — achou-o no nosso santo. Realmente  o bispo Albini precisava de um empregado santo. Esse prelado era de caráter altivo e de temperamento colérico, a ponto de se enfurecer por causas insignificantes; nesse estado maltratava seus súditos humilhando-os e exacerbando-os. 

Por esse motivo nenhum empregado lá permanecia por muito tempo. Quando se espalhou a notícia da proposta feita a Geraldo, amigos dele dissuadiram-no da aceitação, mostrando-lhe, que em sua simplicidade, ele estaria exposto necessariamente a maus tratos cotidianos. Geraldo porém sentia-se atraído a aceitar o emprego justamente por causa dos motivos, que os amigos julgavam próprios para o afastar; aceitou pois a proposta e passou de Muro a Lacedogna (1741) trocando a oficina de alfaiate pelo palácio do bispo. 

Lá era ele a alma do trabalho doméstico; pronto para todo serviço, mostrava-se assíduo e zeloso pro-curando poupar a seu patrão qualquer motivo de queixa e acalmar os seus nervos enfraquecidos. Não o conseguiu de todo porque apesar do grande cuidado e de toda a boa vontade não faltaram, diariamente, repreensões, censuras e humilhações. Embora o prelado estimasse sinceramente o seu piedoso empregado, cumulava-o de ordens molestas e ameaçava-o de expulsão por qualquer falta insignificante. Nessas ocasiões, Geraldo, sorridente sempre e de olhos baixos, esperava calado a cessação da tempestade — e continuava o seu trabalho, como se na-da houvesse sucedido. Nunca lhe passou pela mente a idéia de abandonar o seu patrão irascível. Quando alguém lhe perguntava, como era possível suportar os caprichos, as veleidades e o procedimento repulsivo de seu patrão, costumava desculpá-lo atribuindo tudo à sua própria inabilidade: “O sr. bispo me quer bem, dizia, e eu desejo ser seu empregado até a morte”. 

Tal conduta bastava para convencer os moradores de Lacedogna, de que o novo empregado do bispo era um grande santo. Mas eles sabiam também que Geraldo levava vida mortificada e praticava as mais raras virtudes. 
No palácio episcopal de Lacedogna, Geraldo levava a vida de um monge em seu claustro. Os exercícios de piedade, a que se habituara desde os seus mais tenros anos, foram exercidos sempre com maior fervor. Todas as manhãs ajoelhava-se aos degraus do altar para assistir a santa missa ou receber a sagrada comunhão; encontrando, durante o dia, alguns minutos livres, empregava-os na visita ao SS. Sacramento. Isso impressionava vivamente a todos, que exaltavam o piedoso jovem exclamando: “Ó Geraldo feliz — ele é um grande santo”. 

Muitos imitando-lhe os exemplos puseram-se a visitar muitas vezes ao dia o prisioneiro dos tabernáculos. 
Quanto à alimentação, continuou Geraldo a ser extraordinariamente parco; bastavam-lhe uns legumes e um pedaço de pão seco; quando sobravam ricos pratos da mesa episcopal, dava-os aos pobres ou levava-os aos doentes, a quem amava como membros padecentes de Jesus. Durante a sua esta da em Lacedogna, Geraldo passou sempre doente e atacado muitas vezes de dores físicas, por ele suportadas com a costumada paciência e resignação, procurando antes aumentá-las que diminuí-las. Um dia encontrou-se com o médico Lamorte. Estranhando a fraqueza de Geraldo, este deteve-o e perguntou-lhe como passava. “Muito bem”, respondeu Geraldo. O médico compreendeu que aquela resposta não era a expressão da verdade, porque pelas aparências, ele não podia achar-se tão bem; descobriu-lhe um pouco o peito para examiná-lo e verificou uma cadeia de ferro que tolhia ao jovem a respiração. 

Em Lacedogna crescia dia a dia a consideração para com o santo, consideração que se converteu em veneração por um acontecimento presenciado por grande parte da população. O bispo saíra a passeio fora da cidade. Geraldo, tendo de ir buscar água do poço público que ficava próximo, fechou a casa e levou a chave. Quando Geraldo se inclinou para haurir a água, a chave escorregou e caiu no poço. Por uns minutos o pobre empregado ficou atônito e sem fala a borda do poço: conhecia o seu patrão e sabia que ele haveria de encolerizar se, ao voltar, não pudesse entrar em casa. 

Geraldo porém não tardou a recuperar a calma; pediu socorro ao céu, correu à catedral em busca de uma pequena estátua do Menino Jesus, que se costumava expor à veneração pública nas festas de Natal. Os curiosos se agruparam junto ao poço, olhavam com admiração para o empregado do bispo, pois ignoravam o que ele iria fazer com a conhecida estátua. Geraldo tomou uma das cordas do poço, amarrou na ponta o Menino e lançou-o ao fundo rezando em alta voz: “Ah, meu amável Menino, podeis restituir-me a chave, fazei que eu torne a achá-la para que meu amo não se zangue ao voltar para casa”. Todos olhavam ansiosos para a estátua, quando Geraldo, pouco depois, começou a puxá-la para cima; ficaram pasmos e Geraldo estremeceu de alegria diante da estátua que trazia nas mãos a chave, recompensando assim a confiança de seu servo. Em triunfo levou Geraldo à igreja a imagem do Menino Deus. A notícia desse acontecimento milagroso espalhou-se por toda a cidade e o poço recebeu o nome de Geraldo, nome esse que se conserva até hoje. 

A 25 de junho de 1744 faleceu o bispo de Lacedogna. Geraldo, que três anos o servira fielmente, chorou como um filho a sua morte e repetiu muitas vezes: “Perdi o meu melhor amigo, o meu bispo amava-me de verdade”. A fé viva de Geraldo fê-lo esquecer todas as rudezas do caráter do seu patrão, enquanto que o amor que sempre lhe consagrara jamais desapareceu da sua memória e o fez pôr o bispo Albini no rol dos seus maiores benfeitores e amigos. 
Após a morte do prelado, Geraldo voltou a sua terra natal na idade de 18 anos. A saudade do claustro, tornando-se dia a dia mais forte, impeliu-o novamente ao convento dos capuchinhos: a resposta porém foi outra vez negativa. 
Em Lacedogna, ele tornara-se, certamente, mais austero ainda consigo mesmo. Como a lividez do rosto e a macilência de todo o corpo não recomendavam o jovem, não foi aceito por doente e demasiado fraco para a vida do claustro. Desconsolado pelo fracasso dos seus planos, porém não desanimado, submeteu-se o Servo de Deus aos desígnios da Providência e voltou à alfaiataria em sua terra. Largo espaço de tempo trabalhou sob a direção do mestre Vito Mennona; só pelo fim do ano de 1745 é que começou a trabalhar independente na casa de sua mãe. 

Na oficina de Mennona tudo lhe correu às mil maravilhas; era querido como um filho da casa e venerado como um santo. Embora fosse já conhecida a sua vida de milagres, a estima que lhe consagravam crescia sempre mais pelas novas manifestações de sua vida santa e privilegiada. Madame Mennona foi uma vez testemunha da eficácia da oração do servo de Deus. A um quarto de hora da cidade corre o riozinho Maffeo, para onde se dirigia a mencionada senhora em companhia de Geraldo para a lavagem da roupa; à tarde uma chuva forte interrompeu o trabalho, obrigando Geraldo e a senhora a refugiar-se debaixo de um rancho de palha. 

Como a chuva não cessasse e novas nuvens escurecessem o céu, a senhora, não podendo voltar para casa, começou a queixar-se e a derramar lágrimas afligindo não pouco o bom coração de Geraldo. Inspirado pela fé o servo de Deus sai do rancho, levanta seus braços para o céu e com confiança filial diz ao Senhor: “Que faremos para voltar para casa?” Mal acabara de pronunciar essas palavras, cessou a chuva e as nuvens dissiparam-se, o céu clareou e Madame Mennona e Geraldo puderam regressar. O velho Mennona, muitos anos mais tarde, falava ainda com entusiasmo do seu piedoso companheiro de trabalho, enaltecendo sempre a sua obediência, mansidão e caridade com os indigentes, mormente com as almas do purgatório. No tempo em que o jovem Geraldo já era irmão leigo da Congregação, foi Mennona várias vezes a Caposele edificar-se com sua santa vida, ouvir de seus lábios animação e conselhos e recomendar-se às suas fervorosas e santas orações.  

A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Essa criança privilegiada amava tanto a oração que podia passar horas a fio a meditar.




A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA  

CAPÍTULO I  - A Infância 

Na Basilicata, província do reino de Nápoles, nas encostas dos Apeninos ostenta-se em magnífica paisagem a cidadezinha de Muro. Uma série de colinas defende-a das tempestades ásperas do Norte, enquanto que ao Sul, se estende ridente e fértil planície. Na época, de que nos ocupamos nesta biografia, contava certa de 7.000 habitantes e era sede de um bispado e residência de respeitável número de religiosos de ambos os sexos.

No decorrer dos séculos, saíram dessa encantadora cidade homens de valor, que se tornaram glória e adorno dela pelo brilho da piedade, fama de erudição e louros colhidos nos campos de batalha. Porém criança alguma lá nascida, se distinguiu tanto e em grau tão extraordinário pela santidade e poder taumaturgo como a de cuja vida queremos agora dar um resumo. Essa criança viu a luz do dia a 6 de abril de 1726, sendo batizada no mesmo dia na igreja catedral pelo arcipreste Felix Coccicone. 
O berço de Geraldo foi modestíssimo. Seus pais, o alfaiate 

Domingos Majella e Benedicta Gadella, embora ricos dos dons celestiais e acatados por todos os conterrâneos pelo brilho de acrisoladas virtudes, eram destituídos dos bens da terra; com o trabalho de suas mãos e suor de seu rosto tinham de sustentar os quatro filhos que Deus lhes dera: Brígida, Anna, Izabel e o nosso Geraldo. 

Deus porém tomou a si, com prodigalidade especial, o cuidado do menino, desde o início de sua vida, distinguindo por assim dizer com o selo de suas graças especiais e extraordinárias os primeiros movimentos e passos desse anjo terrestre. 
Todos compraziam-se em contemplar com alegria o seu rosto sempre amável e jovial. As primeiras palavras que balbuciou foram os santíssimos nomes do Redentor e de sua benditíssima Mãe, os primeiros movimentos de suas mãos foram o sinal da cruz sobre a fronte, os lábios e o peito. 
Aos quatro anos praticava os exercícios de piedade com compreensão superior a sua idade, não perdendo porém com essa precocidade o encanto de meninice. Não gostava dos brinquedos infantis; todo o seu divertimento consistia em levantar altarzinhos que adornava de flores e imagens, imitando as cerimônias da igreja. Aprazia-se em cantar hinos piedosos e em genuflectir com alegria infantil ante as imagens dos santos da Igreja. Quando conseguia obter restos de cera, a ele fornecidos por um seu parente que exercia o cargo de sacristão da catedral, fabricava velas que acendia em seu altarzinho. Às vezes reunia grupos de crianças, com as quais fazia procissões, ensinando-lhes, a seguir, orações e lindos cânticos. 
Essa criança privilegiada amava tanto a oração que podia passar horas a fio a meditar. Repetidas vezes encontraram-no a um canto da casa paterna todo absorto em Deus, alheio às coisas da terra e como que a pairar em um mundo superior. Quando se dirigia à igreja em companhia de sua mãe, permanecia silencioso, modesto e devoto — sempre de joelhos — causando a todos admiração e edificação como se fosse um anjo do paraíso. O próprio Deus amava Geraldo, que aos seis anos de idade mereceu receber do céu sinais do agrado divino. 
Nas vizinhanças da cidade de Muro acha-se a pequena igreja de Nossa Senhora de Capotignano, muito visitada pelos fieis apesar das dificuldades da estrada pedregosa que para lá conduz. A imagem venerada no altar-mor representa a Santíssima Virgem com o Menino Deus nos braços. O pequeno Geraldo teve logo conhecimento desse santuário popular e sentiu-se irresistivelmente atraído por ele. Um dia foi Geraldo sozinho até lá para desabafar o seu piedoso coração diante da Mãe de Deus e de seu Filho. 
Mal se aprofundara na oração, quando lhe pareceu que a criança e a Mãe tomavam vida sobre o altar, estendendo-lhe o Menino o braço em atitude de quem convida.

 Pouco depois, celestemente amável, e com o sorriso nos lábios, desce a brincar com ele. Após curto intervalo entrega-lhe um pãozinho fino e branco como a neve e desaparece. Geraldo satisfeito corre para casa e triunfante mostra à mãe o presente recebido. “Donde tens esse pão?” “Foi, respondeu ele, o filho duma formosa senhora que m’o deu”. A  mãe desistiu de mais perguntas supondo que Geraldo tivesse recebido o presente do filho de alguma família rica. 

A experiência feita não deixou sossegar o menino, que daquele dia em diante começou a multiplicar as suas visitas à igreja de Nossa Senhora de Capotignano como que atraído pela Criança dos braços da Virgem; e realmente foi-lhe dado ver repetidas vezes a Criança e receber de suas mãos o presente do pão. Esse fato, repetido tantas vezes, não deixou de despertar a curiosidade da mãe e das irmãs. Um dia de manhã, quando Geraldo se dirigia apressado à igreja, a mãe e a pequena Anna seguiram-no e puderam assim ser testemunhas oculares daquela cena misteriosa e encantadora. 

Ao que parece, Geraldo recebeu aquele pãozinho não só do Menino, mas também da Santíssima Virgem — ao menos ele se exprimiu mais tarde, de um modo que deixava entrever isso. Visitando com sua mãe a igreja, apontou a imagem de Maria com o Menino dizendo: “Minha mãe, eis a nobre senhora que mais vezes me deu o pão, e a Criança com a qual brinquei”. 
Semelhante graça foi concedida ao pequeno Geraldo também no jardim do arcipreste de Cillis. Estando uma vez a orar com um grupo de crianças diante de uma cruz por ele colocada, como de costume, no ramo de uma amendoeira, a copa da árvore tornou-se resplendente irradiando-se a claridade também para fora do jardim. Os outros viram apenas o esplendor da árvore, mas Geraldo contemplou, por entre a claridade, a bela Criança divina que baixou por entre os ramos e a ele se dirigiu apresentando-lhe o pão branco, delicioso ao paladar. Ao chegar em casa, como Geraldo não quisesse tomar a refeição costumada, a mãe o recriminou, mas ele explicou o caso com simplicidade dizendo: “Minha mãe, eu já comi, foi o menino que me deu o pão”. 
Ao assistir a santa Missa, via Geraldo muitas vezes o Menino Deus, nas mãos do celebrante, admirando-se sempre de o padre quebrar em pedaços e consumir a hóstia. Uma vez chegou a dizer com candura infantil ao sacerdote: “Que bela coisa fizestes... devorastes hoje uma criancinha”. 
Naquele tempo Geraldo ainda não sabia bem quem era a criança que vira tantas vezes e que o atraía com tanta força. Vinte anos mais tarde disse à sua irmã Brígida, com a simplicidade que lhe era peculiar: “Agora sei que a criança que me dava o pãozinho, na minha infância, era o Menino Jesus; naquele tempo eu supunha que fosse uma criança qualquer”. “Então, replicou Brígida gracejando, volte outra vez a Muro para visitar a Madona de Capotignano e encontrar o belo Menino”. “Não, disse Geraldo, agora já não preciso ir a Muro para encontrar a Madona e o Menino; agora os encontro em toda a parte”. 
Todos esses sinais evidentes de predileção divi-na inspiraram aos pais de Geraldo o desejo de dar esmeradíssima educação à criança que haviam recebido de Deus qual tesouro precioso e inestimável. 
Benedita, convencida que seu filho fora formado só para o céu, nada descurou para secundar o desenvolvimento dos germens da virtude em seu coração. 
Na idade de sete ou oito anos, Geraldo foi mandado à escola, onde lecionava um parente da família por nome Donato Spicci. Lá aprendeu bem depressa a ler, escrever e expressar-se com facilidade, tornando-se em breve tempo o modelo de seus condiscípulos e predileto do mestre. Spicci denominava-o “suas delícias”, e amava-o com ternura de um pai. Ao perito professor não passou despercebido o talento didático do menino, eis porque quase sempre lhe confiava o encargo de ensinar aos menores os rudimentos das ciências e de repetir com eles a lição. 
Geraldo, longe de se ensoberbecer com essas distinções, era sempre o mesmo menino simples e dócil, pronto a obedecer aos mais leve aceno de seus pais. Em virtude de sua admirável comunicação com o céu, desenvolveu-se nele, bem cedo, o desejo da mortificação do corpo e o amor aos pobres; jejuava freqüentemente a pão e água, e tomava tão pouco alimento, que todos se admiravam de ele não defi-nhar de fraqueza; às vezes passava dias inteiros em jejum completo, esquecido da alimentação. Quantas vezes não acontecia a mãe encontrar intacta a comida quando voltava do trabalho! Geraldo costumava dar aos pobres as minguadas porções e o pão que a mãe às vezes lhe preparava especialmente. Todavia jamais se recusava tomar alimento quando nesse sentido recebia ordem de seus pais; na mortificação,  como em tudo o mais, não cedia à teimosia — sinal seguro do bom espírito que o animava. Temia aborrecer a seus pais, e não descansava enquanto não reparasse o mal, caso acontecesse às vezes magoá-los contra a sua vontade e sem culpa sua. 

Que Geraldo nutria terníssimo amor para com a SS. Virgem deduz-se facilmente do que temos narrado até aqui. Já nos é sabido que o santíssimo nome de Maria foi uma das primeiras palavras nos lábios do pequeno protegido do céu. O amor à Mãe de Deus era-lhe, por assim dizer, inato, cresceu-lhe com a idade, e desenvolveu-se em ardente veneração mormente desde o dia em que a Madona de Capotignano começou a agir de modo tão atraente sobre a sua alma. A recitação do rosário e outros exercícios de devoção à Rainha do céu tornaram-se-lhe bem depressa familiares e caros; as festas de Maria, para as quais se preparava sempre por diversos exercícios de piedade e atos de mortificação, eram-lhe dias de alegria que transparecia em seu semblante a ponto de causar admiração a todos os seus. Em retorno também a SS. Virgem redobrava as provas sempre crescentes do amor para com seu fiel e dedicado servo. Já em seus mais tenros anos visitou Geraldo, pela primeira vez, Caposele, onde mais tarde, como religioso iria receber de Maria as mais assinaladas graças e onde terminaria a sua carreira. Para lá levou-o sua mãe ou qualquer outro parente em visita ao santuário, no qual Maria é venerada sob o título de Mater Domini, isto é, Mãe do Senhor. A piedosa criança lançou-se de joelhos ante a sagrada Imagem e, mal pronunciara as primeiras palavras de saudação à sua Rainha, caiu em profundo êxtase na presença dos circunstantes. 

Era como se Geraldo estivesse a contemplar a Mãe de Deus em sua formosura celestial. Seria talvez o gozo antecipado das ale-grias e consolações que Maria tem preparado para os seus servos fiéis e perseverantes? Ter-lhe-ia naquele momento garantido o seu socorro e proteção, com os quais Geraldo contou a sua vida inteira? Não o podemos saber porque o servo de Deus guardava inteira reserva sobre coisas dessa natureza a não ser que a obediência o constrangesse a falar, ou que a sua simplicidade o traísse. 
Se a SS. Virgem arrebatava o coração do nosso Geraldo nas mais vivas emoções da alegria e amor, com mais eficiência e em grau maior conseguia-o o SS. Sacramento do altar. Geraldo corria à Missa com mais avidez do que as outras crianças aos seus brin-quedos prediletos. À elevação da hóstia inclinava-se e assim permanecia por longo tempo. Quando à comunhão do sacerdote a sagrada hóstia lhe desaparecia dos olhos, prorrompia em prantos, tão grande era a saudade e avidez que tinha do alimento sagrado. Um dia, quando Geraldo contava cerca de oito anos, assistindo à missa na catedral, viu os fiéis aproximar-se da mesa santa da comunhão. Dominado do desejo de igual felicidade, levanta-se e, como que arrebatado por uma atração divina, chegou-se ao altar onde se ajoelhou ao lado dos outros para receber o pão dos anjos. O padre porém passou adiante, como se costuma fazer com as criancinhas, que, ignorantes, se colocam na mesa sagrada. Triste e banhado em lágrimas, voltou Geraldo para casa e, não podendo curtir sozinho a sua dor, narrou-a a diversas pessoas amigas e, entre outras, a uma tal Manoela Vetromile que o amava como filho e que procurou consolá-lo de sua aflição. Deus mesmo quis consolar o aflito menino. Na noite seguinte, viu Geraldo o arcanjo São Miguel por ele tão venerado, o qual lhe apresentou a sagrada partícula que o sacerdote lhe negara no dia anterior. Na manhã seguinte Geraldo narrou singela-mente o ocorrido à sua protetora Vetromile, exclamando com viva satisfação: “Ontem o padre me não quis dar a santa comunhão, esta noite o arcanjo São Miguel me alimentou com a sagrada hóstia”. 

Aos dez anos pôde Geraldo, com o consentimento do seu confessor, fazer como de costume, a sua primeira comunhão na igreja. Esse dia foi para ele de suma alegria. O seu coração inocente, santificado pelas mortificações e inflamado do amor divino, recebeu a Jesus com as melhores disposições e por isso o Hóspede divino não só o enriqueceu da plenitude de suas graças mas também lhe deu a gozar toda a doçura do alimento espiritual. Após a santa comunhão viram o pequeno Geraldo imóvel como em êxtase, deliciando-se todos na visão de seu rosto trans-figurado durante todo o tempo da longa ação de graças. Desde então permitiu-lhe seu diretor espiritual receber a comunhão de dois em dois dias. Para melhor se preparar para esse ato de piedade, costumava ele purificar-se no santo tribunal da penitência e, não querendo terminar a ação de graças sem algum sacrifício, flagelava-se, depois dela, com cordas no-dosas. 
Mais ou menos na época de sua primeira comunhão coube ao santo um daqueles golpes, que embora comuns na vida humana, causam profunda dor, como se nunca fossem esperados. A morte levou a Domingos, pai de Geraldo, deixando a família em desoladora situação. A viúva, constrangida a procurar algum emprego para o filho, afim de conseguir o pão para si e para os seus, colocou-o numa alfaiataria, onde devia aprender o ofício de seu pai e ser o esteio da família. Com isso esvaiu-se o sonho que acalentava a Geraldo, de fugir do meio do mundo e entrar em um convento, onde pudesse, desimpedidamente, entregar-se ao espírito que nele operava, porquanto não sentia gosto em levar vida afastada da casa de Deus. Obediente como era submeteu-se prontamente à vontade de sua mãe, na certeza de que Deus tudo disporia para o seu bem. 
O procedimento do santo na oficina de Martinho Pannuto — assim se chamava o mestre — foi exemplar em todo sentido. Pannuto admirava o seu aprendiz e amava-o como um filho. Geraldo aprendia com facilidade, trabalhava com aplicação mostrando-se sempre dócil e atento. Nada porém perdeu de sua vida interior e recolhimento de espírito. Enquanto suas mãos manejavam a agulha, o seu espírito concentrava-se em Deus e nas coisas divinas. Mais de uma vez deu-se o fato de ficar o trabalho parado e inter-rompido por causa dos seus arroubos celestiais. O mestre, muito piedoso, não levava a mal tais interrupções; ao contrário permitia-lhe toda a liberdade em seus exercícios de piedade, e regozijava-se em ter um santo por aprendiz. Em pouco tempo convenceu-se que pela aplicação redobrada de Geraldo ao trabalho, recuperava facilmente o tempo perdido por aquelas interrupções. Distinguia sempre a Geraldo que se mostrava pronto para o serviço e amigo da mortificação. Pannuto trabalhava muitas vezes até alta hora da noite, tendo sempre a seu lado, nessas ocasiões o fraco rapazinho, que quando o mestre abandonava a oficina, se acomodava sobre a terra nua nas noites que não podia voltar para casa. Geraldo não queria utilizar-se do leito reservado para essas eventualidades; quando Pannuto lhe chamava a atenção, respondia que para ele, aprendiz, melhor fi-cava o chão do que o leito. 

Bem outros sentimentos do que Pannuto, nutria para com Geraldo, o sócio de seu mestre. Para esse homem cruel e malvado a piedade do Servo de Deus era como um espinho na garganta e despertava em seu coração amarga aversão e ódio. Qualquer parcela de tempo, que Geraldo empregava na oração ou passava na igreja, era para ele uma diminuição de trabalho e um crime; cobria-o de injúrias taxando-o de indolente. Não ficava porém só nisso: enfurecido muitas vezes dava-lhe bofetadas e pontapés. Geraldo suportava tudo com grande paciência e dizia consigo: “Meu Deus, meu Deus, faça-se a vossa vontade”, por vezes, sedento de sofrimentos, dizia ao tira-no: “Batei, batei mais, que tendes razão para isso!” Nunca lhe passou pela idéia um pensamento de queixa, embora o pudesse fazer livremente encontrando no mestre, que o estimava, um poderoso protetor; antes, pelo contrário, procurava ocultar-lhe to-dos esses acontecimentos desagradáveis. Sucedeu uma vez entrar Pannuto no momento em que o monstro o prostara por terra com seus maus tratos. O mestre exigiu esclarecimentos sobre o ocorrido e interpelou o sócio. Não podendo este justificar-se e contando com o silêncio do aprendiz, respondeu la-conicamente que Geraldo mesmo poderia dizer o que lhe acontecera. Interrogado pelo mestre, Geraldo, cujo coração era nobre e reto, disse singelamente: “Mestre, cai da mesa”. Desta forma falando a verdade, mas não a verdade completa, satisfez ao mestre e poupou ao criminoso. Tanta generosidade não bastou para enternecer o coração de seu inimigo. Continuaram as crueldades. Mostrando-se, um vez, Geral-do contente e sorridente com uma bofetada recebida do sócio da oficina, este com fúria satânica bateu-lhe fortemente com um metro de ferro que tinha na mão. Tão veemente foi a dor, que o santo quase perdeu os sentidos; lançou-se aos pés do seu perseguidor dizendo-lhe com toda calma: “Perdôo-lhe por amor de Jesus Cristo”, e continuou o trabalho como se nada sucedera. O sorriso de Geraldo nesse mau trato não era sinal de escárnio como poderia parecer, e como de fato supôs maldosamente o inimigo do rapaz. Era efeito de uma reflexão, rara em tais ocasiões, mas digna de um santo. O próprio Geraldo achou ocasião para dar disso a devida explicação. Ao voltar uma vez de sua igreja predileta de Capotignano, foi recebido pelo sócio da oficina com injúrias desumanas; calou-se e sorriu. O sorriso irritou ainda mais o monstro: “Tu te ris, disse, hás de me dar agora mesmo a razão do teu sorriso!” “Eu me rio — respondeu Geraldo — porque é a mão de Deus que me bate”. 

Não se sabe quanto tempo duraram esses tormentos para o pobre aprendiz. Deus que queria provar o seu servo e prepará-lo para dons mais eleva-dos, fez cessar a seu tempo todos esses maus tratos. Pannuto, que bem conhecia o rancor de seu companheiro contra o aprendiz, sem todavia poder demiti-lo, chegou enfim a tomar essa resolução. Uma vez o mestre seguiu o nosso Geraldo até a igreja, para mais de perto observar o seu procedimento; esperava certamente edificar-se com o aprendiz, mas a realidade excedeu a sua expectativa e comoveu-o profundamente. Depois de haver orado longo tempo, o rapaz prostrou-se por terra, beijou o pavimento da igreja e arrastando-se de joelhos passou a língua no chão até a proximidade do altar; lá reconcentrou-se em fervorosa oração até cair em êxtase e ficar imóvel, todo absorto em Deus. Comovido até as lágrimas, Pannuto voltou para casa com a convicção inabalável de que o seu aprendiz fruía os favores extra-ordinários do céu, e não consentiu mais ter em casa o homem cruel que só tratava o amigo de Deus com o desprezo que se consagra à escoria da humanidade. 
A paciente resignação aos maus tratos do sócio da oficina, não foi o único exemplo de virtude heróica de Geraldo na casa de Pannuto. O filho deste, José Antônio, narrou, mais tarde, um outro episódio, em que a mansidão do santo rapaz se manifesta com não menor brilho e resplendor. Uma tarde, Geraldo se apressava da vinha de Pannuto, onde estivera trabalhando, para o santuário de Capotignano que não era muito distante. Ao regressar à cidade, tomou caminho através dos campos, indo parar infelizmente em uma sebe espinhosa, onde alguns passarinhos construíram seus ninhos. Um caçador de atalaia estava ansioso para lhes fazer fogo, quando as aves, assustadas pela chegada de Geraldo, levantaram o vôo. Indignado sai o caçador de seu esconderijo, avança contra Geraldo e dá-lhe uma tremenda bofetada. Embora geralmente a surpresa nesses casos faça os homens comuns perder a paciência e a mansidão, Geraldo permaneceu calmo; lembrado do conselho evangélico apresentou a outra face. O caçador enfurecido, que naquele momento não se lembrou do Evangelho, tomando aquele ato de humildade por um atrevido escárnio, enraiveceu-se ainda mais e continuou a torturar a sua vítima. Felizmente apareceu o filho de Pannuto e com explicações conseguiu tranqüilizar o caçador encolerizado. Este, reconhecendo  o seu erro encheu-se de admiração pelo rapaz e tornou-se um dos mais zelos panegiristas do virtuoso aprendiz de alfaiate.

domingo, 7 de outubro de 2012

Fala o padre Amorth, exorcista de Roma :«O demônio se descontrola de raiva quando coloco algo que reflete a presença da Virgem»


ReligionenLibertad.com 



Fala o padre Amorth, exorcista de Roma :«O demônio se descontrola de raiva quando coloco algo que reflete a presença da Virgem»



Os mais de 50.000 exorcismos que  realizei lhe convertem no mayor especialista na matéria. Nos seus 87 anos, o padre Gabrielle Amorth, exorcista da diocese de Roma, alerta sobre a importância de que em cada diocese tenha um exorcista.


Jesus Garcia / ReL -  26 setembro 2012 - religionenlibertad.com  


Numa manhã de 1985, o cardeal Ugo Poletti, vigário de João Paulo II como bispo de Roma, chamou un sacerdote paulino nascido em 1925, o padre Gabrielle Amorth, para encomendar-lhe para uma missão: ser o exorcista da diocese de Roma. 

Nestes vinte sete anos, o padre Amorth reconhece ter realizado mais de cinquenta mil exorcismos. Portanto, ninguém melhor que ele em todo o mundo para explicar que este ritual de exorcismo, em um momento em que, na prática, está esquecido inclusive no seio da Igreja.

-Padre Amorth, o que é um exorcismo?
-O exorcismo é uma oração pública da Igreja que se faz com a autoridade da Igreja, porque a faz um sacerdote designado pelo bispo; é uma oração de libertação do demônio, de sua influência maligna ou do mal provocado por ele.

-Na atualidade há muito poucos exorcistas, Não são necessários?
-Durante trezentos anos a Igreja abandonou os exorcismos. Os motivos são diversos e os explico no livro 'Fala um exorcista'. No entanto, em cada diocese deve haver um no mínimo! Mas como vai ter, se as pessoas não creem no Demônio, inclusive pessoas de Igreja, como sacerdotes e bispos? É necessário saber que o bispo que não proporciona a ajuda espiritual necessária para um fiel com um problema demoníaco está pecando gravemente.

-Por que permite Deus uma possessão um mal demoníaco?
-Há gente que tratei que vai à missa, reza e faz jejum. Eu lhes pergunto: “Se não estivesses possuído, o farías?”. E me respondem que não. Também, pergunto aos demônios enquanto faço este exorcismo: “Por que teimas em ficar? E me dizem: “Não posso ir-me porque Deus não me permite. Se me fosse desta pessoa, ela se afastaria dos sacramentos, e estando assim, vai a Deus e é fervorosa sua oração”. Depois é possível que para essas pessoas, essa cruz seja necessária para sua salvação e a dos que compartilham essa cruz com ela: seu entorno, sua familia e seus amigos.

Jejum e oração
-No Evangelho, Jesus disse que alguns demônios só se vão com jejum e oração, mas existem casos em que o exorcismo dura muitos nos, ou que não chega a produzir nunca essa libertação, ainda que se recorra ao jejum e a oração. Por que?
-Há ocasiões em que o Senhor permite um caso de possessão em que a pessoa não chega a se libertar nunca. Eu os tratei. O Senhor convida a ir ao jejum e à oração para expulsar certo tipo de demônios, porque há vários. Igual aos anjos com diferentes funções e missões, com os caídos acontece o mesmo, pois também são anjos. Mas como digo, em ocasiões nada funciona, já que Deus o permite para a salvação de muitas almas, não só da pessoa possuída, embora não seja normal.

-Outra coisa incompreensível é como pode comungar um possuído e que não se dê sua libertação, sendo como é a Sagrada Comunhão o corpo vivo de Cristo. Acaso não nos há dito a Igreja que o demônio foge de Cristo como da peste?
-Está certo. Não se afasta o demônio quando a pessoa comunga. Ele fica ali quieto, mesmo que suponho tremendamente incômodo. Às vezes, durante um exorcismo, coloco sobre a cabeça do possuído uma hóstia consagrada e pergunto: “Sabes o que tens aí?”.E responde: “Sim, está Ele”, e fica imperturbável. 

No entanto, descobri algo curiosíssimo: o demônio se descontrola de raiva desesperada quando coloco algo que reflete a presença da Virgem, como um escapuário, ou e rezo orações da Virgem. Ele tem à Maria um ódio impressionante! Então se se revolve, não o pode suportar. Foge como da peste!

-Por que?
-Porque se sente profundamente humilhado. Ele se sente obrigado a fincar o joelho diante de uma mulher, a Mãe de Cristo... Ah! Não pode com isso. As orações à Virgem durante um exorcismo são extraordinariamente poderosas a meu favor...

Também ocorre com as relíquias que pertenceram a alguns santos. Eu as utilizo com muita frequência, porque não as pode suportar. Geralmente ‘sai’ espavorido pela mesma razão: a humilhação da obediência à que lhe obriga Nosso Senhor, que lhe induz a dobrar-se diante de um homem, não diante de um anjo ou diante de Deus: diante de um homem que foi santo.

Ocorre-me muito com as relíquias que utilizo do padre Pio de Pietrelcina, a quem tenho especial devoção. Sai fugindo diante das orações e das invocações que faço sobre ele. Sabe que o conheci sendo eu muito jovenzinho? Eu puxava-lhe da barba e ele morria de rir! Eu lhe amava, era uma pessoa de uma bondadw hiperbólica, um homem de Deus dos pés à cabeça. Um grande santo de nosso tempo.

Objetos de metal
-Você conta que durante os exorcismos um possuído pode expulsar pela boca objetos de metal, cristal e coisas assim.
-É curioso, ocorre às vezes. Esses objetos não estão dentro da pessoa fisicamente, se materializam na boca, ao ser expulsos. Eu os colhi com minha mão, inclusive lâminas de barbear. Tenho uma caixa enorme cheia destes objetos. Guardo para demonstrar fisicamente o que ocorre durante a expulsão de um demônio. É muito difícil de crer, mas estão aí. 

Uma vez, uma pessoa sobre a qual orava me cuspia todo o tempo e eu esquivava de suas cusparadas como podia. Uma dessas vezes, lhe vi que me ia a cuspir e pus minha mão diante de sua boca. Foi tudo muito rápido, mas colhi no vôo um cravo enorme e estava seco. Não tinha saliva nem nada. Se materializou no momento de sair de sua boca.

-Você conta que uma só sessão de exorcismo pode ser duríssima.
-Necessita-se de uma enorme força psicológica para asistir a um exorcismo e não distrair-se da oração com nada, diga o que diga ou faça o que faça o demônio. A fadiga pode ser muito grande.

-Como nos protegermos para que nunca nos suceda algo assim?
-O melhor remédio contra o demônio é a oração e a confiança na Misericórdia. Com oração e sendo fiéis aos regalos infinitos da Igreja: os Sacramentos. Deus jamais abandona um filho fiel. Protege-o, ama-o com loucura,  mimaó com seus regalos. Não deveis ter medo jamais!

-Você nunca teve medo?
-No mesmo dia que me nomearam exorcista me encomendei à Santíssima Virgem. Pedi-lhe que me revestisse e me protegesse cada dia com seu manto materno. Também, tenho uma profunda devoção ao meu anjo da guarda, ao qual me encomendo cada dia e antes de cada exorcismo. Portanto, creio que é o demônio, pela graça de Deus, quem começa a tremer quando me vê aparecer e começo a rezar.

João Paulo II
-É certo que você exorcizou junto a João Paulo II?
-Conto-lhe uma anedota desse impressionante santo. Estava eu exorcizando uma pobre garota jovem, que levava muitos anos tentando libertar. O exorcismo dessa manhã tinha sido duríssimo e tanto ela como eu estávamos esgotados. Então nós fomos os dois à uma missa que celebrava o Papa na Basílica de São Pedro.

Ela estava tranquila, com uma vontade tremenda de estar na Missa e de ver o Papa. Tudo ia bem até que o Papa entrou na Basílica, com todas aquelas vestimentas, preparado para celebrar. Quando esta garota lhe viu, foi fatal, gritos e convulsões, etc. Estava claro que o demônio não suportava a presença desse homem tão de Cristo. O Papa a olhou cheio de compaixão e deu a ordem de que a afastassem um pouco, pois os gritos que proferia e as palavrões iam ser um estorvo para a celebração.

Quando finalizou a Missa, o Papa se aproximou dela, que seguia com uma inquietude horrorosa. Impôs-lhes as mãs, começou a orar e a garota foi fatal. Assim esteve o Santo Padre um bom tempo, até que se acalmou um pouco. Talvez tenha conseguido expulsar um par de demônios. O caso é que, esgotado, disse ao seu secretário: “Avise o padre Amorth. Que siga ele”. E aí tive que seguir eu, que havia estado antes não sei quantas horas com a pobre desditada sem nenhum fruto. Eu ri: o Papa não sabia.

-Obedeceu-lhe?
-Claro! Eu quis muitíssimo a João Paulo II.

Medjugorje
-Há um elemento muito forte no mundo atual na luta contra o demônio, um fenômeno que o Papa João Paulo II amava muito como  revelou o postulador de sua causa de beatificação, que é o fenômeno de Medjugorje. Que opinião lhe merece?
-Medjugorje é um lugar de grande fortaleza contra Satanás. Nossa Senhora disse em Medjugorje em 14 de abril de 1982: “Deus permitiu que Satanás ponha a prova a Igreja durante um século”, mas acrescentou que não a destruiria: “Este século no qual viveis está debaixo do poder de Satanás, mas quando sejam realizados os secredos que vos  confiei, seu poder se quebrará”.

Estas palavras nos dizem que Satanás está hoje trabalhando, mas por sua vez, também está a Virgem. Aí estão os frutos de Medjugorje. São já mais de 30 anos de bons frutos e o Evangelho é claro sobre como discernir os acontecimentos que sucedem. A árvore se conhece por seus frutos, e os de Medjugorje são tão claros que a mim me dá pena que se ignorem. Inclusive crentes, leigos e consagrados, que sem ter estado sequer ali, já tomaram sua decisão de rechaçá-lo. Mas bem, do pouco que sabemos dos secredos confiados aos videntes de Medjugorje é que quando se realizarem, o dragão será derrotado e o reino da luz triunfará.

-O que recomenda para uma pessoa que quer ir ao céu sem pisar no purgatório e sem saber nada de Satanás?
-Meu filho, eu também quero ir ao céu. Agarra-te aos sacramentos e sobretudo à Virgem Maria. Ela jamais te abandonará.

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