Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ao lado dos doentes, eram os pobres objeto da caridade especial do nosso santo. A vista de um pobre sensibilizava-o.




A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO VII 

Severo consigo, amável com os outros 

É próprio da genuína piedade produzir e fomentar no coração duas aspirações, aparentemente opostas, mas que prosseguem o seu fim na mais bela harmonia ajustando-se mutuamente: o rigor contra si próprio e a amabilidade com o próximo. 

Da austeridade de Geraldo consigo mesmo já nos convenceu a sua vida no século; no convento ela intensificou-se elevando-se até ao mais alto grau. Examinando a cela, a roupa etc. de Geraldo, encontraremos em toda parte a mais extrema pobreza. 

Com a permissão do Pe. Cafaro escolhera-se o santo para habitação o canto mais escuro da casa, onde estendeu o seu leito, ou antes, o seu flagelo. Este consistia em um enxergão com palha nas beiras e pedras pontudas no centro e uns tijolos que serviam de travesseiro. Nesse leito é que gozava um curto descanso, que procurava ainda ficar com a posição incômoda que tomava. Essa espécie de cama ele a usou até o fim da vida; em Caposele, onde faleceu Geraldo, um confrade teve a curiosidade de examinar o leito do santo e achou-o todo cheio de pedras e espinhos. 

Além da cama Geraldo só tinha uma cadeira na cela. O adorno eram algumas caveiras colocadas ao redor do leito. Estava convencido de que merecia somente esse rigor e essa pobreza; habitação melhor parecia-lhe luxo desnecessário. Perguntando-lhe um confrade o motivo de tamanha pobreza, respondeu: “Faço assim porque o mereço; faço-o por amor do meu Deus e Criador”. 
Quando Mons. Basta, bispo de Melfi e Mons. Amato, bispo de Lacedogna, foram fazer o retiro espiritual em Iliceto, ficaram estupefatos à vista da cela do santo, não encontrando palavras que pudessem interpretar o seu assombro diante de tanta pobreza e austeridade. 

Mais tarde recebeu Geraldo, muito a contragosto, uma cela regular, de que poucas vezes se servia. Sempre que apareciam hóspedes no convento para o retiro espiritual ou para qualquer outro fim, Geraldo oferecia logo a sua cela e ia dormir sobre o pavimento em qualquer canto da casa ou, mais freqüentemente, na igreja, onde procurava algum esconderijo mais do seu gosto. O altar-mor era oco, podendo fechar-se por uma pequena porta, e bastante espaçoso para alguém lá se estender. Lá gostava Geraldo de repousar nessas ocasiões, porque ficava mais perto do SS. Sacramento e debaixo do altar onde diariamente se celebrava o santo sacrifício. 

Só uma vez sentiu-se um tanto vexado nesse seu lugar predileto. Depois de prolongada vigília foi Geraldo repousar pouco antes do despontar da aurora. Fatigado adormeceu logo tão profundamente que só acordou depois de começada a primeira missa; despertou-se ao som da campainha que tocava à elevação. Não podendo deixar o seu esconderijo sem trair a sua mortificação e causar admiração e distração aos assistentes, teve de permanecer debaixo do altar até o fim das missas. 

Às vezes, quando Geraldo tinha de ceder sua cela aos hóspedes, recolhia-se à estrebaria onde descansava sobre a palha ao lado dos animais de carga. 
Quando os superiores lhe deram ordem de usar, como os outros, um simples colchão, proibindo-lhe dormir sobre a terra nua e sobre pedras, Geraldo pediu com tanta insistência lhe permitissem dormir como até então, que os superiores julgaram dever atendê-lo em parte; permitiam-lhe descansar sobre tábuas e tomar tijolos por travesseiro apenas três vezes por semana. Foi-lhe igualmente concedida a licença de carregar-se de pedras aos pés e de levar nessas ocasiões, uma corrente de ferro ao redor das têmporas. 
Quanto ao vestuário observava o santo o mesmo rigor e austeridade. Como alfaiate era ele que distribuía a roupa à comunidade; reservava para si as peças mais velhas e estragadas. Vestia-se tão pobremente que quase não era reconhecido pelos seculares, ocasionando sua pobreza mal entendidos cômicos, como teremos ocasião de ver. Embora observasse extrema pobreza, procurava o asseio em tudo, detestando a negligência e a imundície. 

A sua austeridade quanto à alimentação já tivemos ocasião de mencioná-la. Temos apenas a acrescentar que a respeito de comida e bebida, como de outras necessidades terrenas, Geraldo se abandonava inteiramente à divina Providência, não se preocupando com o resto. Embora nunca descuidasse de coisa alguma confiada à sua solicitude, não sabia cuidar de si, mesmo em se tratando das coisas mais necessárias. 

Quando saía de casa para algum negócio, o superior tinha de lhe indicar o modo como se prover do indispensável para as suas necessidades, porque ele cuidava tão pouco disso como os pardais da sua alimentação; entregava-se inteiramente aos cuidados da divina Providência. 
Um dia enviaram-no a Acadia; tinha de partir de manhã e como o Pe. Ministro se esquecera de lhe dar café com mistura, fez em jejum a longa jornada; ao chegar ao termo da viagem sentiu tanta fraqueza e cansaço que caiu desmaiado. Ele nem se lembrara de tomar, de caminho, algum alimento que lhe restaurasse as forças. 
Se era cruel para si, Geraldo para os outros era a amabilidade personificada que abrangia a todos com desvelo maternal, e a mais desinteressada caridade iluminada e consolidada por motivos sobrenaturais. 

Era natural que os confrades ocupassem em seu coração o primeiro lugar. Já temos mencionado a presteza com que auxiliava os irmãos leigos, seus companheiros de trabalho; também já deduzimos os princípios por ele seguidos na convivência com seus irmãos de hábito; queremos apenas notar que Geraldo os executou à risca, tornando-se consumado modelo de caridade fraterna. 
Como alfaiate achava sempre ocasião de exercer essa solicitude que nunca lhe passava despercebida, porquanto cada dia dava evidentes provas de atenção, obsequiosidade e gentileza. 
Na medida que se alegrava com a falta de qualquer coisa necessária para si, amargurava-se em percebê-la nos outros. Por ocasião de um rigoroso inverno despiu-se de sua camisa de flanela para dá-la a um necessitado. Nunca quis possuir coisa mais cômoda do que os outros. Cedia ao próximo tudo o que possuía de bom, tomando para si “o que Deus lhe dava”, como se costumava expressar, “porque, dizia ele, assim todos ficam satisfeitos e eu também”. 

Nutria especial amor aos doentes. Em caso de enfermidade de algum confrade, visitava-o ao menos uma vez por dia para consolá-lo e prestar-lhe algum serviço, mesmo quando não lhe confiavam o cuidado dos enfermos. 
Embora nesse particular os confrades fossem os preferidos, os outros não ficavam excluídos dos seus cuidados e atenções. 

O cônego Francisco Antônio Sabatelli de Melfi adoeceu gravemente em uma de suas visitas a Iliceto. Embora o nosso santo não o conhecesse mais de perto, prontificou-se a prestar-lhe todos os serviços necessários e a permanecer dia e noite à cabeceira de seu leito. Sabatelli nem suspeitava que, por sua causa, o bom irmão se privava do sono; ficou sumamente comovido quando uma vez, ao acordar à noite, percebeu Geraldo a velar ao pé do seu leito. Tão grande e desinteressada caridade edificou o cônego, que por gratidão teceu em toda parte o maior elogio ao nobre Irmão Geraldo. 

Ainda mais admirável patenteou-se a caridade do servo de Deus em uma outra ocasião. Na casa de Iliceto achava-se casualmente um ermitão, que caiu gravemente enfermo. Esse infeliz iludira até então o mundo, não levando a vida, que seu hábito fazia supor. A sua doença era excessivamente nojenta, exalando do seu corpo um mau cheiro insuportável, de sorte que só por necessidade, dele se podia aproximar. Para Geraldo era isso mais um motivo para tratá-lo com o maior desvelo; cuidou dele com todo o carinho e tornou-se em tudo o seu bom anjo da guarda. Com todo gosto teria salvo aquela alma, que se achava em tão triste estado, mas não o conseguiu. 

Debalde expôs ao moribundo todos os motivos possíveis de contrição e de confiança na misericórdia divina; em vão procurou acender em sua alma as últimas centelhas de fé; a chama não se formava, o coração permaneceu empedernido; o hipócrita, que rejeitara tantas outras graças, desprezou também esta última. Morreu impenitente. Apesar de tudo Geraldo julgou dever continuar a sua caridade e recomendou a Deus a alma do finado com todo o fervor, até que um dia o infeliz lhe apareceu e disse com voz horrorosa: “Não rezeis mais por mim, estou condenado pelo justo juízo de Deus!” Geraldo ficou tão aterrado com essa revelação que nunca mais a pôde esquecer. 

Justamente nessa época Deus, querendo talvez consolar o coração do seu servo e fortalecer a sua confiança, deu-lhe a entender novamente e de modo insofismável que a força e o auxílio divino estavam a seu lado em medida extraordinária. 

Na cidade de Iliceto havia um rapaz tuberculoso em estado desesperador. O médico declarou incurável a moléstia “porque, disse, para curá-lo seria preciso ter o poder de formar novos pulmões”. O doente e sua família recorreram ao céu, e sabendo que Geraldo era um grande santo, dotado do dom dos milagres, pediram ao Pe. Reitor permitisse ao irmão uma visita ao enfermo. Concedida a licença, o santo dirigiu-se à casa do tuberculoso, justamente na hora em que o médico lá se achava. Na presença deste, Geraldo consolou o rapaz, admoestou-o à piedade e aconselhou-o a depositar toda a sua confiança em Deus, “em cujas mãos — como ele se expressou — estão os destinos dos homens, e do qual ele poderia esperar a saúde”. 

Estas palavras tão contrárias à declaração do médico indignaram-no sumamente; reafirmou ao doente e a toda a família o que havia dito antes e tornou a declarar o péssimo estado do doente. 
“Ele não pode sarar, disse, os pulmões estão putrefatos”. Em seu ponto de vista o médico não podia dizer outra coisa; mas Geraldo que se firmava em outras bases replicou: “Bem, os pulmões podem estar deteriorados e consumidos, mas não credes que Deus, Criador de todas as coisas, pode formar um novo pulmão ou restituir o pulmão afetado do doente ao seu antigo estado? Queira Ele operar agora este milagre para nos corações dos crentes se consolidar a confiança e todos se animarem a recorrer a Ele!” Dito isto estava já para sair, quando os pais lhe pediram quisesse incluir o doente em suas orações. Geraldo prometeu fazê-lo e guardou palavra. A sua oração foi de uma eficácia admirável. O estado do doente melhorou instantaneamente e em poucos dias o rapaz estava completamente restabelecido. Todos ficaram pasmos, sobretudo o médico que publicamente confessou o milagre sem o qual a cura jamais se efetuaria. 

Ao lado dos doentes, eram os pobres objeto da caridade especial do nosso santo. A vista de um pobre sensibilizava-o; sempre que possível todos os indigentes podiam contar com o seu auxílio; mesmo os que se achavam temporariamente em apuros, podiam estar seguros da sua caridade. 
Encontrou-se um dia com um pobre velho carregando sobre a cabeça um feixe de lenha, que lhe dificultava o passo. Geraldo correu, tomou-lhe o feixe e sobre seus próprios ombros levou-o até à cabana do velho. 

Coisa semelhante deu-se também em Santa Agueda de Puglie. Ao subir uma colina íngreme, notou que uma pobre mulher, depois de lavar a roupa no ribeirão, carregava o fardo lutando com o peso. Geraldo compadecido livrou-a do peso que colocou sobre a sua cabeça. Ao entrar na cidade sentia acanhamento de parecer um carregador, venceu porém o respeito humano que se despertava, e só entregou à mulher o fardo, depois de chegado à sua habitação. 
“Nesse ato de caridade, observa Tannoia, ele imitou fielmente o irmão Vito Curcio que em Scala costumava aliviar desse modo os carregadores”. 

Um outro exemplo de amabilidade serviçal deu Geraldo, quando, ao acompanhar diversos clérigos que iam ser ordenados, encontrou diante de um rio que transbordara excepcionalmente uns operários que, embora tivesse de entrar em trabalho, não se atreviam a transpor a água. Geraldo que se achava do outro lado, atravessou o rio a cavalo e transportou todos, um a um, em poucas viagens, sem maiores novidades. Uma testemunha atesta que o santo, nessa ocasião, agiu com calma e segurança, como se cavalgasse em terra firme e não sobre ondas espumantes; todos os perigos pareciam desaparecer aos olhos do santo irmão. Gritavam-lhe que tomasse cuidado, ao que ele respondia apenas: “Caridade”, e tocava o cavalo dizendo: “Vamos, cavalinho, por amor de Deus”. 

Nessa mesma viagem ele e os clérigos chegaram a uma outra torrente também a transbordar, que era necessário atravessar. Geraldo não se alterou; fez com os clérigos o que fizera com os operários e conseguiu levá-los, um a um, para o outro lado.  
Se o santo desenvolvia esse ardor de caridade em se tratando apenas de interesses materiais, muito mais zeloso era quando estavam em jogo os bens eternos, a salvação das almas. Dai sua oração constante pela Santa Igreja, pela sua difusão sobre a terra, por seu chefe espiritual, o Santo Padre, pelos bispos e sacerdotes, pelos missionários, sobretudo por seus confrades que no púlpito e confessionário trabalhavam pela glória de Deus e salvação das almas. 

O pensamento de o mundo ser tão frio e indiferente para com o amor divino, o afligia e torturava; desejava abrasar a todos com o fogo que o devorava. Espetáculo arrebatador era-lhe as almas abrasadas e santas, que serviam ao Senhor e por ele se sacrificavam. 
Do outro lado perturbava-se profundamente só ao ouvir falar no pecado. Com gosto daria sua vida para impedi-lo. Queixava-se e entristecia-se ao refletir na ingratidão dos homens que ofendem a Deus, frustrando assim os frutos da sagrada Paixão do Salvador; gemia então e suspirava enquanto torrentes de lágrimas despencavam-se de seus olhos. Daí se compreende porque tanto amava as benditas almas do Purgatório. Pela conversão dos pecadores era capaz de todos os sacrifícios; por ela oferecia a Deus, as boas obras, orações, comunhões e sofrimentos. 

Podemos com fundamento afirmar que já então nutria o sentimento que o fez exclamar mais tarde: “Oxalá, meu Deus, pudesse eu converter tantos pecadores quantos são os grãos de areia nas praias do mar, as folhas nas árvores, os cálamos nos campos, os átomos no ar, estrelas no firmamento, raios de luz no sol, na lua e nas estrelas, e criaturas no mundo inteiro!” 

Encontrando-se o santo com algum pecador, cuja alma esperava poder salvar, a sua simplicidade transformava-se em energia, seu silêncio em eloqüência, sua modéstia em dignidade; descobria os argumentos mais convincentes e falava, suplicava e conjurava com tanta importunação, que era impossível resistir-lhe. Muito raramente esforçava-se em vão pela conversão de um pecador, e pouquíssimas vezes recaíam os convertidos na vida de pecados. Em se tratando da salvação de uma alma, não conhecia atenções nem perigos, embora nunca ultrapassasse os limites da prudência e conservasse sempre a calma própria ao verdadeiro zelo, que quer ganhar os corações. 

Um gentil homem possuía perto de Iliceto uma propriedade, cortada por um caminho que ia a Foggia. Devido aos prejuízos, que lhe advinham disso, fechou a estrada que passava por seu terreno e contratou para esse fim uns guardas que não poucas vezes exorbitavam das suas funções, maltratando o povo com grosserias e pancadas. 
Um dia aconteceu passar por lá o nosso santo de volta de Foggia, para onde fora tratar de alguns negócios por ordem dos seus superiores. Sem nada suspeitar atravessou a estrada, montado em sua cavalgadura, quando um dos guardas, franzindo o rosto, se precipitou sobre ele. Esse tal era um notório monstro da crueldade. 

O bom irmão teve de experimentar em si a realidade da má fama do guarda, que o agrediu debaixo de blasfêmias horrorosas e o espancou com a coronha de sua espingarda, de sorte que Geraldo quase sem sentidos, caiu do cavalo com uma das costelas quebrada. O monstro, não satisfeito ainda, continuou a bater-lhe, com crueldade, sobre o peito e o lado. “Já de há muito, disse ele, estou à espera de um frade, para satisfazer o meu ódio, chegaste a tempo”. 
Mal cessara o monstro as suas pancadas, tentou Geraldo levantar-se para se prostrar aos pés do seu inimigo e pedir-lhe perdão. “Nada de desculpas, nada de pretextos” gritou o guarda, e recomeçou os maus tratos. Vendo o santo que o homem não se deixava comover, conformou-se com a sorte, pôs as mãos e disse: “Batei, irmão, batei que tendes razão para isso”. 

Esse ato de humildade e paciência foi como água na fervura. Sua resignação, calma e incompreensível sede de sofrimentos subjugaram o monstro, que da crueldade passou ao arrependimento; lançou para longe a arma e exclamou entre soluços, levando as mãos à cabeça: “Que fiz eu? ah, assassinei um santo”. Lançou-se aos pés de Geraldo, pedindo-lhe que perdoasse e esquecesse aquela brutalidade. 
O pedido foi facilmente atendido. O santo abraçou o pecador arrependido, duplamente satisfeito por haver padecido e salvo a alma do infeliz; renovou as suas desculpas e pediu-lhe que o ajudasse a montar e o acompanhasse até o convento. 

De caminho nenhuma queixa caiu dos lábios de Geraldo; lamentava apenas o estado deplorável da alma do seu condutor, pôs-se a falar de coisas próprias para fazer cair em si; pintou-lhe a fealdade do pecado mortal, discorreu sobre a bondade de Deus ofendido e mostrou-lhe a horribilidade do inferno; interessava-se tão somente pela salvação daquela alma. 
Meio morto chegou Geraldo em casa; interrogado pelos confrades pela causa de tão lamentável estado, o santo, para não comprometer seu companheiro e para terminar a sua obra de caridade, respondeu apenas que havia levado uma queda desastrada; louvou a seguir, a bondade do homem que o acompanhou até o convento; soube enaltecer tanto o benefício recebido, que o guarda voltou para casa coberto de presentes. Geraldo despediu-se dele com as palavras: “Irmão, peço-vos que não façais mais a ninguém, o que fizestes a mim; do contrário ter-vos-íeis de arrepender muito”. 

Essas novas provas de inconcebível caridade, enterneceram o coração do guarda, o qual se abriu inteiramente à oração da graça; depois de narrar publicamente o ocorrido, voltou a Iliceto onde fez, entre lágrimas e soluços, a sua confissão geral. Mas o infeliz não perseverou em seus bons sentimentos; para a sua constância no bem seria necessário um esforço heroico, um combate sem tréguas contra sua natureza tão inclinada para o mal; o guarda não quis esforçar-se nem combater, e por isso reincidiu no vício que em Iliceto havia deplorado e detestado. 

Um dia, fazendo a guarda, tentou espancar um indivíduo que passava pela estrada e que não possuía a paciência e a santidade de Geraldo. O cavaleiro saltou de sua cavalgadura, arrancou-lhe das mãos a espingarda, espancou-o deixando-o quase morto no chão. Em vez de ver nisso o dedo de Deus, continuou obcecado. Em um novo encontro, uma bala inimiga tirou-lhe a vida, não lhe dando tempo de se reconciliar com Deus. 

Geraldo chorou amargamente a morte do guarda, do qual conservou recordação perene em toda a sua vida, porque, em conseqüência daquelas pancadas, o peito continuou sempre a expelir sangue, causando-lhe extrema fraqueza; nunca porém contou a ninguém a causa dessas hemorragias; antes ao contrário procurou ocultá-la o mais possível. Surpreendido por um irmão por ocasião de um desses vômitos de sangue, Geraldo pediu-lhe não o contasse aos superiores: “Far-me-eis, disse, um grande favor se não disserdes nada a ninguém; já tenho tido desses ataques, repetidas vezes, e nunca me julguei obrigado a dizê-lo a pessoa alguma”. 

Se o zelo de Geraldo na conversão do infeliz guarda não foi coroado de completo êxito, em milhares de casos análogos conseguiu ver o efeito feliz de seus esforços. 
Entre os que em Iliceto foram fazer o retiro achava-se uma vez um senhor de nobre aparência, o qual, resolvido a pôr em ordem os negócios de sua alma, começou os exercícios com a maior boa vontade; o infeliz não tardou a perder a tranqüilidade de espírito. O inimigo procurou levá-lo ao desespero pela lembrança das inúmeras ofensas feitas a Deus, da grandeza da sua ingratidão e da dificuldade de uma verdadeira e completa conversão. O pecador perdeu a coragem e o gosto de trabalhar na salvação da sua alma; tomou por fim a resolução de voltar para casa e não se incomodar mais com coisas espirituais. 

Nesse estado encontrou-o Geraldo, que por uma revelação divina conhecera a tempestade desencadeada no coração do infeliz e a sua prostração espiritual. Sem rodeios o servo de Deus interpelou-o: “Que tendes, senhor? resisti a essa desconfiança que vem do inferno; Deus e a SS. Virgem vos hão de auxiliar!” O rubor ascendeu às faces do retirante; viu-se descoberto e desconcertado; logo porém as palavras de Geraldo o tranqüilizaram e confortaram e ele, livre dos ataques do inimigo, dissipou os pensamentos lúgubres e cooperou com a graça até o fim. 

Um outro retirante, cedendo à tentação, não confessou sinceramente os seus pecados. Não obstante quis tomar parte na comunhão geral. Geraldo, que estava o coro a rezar, iluminado por Deus, foi ter com ele, chamou-o à parte e, com bondade, mostrou-lhe a gravidade do crime que ia cometer. O assombro, a confusão, a vergonha apoderaram-se do pecador diante dessa manifestação do Irmão. Caíram-lhe as escamas dos olhos; a sua malícia ficou patente aos olhos de sua alma em toda a sua detestabilidade e vileza; procurou sem mais detença um confessor e fez uma sincera e detalhada confissão das suas culpas. No excesso da sua contrição dirigiu-se à igreja, onde todos estavam reunidos, ajoelhou-se e disse em voz clara: “Eu me envergonhei de contar aos padres os meus pecados, mas o Irmão Geraldo m’os descobriu; agora, para confusão minha, quero manifestá-los a todos”. O penitente teria feito a declaração pública de seus delitos, se um dos sacerdotes presentes não lhe tivesse proibido. 

Caridade ainda maior e mais admirável demonstrou o santo a um sacerdote, enviado pelo bispo Amato de Lacedogna ao convento de Iliceto, para o retiro espiritual. Esse homem manchara a sua batina, escandalizando o povo com seu mau procedimento. Todos os meios, severidade e brandura empregados na sua conversão, haviam fracassado até então. Es-se retiro imposto pelo prelado, ele o fez externamente bem, mais o seu interior continuou na mesma, porquanto estava resolvido a não mudar de vida. 
Hipócrita até o fim, ousou aproximar-se com os outros da mesa da comunhão. Geraldo encontrou-se com ele: “Para onde vai, senhor?” perguntou detendo-o. “Vou comungar”, respondeu o infeliz. “Comungar? replicou Geraldo em tom de indignação, comungar? o senhor vai comungar e não se confessou deste, daquele, e daquele outro pecado! Vá confessar-se já, e confessa-se bem, se não quiser que a terra o devore!” Apavorado com aquelas palavras, que traíam um olhar sobrenatural sobre o seu coração, o sacerdote caiu em si, confessou os seus pecados e fez sincero propósito de mudar de vida. 

Com as melhores resoluções deixou o convento dos redentoristas e voltou para a sua terra. O seu fervor conservou-se ainda uns meses; mas depois retornou o infeliz ao estado anterior e tornou-se pior do que antes. 
Apesar disso voltou, o ano seguinte, a Iliceto para o retiro. À pergunta de Geraldo sobre o estado da sua consciência atreveu-se a responder que, graças a Deus, tudo ia bem, pois que não recaíra nos pecados passados. O nosso santo porém, por iluminação divina, conheceu o verdadeiro estado daquela alma; desolou-se com a mentira atrevida, que era para ele o sinal evidente de que o infeliz tornara a cair nas garras do “pai da mentira”. 
O seu zelo apostólico não quis desanimar ainda quanto à salvação daquela alma, por mais difícil que lhe parecesse. Serviu-se dos meios mais eficazes para tais empresas; pediu a Deus o munisse de força, caridade e paciência; tomou um crucifixo, foi ao quarto do sacerdote e fechou a porta e as vidraças. Estava excitadíssimo; em seu coração agitavam-se os sentimentos de um ardente zelo, de terna caridade e nobre indignação, sentimentos esses que se espe-lhavam em seus olhos e em todo o seu exterior. Sem mais preâmbulos começou: “Que é isto senhor! —   

Tivestes o atrevimento de ofender de tal forma a Deus, ah! ingrato e mentiroso”. — Como? “Não fizestes nada? Não recaíste? Vede as chagas de Jesus Cristo; contemplai-as; quem é que as abriu senão vossas iniqüidades? Quem, senão vós, arrancou de suas veias o sangue divino!” Geraldo segurava, entretanto, o crucifixo antes os olhos do pecador; e eis — das mãos e dos pés da imagem jorrou fresco e abundante sangue — milagre estupendo que não deixou de impressionar o pobre sacerdote. Mas Geraldo continuou o seu sermão aterrador: “Que mal vos fez ele? e, com crescente zelo — por vós quis ele nascer como uma criancinha no presépio, por vosso amor despojou-se de tudo, reclinado sobre a palha”. Enquanto Geraldo assim falava, o sacerdote via o menino Deus nas mãos do irmão. “Como? continuou, ousais zombar-vos do vosso Deus, achincalhá-lo dessa forma? Sabei que isso não fica sem castigo; Deus é bom, mas por fim castiga. Também vós haveis de experimentá-lo se não cessardes as vossas desordens. O que vos espera — eis!” Geraldo fez um sinal com a mão e diante do pecador apareceu o demônio esquálido e ameaçador. O pecador tremia em todo o corpo, transido de medo e pavor. “Retira-te, besta infernal!” ordenou Geraldo ao perceber a boa impressão causada. A aparição dissipou-se. — O coração do pecador estava profundamente abalado e repleto de pavor e contrição. A imagem do celeste Amor e do infernal Ódio abrandara-o completamente; era-lhe já impossível resistir. Mal Geraldo se ausentara, correu ao Pe. Petrella, confessou-se e narrou-lhe o milagre, que o curara da sua hipocrisia. Em seguida deu-lhe permissão de contá-lo publicamente para servir de edificação e instrução para todos. A mudança de vida foi, desta vez, radical e perfeita; o convertido não se desviou mais do bom caminho, levando até a morte uma vida exemplar e edificante. 

Da mesma forma como o santo efetuou a conversão no caso supracitado pela aparição misteriosa do sangue de Cristo, do Menino Jesus e do demônio, assim em uma outra ocasião fez um pecador cair em si e arrepender-se pela visão de uma alma condenada. 
Era uma vez um retirante que se aproximava da sagrada mesa em estado de pecado mortal. Geraldo teve ainda tempo de chamá-lo à ordem: “Irmão, disse-lhe com bondade, ides comungar tendo na consciência um pecado mortal, que não confessastes; não sabeis que o sacrilégio é um grande crime? e se não o sabeis — quero vô-lo mostrar — e eis a fealdade pavorosa de uma alma sacrílega!” Nesse momento apareceu uma alma condenada. Seu aspecto era tão horrendo, que o pecador ficou transido de pavor; uma torrente de lágrimas brotou-lhe dos olhos; voltou ao confessionário, declarou sinceramente todas as suas culpas e mudou de vida. A admoestação de Geraldo e a visão do condenado impressionaram-no vivamente durante toda a sua vida, conservando-o firme contra todas as tentações do demônio.  

São muitas as conversões que Geraldo operou dessa forma miraculosa; são provas de caridade que o santo nutria para com os pecadores. 
Não há entretanto testemunho melhor do zelo de Geraldo, do que o ódio do demônio que molestava sem cessar o bom irmão, ódio esse que crescia na medida que o santo se enchia de zelo pela conversão dos pecadores, obtendo sempre resultados consoladores. 
À noite era o leito do santo assediado de um exército de espíritos malignos que se apresentavam em figuras horrendas, uivando, gritando e ameaçando reduzir tudo a pedaços. Uma vez que Geraldo estava ocupado na cozinha, apareceram-lhe em forma de cães ferozes procurando atirá-lo ao fogo. Muitas vezes arrastavam-no pelos corredores da casa, espancavam-no até o sangue, amarravam-lhe o pescoço procurando estrangulá-lo. Mais terrível era essa perseguição nas noites de sexta-feira, que Geraldo passava a velar penitenciando-se em desagravo dos pecados e pela conversão das almas. 

Estranho é que os próprios espíritos malignos não poucas vezes lhe manifestavam a causa de suas inquietações. “Não quereis cessar, disse um deles, de nos roubar almas; não cessarei também de vos atormentar, até vos tirar deste mundo”. 
Não conseguiram porém intimidar o nosso santo, que expôs o seu pensamento à respeito, nas linhas seguintes, que extraímos de uma carta sua: “Quando o demônio procurar intimidar a nossa alma, não tenhamos receio. O seu papel é aterrorizar-nos, o nos-so deve ser: não nos deixar cair em suas artimanhas. É certo que às vezes ficamos confusos e fracos, mas tendo Deus conosco e recorrendo a ele, não precisamos desanimar, porque nesses combates seremos sem dúvida amparados pela majestade divina. Permaneçamos tranqüilos e firmes no cumprimento da vontade divina”. 
Por mais que os espíritos malignos o assaltassem, Geraldo os desprezava na certeza da completa impotência deles. “Podeis uivar, disse uma vez quando o rodeavam quais lobos famintos; enquanto Jesus estiver ao meu lado e com ele a SS. Virgem, não me podereis morder”. Molhava então o dedo na água benta e aspergia-os com ele; ou fazia o sinal da cruz e a chusma infernal desfazia-se como a neblina ao nascer do sol. 

A mesma virtude celeste exercia Geraldo em se tratando de outras pessoas perseguidas pelo inimigo maligno. “A quantos possessos, exclama Tannoia, não libertou ele só com uma ordem! Um dia, chamado a um desses infelizes, que o demônio não queria abandonar, Geraldo cingiu-o com seu cinto, o que foi suficiente para pôr em fuga o inimigo”. 
O santo conhecia imediatamente a presença do espírito maligno em qualquer lugar, sem se enganar jamais com suas aparições sob as mais variadas formas. Um domingo postaram-se à porta do convento dois rapazes, cuja procedência todos ignoravam. Geraldo reconheceu-os incontinenti: “Que estais fazendo aqui? — disse a um deles — aqui não é o vosso lugar. Em nome de Deus, ide para o inferno!” Os desconhecidos desapareceram num instante: eram espíritos maus. Não se sabe o motivo da sua permanência à porta do convento; mas o fato é fora de dúvida, porque testemunhado por diversos religiosos daquela comunidade. 


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A razão básica da admirável vida de oração do nosso santo estava na sua íntima união com a vontade divina. Não aspirava aos êxtases e consolações celestiais, mas sim ao cumprimento perfeito e integral da santíssima vontade de Deus.



CAPÍTULO VI 

  

Vida reconcentrada em Deus

O que distingue um irmão leigo de um simples criado mudo é, como já ficou dito, a compreensão e prontidão em unir o trabalho manual e a oração de modo natural e espontâneo, de sorte que ambos se revezam transfigurando-se o trabalho pela reta intenção, repetidas jaculatórias, numa palavra, pelo espírito de devoção. 
Essa compreensão e prontidão de unir Marta e Maria, Geraldo as possuía já no mundo. Em Iliceto aperfeiçoou-as tanto que conduziu à maestria a arte de levar uma vida interior no meio das ocupações externas. 
Tannoia relata que “em Geraldo o trabalho nunca se separava do espírito da oração. Cansado das fadigas do dia, recolhia-se de noite à igreja onde derramava lágrimas diante do SS. Sacramento. 

Os exercícios de piedade prescritos pela Regra não saciavam o seu coração; procurava indenizar-se à noite entregando-se à meditação com tamanho fervor e constância que muitas vezes o encontravam, de manhã, no mesmo lugar onde o haviam deixado na noite anterior. A oração era tudo para ele; mantinha-se na presença de Deus por dissipadoras que fossem as ocupações do dia. Seu recolhimento era sempre em toda parte profundo, suas jaculatórias freqüentes e ardentes. Jesus e Maria estavam constantemente em seu coração e em seus lábios; por vezes, absorto em Deus, interrompia o trabalho, esquecido dele e do mundo. 
O santo cultivava o recolhimento de espírito com tanto empenho que o Pe. de Robertis julgou poder afirmar que ele o levou ao ponto de sempre e ininterruptamente pensar em Deus. O Pe. Juvenal, seu companheiro em Iliceto, confirmou esta afirmação. 
“Lembro-me, diz o Pe. Juvenal, que o Pe. Cafaro uma vez no capítulo das culpas lhe impôs a penitência de não pensar tão continuamente em Deus. Mas que podia ele fazer? Deus o atraía irresistivelmente a si. Andando pelos corredores do convento suspirava: Ó meu Deus, não vos quero, não vos quero”. 

Essa união com Deus era tão intensa, que se transformava muitas vezes em êxtase, privando-o totalmente dos sentidos. Aos poucos a alma de Geraldo tornou-se tão susceptível dessas grandiosas reconcentrações em Deus, que bastava uma imagem, um tom, uma palavra piedosa para arrebatá-lo do mundo dos sentidos em prolongado arroubo extático. Acompanhando, uma vez, uns retirantes para a sala de jantar, ao descer os degraus da escada, olhou casualmente para a imagem da Imaculada, que se achava em frente; foi o suficiente para ele abismar-se em êxtase prolongado, com grande admiração dos presentes. 

Uma outra vez estava aprontando a mesa para ordinandos em retiro no convento. No refeitório achava-se um quadro do Ecce Homo pendurado na parede. No meio do trabalho lançou um olhar para o Cristo e isto bastou para desatar toda a veemência do seu amor: caiu em profundo êxtase, os olhos fixos na imagem, os braços abertos e o corpo sem sentidos. Um uma das mãos tinha o guardanapo e na outra o garfo. Um irmão leigo encontrou-o nesse estado e, notando que Geraldo não terminara o serviço e o tempo urgia, quis despertá-lo e chamou-o pelo nome. Geraldo porém nada ouviu; o irmão levantou a voz, mas em vão. Foi preciso chamar o Pe. Cafaro que o tomou pelo braço, dando-lhe ordem de voltar a si. Com isso Geraldo despertou imediatamente do êxtase. O Pe. Cafaro repreendeu-o e, para humilhá-lo, passou-lhe uma descompostura que o santo aceitou com sua costumada calma e resignação. 
Coisas comuns da vida que geralmente não comovem o coração, por exemplo, o ato de comer, despertavam nele tal abundância de pensamentos e sentimentos sublimes, que não lhe era possível resistir-lhes à impressão. Os padres Juvenal e Cajone bem como o Irmão Januário Rendina atestam que Geraldo durante as refeições, muitas vezes, derramava lágrimas ou pelo pensamento na bondade de Deus que lhe dava o alimento, ou por qualquer outro pensamento santo. Nessas ocasiões segurava pão e a faca ou o garfo, olhava para o céu demonstrando toda a sua atitude a expressão do mais profundo recolhimento. Isso durava às vezes longo tempo. 

A razão básica da admirável vida de oração do nosso santo estava na sua íntima união com a vontade divina. Não aspirava aos êxtases e consolações celestiais, mas sim ao cumprimento perfeito e integral da santíssima vontade de Deus. “Quero, dizia ele, amar a Deus, estar sempre unido com Deus e tudo fazer por amor de Deus”. “O verdadeiro amor divino — acrescentava — consiste essencialmente no abandono completo nas mãos de Deus, na conformidade à sua santíssima vontade e na permanência nessa conformidade durante toda a eternidade”. 

“Ó vontade de Deus, ó vontade de Deus, exclamou uma vez, quão feliz é quem entende não querer outra coisa senão o que Deus quer”. 
Para crescer mais no amor à vontade divina, Geraldo fazia convergir todas as suas meditações, devoções, penitencias e exercícios piedosos aos grandes mistérios em que Deus manifestou com mais evidência o seu amor. 

No mistério da redenção é que ele ateava o fogo da sua devoção, procurando haurir energia e luz para a sua alma. O crucifixo era o objeto predileto da sua meditação; ouvir falar na Paixão de Cristo ou contemplar uma sua imagem era o mesmo que arrebatá-lo em êxtase. Na época em que a Igreja lembra aos fiéis esse grande mistério, aprofundava-se tanto na meditação da Paixão que parecia padecer com o Redentor. Nessas ocasiões, mormente na semana santa, dava a aparência de um homem nos estertores da agonia prestes a exalar a alma. Ouviam-no então exclamar: “Jesus morreu por mim, e eu não morro por Aquele que deu sua vida para me salvar!” 
Quando ainda no mundo, a Paixão de Cristo constrangia-o a reproduzi-la fielmente em si mesmo, assemelhando-o a seu Salvador; no convento intensificou-se ainda mais essa santa aspiração. 
“Jesus Crucificado, diz o Pe. Tannoia, era o livro que ele tinha constantemente em mãos; quanto mais o lia, tanto mais se sentia obrigado a torturar o próprio corpo”. 
E realmente julgava impossível alguém chegar ao amor de Deus sem a mortificação do corpo. “O amor divino, dizia ele, não pode penetrar na alma, quando o seu invólucro está repleto”, isto é, quando o corpo está bem nutrido; por isso maltratava a sua carne como os carrascos atormentavam a do divino Salvador. 

“Em Geraldo a ânsia de sofrer e de participar das dores de Jesus, observa o Pe. Tannoia, não ficou sem recompensa. O crucificado, satisfeito com isso, concedeu ao nosso santo uma graça insigne que costuma outorgar a poucos dos seus servos, v. g. Francisco de Assis, Santa Catarina de Sena e outros, a graça de sentir verdadeira e misteriosamente as dores da Paixão. 

Geraldo pediu expressamente essa graça. Fresco e sadio nos dias comuns, mudava completamente de cor e feições na sexta-feira santa; tinha então a aparência de um homem curvado pela dor; parecia entrar em agonia e vertia copioso sangue. Indescritíveis eram os sofrimentos interiores e a aflição que nessa ocasião sentia. Ao começar porém a noite do sábado de Aleluia, tudo se transformava outra vez; a fraqueza cessava e Geraldo podia dedicar-se novamente às suas ocupações”. 

Além da sagrada Paixão, que era o assunto predileto das suas meditações, três outros mistérios da religião preocupavam de preferência a alma de nosso santo: o mistério da Encarnação, o do SS. Sacramento e a Imaculada Virgem, obra prima do poder e da graça divina. 

Como o leitor se lembrará, o Menino Deus comunicou-se visivelmente com Geraldo já nos dias de sua mais tenra infância e mostrou-lhe a carreira que tinha a seguir. Essa recordação calou indelevelmente na sua memória; parece que também mais tarde o nosso santo foi honrado mais vezes com a visita do Menino Deus; o divino infante era por isso o objeto de meditação e devoção, que ele não precisava mais procurar porquanto já o tinha sempre ante os olhos, o amava e venerava desde sempre. 
O seu biógrafo Pe. Tannoia e outros que o conheciam bem, contam que ele sempre hauria consolação indizível da devoção ao Menino Deus. De quanto júbilo não o inundava a festa do Natal! Prazer particular experimentava ao enfeitar o presépio e a igreja para essa festa do Senhor. Porém mais ainda se empenhava em preparar e adornar a sua alma; fazia uma novena própria na qual jejuava muito e dormia pouco. A noite de Natal ele a passava na igreja ou em sua cela em oração e contemplação com tanta alegria como se estivesse ouvindo com seus próprios ouvidos o Glória dos anjos do céu. 

O SS. Sacramento, como o presépio, exercia força de atração sobre a sua alma já muito antes de ele ingressar no convento; na vida religiosa porém ela cresceu consideravelmente e aperfeiçoou-se em sua eficácia. No convento passava diante do altar menos tempo do que quando estava no mundo; procurou suprir pelo fervor o que lhe faltava em tempo. Diante do altar sua alma devorava-se em labaredas de amor. Durante a exposição solene não conseguia, às vezes, ocultar aos olhos dos presentes o incêndio do seu coração, perdia os sentidos e arrebatava-se em êxtase de amor e alegria. Mormente nas ocasiões em que esse mistério adorável é proposto de modo especial à veneração dos fiéis, o seu espírito não repousava. 

No dia de Corpus Christi e durante a sua oitava era tomado de uma alegria indescritível, que contrastava com a tristeza indizível que o fazia agonizar na sexta-feira santa. Um dos seus exercícios mais queridos era a visita ao SS. Sacramento para a qual empregava todo momento livre. Gostava do ofício de sacristão porque assim tinha ocasião de se aproximar mais vezes do altar, e porque com o seu trabalho podia apresentar ao mesmo tempo as suas homenagens a Jesus Sacramentado. Porém mesmo fora do tempo determinado para o serviço na igreja, achava horas livres para essas expansões do amor. Geralmente empregava para isso o tempo concedido, pelos usos do paiz, para a sesta depois do meio-dia; enquanto os outros repousavam ele ia à igreja e rezava. O mesmo fazia muitas vezes à noite. 

“Era tocante ver, diz Tannoia, como nessas ocasiões o amor de Jesus no coração de Geraldo entrava em conflito com a obediência, cabendo sempre a esta última a vitória. Achando-me eu uma vez na igreja sem ele me perceber, vi como ao ausentar-se ele dobrava o joelho diante do altar achando dificuldades em se levantar; uma vez, sentido-se como que preso ao sacrário, levantou a voz dizendo: “Deixai-me ir, que tenho mais que fazer”. Depois saía às pressas como se empregasse violência para se ausentar de perto do tabernáculo”. 

O amor ao SS. Sacramento que lhe abrasava o coração, o santo o procurava comunicar também a todos que encontrava. A constatação de que as igrejas ficam vazias ao passo que as praças públicas regurgitam de povo, enchia-o de dor, mas também do desejo ardente de procurar, quanto possível, adoradores, amigos e visitadores de Jesus Sacramento. Não se contentava em agir apenas com o bom exemplo, recorria também às admoestações e amáveis convites. Em toda a parte, dentro e fora de casa, conseguia guardas de honra para Jesus Sacramentado. “Aos seus esforços, diz Tannoia, se deve o fato de em muitos lugares existir o costume de se visitar Jesus no SS. Sacramento”. 

A devoção de Geraldo à SS. Virgem manifestada e comprovada já na sua infância, tornou-se mais terna e perfeita no convento de Iliceto.  
Digno filho de Santo Afonso festejava os sábados e as novenas em honra de Maria com orações especiais e penitências de toda sorte; passava regularmente na igreja, em oração, a noite que precedia às grandes festividades da divina Mãe. 
Três privilégios da SS. Virgem deliciavam o seu coração, de um modo especial, e constituíam o objeto de suas contemplações profundas: a maternidade divina, o seu título de Rainha dos Mártires e sua Conceição Imaculada. 

Este último mistério não fora ainda, naquele tempo, solenemente definido como dogma de fé; Geraldo, bem como todas as almas que sentiam e viviam com a Igreja, era acérrimo defensor desse privilégio singular de Maria, fazendo assim coro com os seus confrades investidos da dignidade sacerdotal, os quais se obrigavam por voto a defendê-lo a todo transe. 
O ofício de sacristão oferecia-lhe ocasiões sempre aproveitadas, de mostrar de muitas maneiras o seu amor a Maria e o zelo pela sua honra e glória. Assim como encaminhava para o SS. Sacramento as pessoas que encontrava, incentiva-as à devoção da SS. Virgem; nunca lhe faltava ensejo de proferir uma palavra sobre a devoção a Maria ou de recomendar algum sacrifício em sua honra. Tinha sempre consigo terços e escapulários e distribuía-os para assim despertar ou aumentar a devoção à Mãe de Deus. Quando não lhe era dado cooperar diretamente para incendiar os corações de amor para com sua Rainha, expandia a sua alma adornando, ao menos, os seus altares com cuidado e gosto e, mais tarde, organizando em toda a parte pomposa e edificantes procissões e outras festividades em honra de sua Rainha. 

Não há dúvida, esse zelo de Geraldo produziu abundantes frutos e conquistou inúmeros devotos para a SS. Virgem. Também é certo que tamanho zelo não ficou sem recompensa, pois que mais de uma vez a Mãe de Deus demonstrou de maneira extraordinária a sua benevolência para com o seu servo nos anos que passou em Iliceto. Sabemos já que uma vez Geraldo foi arrebatado em êxtase prolongado à vista de uma imagem da Imaculada; podemos supor com fundamento que tão grande graça não se limitou apenas a esse fato. 

Os padres Juvenal, Petrella e Cajone afirmam que o santo contemplou uma vez face a face a SS. Virgem, que lhe apareceu em sua radiante formosura, quando Geraldo lhe fazia, de noite, a guarda ante a sua imagem, e manifestou-lhe o seu afeto com toda a ternura de seu coração materno. Não ficou só nisso a recompensa do seu zelo. Maria patenteou, repetidas vezes, em público o seu agrado e amor para com o seu servo. Tannoia relata um fato surpreendente a esse respeito, mencionando também a fonte donde o tirou. 
Uma vez Geraldo acompanhado de dois jovens camponeses, de volta para a casa, chegou perto de uma igreja consagrada à SS. Virgem. Não pôde resistir ao ensejo de falar das sublimes prerrogativas da Rainha do céu. Mal começara a palestra, sentiu-se extraordinariamente comovido e, não podendo já conter-se, tomou uma folha de papel, escreveu algumas palavras e atirou-a ao ar como se na terra enviasse uma carta à sua Rainha celeste; deu um salto, e a veemência do seu amor e a alegria da sua alma pareceram dominar a gravidade do corpo. 

Geraldo levantou-se do solo e voou pelos ares diante da estupefação dos companheiros que o seguiam com seus olhares; dez minutos durou o êxtase, até que, diminuindo-se aos poucos a força maravilhosa, o servo de Deus baixou novamente à terra. Esse fato, narrado pelas duas testemunhas oculares, difundiu em toda região a fama da grande santidade de Geraldo. 

Esse vôo extático parece haver despertado no nosso santo todas as outras energias maravilhosas. À porta do convento encontrou Geraldo um jovem a chorar. Este ouvira falar da santidade do irmão. Atacado de um cancro incurável na perna, resolveu recorrer ao santo. Com grande dificuldade dos pais, impelidos pela insistência do filho, transportaram-no até à porta do convento, onde ficou esperando a volta de Geraldo. Interrogado pelo irmão que desejava saber o motivo das suas lágrimas, explicou-lhe o seu sofrimento com palavras entrecortadas de soluços. Era pobre a agora se via na dura necessidade de mendigar por causa da doença que o impossibilitava de ganhar o pão. Geraldo abraçou-o, pediu que lhe mostrasse o pé enfermo e com suas próprias mãos desatou os panos e viu o pé roído por asqueroso cancro; abaixou-se, colou os lábios à chaga e, vencendo heroicamente a repugnância natural, sugou o asqueroso conteúdo e disse: “Confia em Deus, meu irmão, a tua chaga será curada”. Atou outra vez o pé com todo o cuidado; as dores desapareceram instantaneamente. A alegria do doente foi tanta, que ele, em lágrimas de gratidão, caiu aos pés do seu benfeitor chamando-o “um santo — um anjo de Deus”. 

Geraldo admoestou-o à prática das virtudes, deu-lhe uma esmola e despediu-o. Na manhã seguinte o enfermo ao desatar novamente os panos achou a ferida completamente fechada, como Geraldo predissera. Nova alegria, novo júbilo! De então em diante o jovem curado apregoou em toda a parte a santidade de Geraldo, narrando a cura miraculosa operada em sua pessoa. 
O supramencionado vôo extático não foi um caso isolado, repetiu-se mais vezes durante a estada de Geraldo em Iliceto. Uma tal Magdalena de Flumeri relata no processo da beatificação um outro não menos surpreendente, do qual sua tia Rosaria Bertucci fora testemunha. 

Ouçamos a sua narração: “Rosaria, alma piedosa desde a infância, ia muitas vezes confessar-se no convento de Iliceto. Sucedeu encontrar-se com esse grande amigo de Deus (Geraldo), que voltava da vila de Iliceto ao seu convento. Ele que a conhecia de há muito pediu-lhe levasse à casa dos padres uma peça de roupa que lhe havia entregue. Modesto, como era, tomou a dianteira até uma capela em que entrou. Ao sair abriu os braços, elevou-se nos ares e voou, um quarto de hora, da capela até o convento. Minha tia, testemunha desse milagre, ficou obstupefata e observou fixamente o vôo admirável do princípio ao fim. Jamais se esqueceu desse milagre estupendo do servo de Deus”.  


A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Aos doentes trata com desvelo maternal; aos hóspedes serve e edifica deixando-os na convicção de que existe uma enorme diferença entre um empregado e um irmão.



CAPÍTULO V 

O Irmão leigo 

Após recebimento daquela singular carta de recomendação, o santo jovem partiu sem se deter para Iliceto. O caminho não era nada curto, exigia um dia inteiro de viagem para um bom caminhante; mas para Geraldo, livre de outras preocupações e absorto em santos pensamentos e planos, a longa caminhada pareceu agradável viagem de recreio. 

Ao avistar de longe de longe o convento dos redentoristas inundou-se de alegria e apressou o passo. Foi, muito provavelmente a 17 de maio de 1749, num sábado, que o santo transpôs os umbrais do convento onde devia, por uns anos, levar uma vida admirável e santa e preparar-se radicalmente para a vocação que Deus lhe dera. Penetremos com ele o claustro e examinemo-lo um pouco, que será para nós interessante conhecer de perto o lugar das virtudes e prodígios, que serão o objeto das nossas dissertações. 

O convento dos redentoristas de Iliceto na diocese de Bovino estava situado sobre uma colina perto da vila, que lhe dava o nome, na orla de uma floresta denominada Vallinvincoli. Fora outrora residência dos monges de Santo Agostinho fundada pelo bem-aventurado Félix de Corsano. Conservava-se ainda, no lugar, como recordação desse homem de Deus, uma gruta de pedra abaixo do convento, onde Félix fazia suas orações e penitências. Junto à casa erguia-se a pequena igreja de Nossa Senhora da Consolação, onde afluíam os moradores de Iliceto e das vizinhanças para o culto da Madona. 

Pelos fins de 1744, Santo Afonso pregou uma missão em Iliceto e teve ocasião de visitar esse santuário. Encantado pelo aspecto da igrejinha tão devota e pela solidão de Vallinvincoli declarou-se disposto a aceitar o convento abandonado dos agostinhos e a transformá-lo em casa de sua Congregação. No ano seguinte, por ocasião da fundação, foi recebido com seus confrades pela população inteira e pelo venerável servo de Deus Monsenhor Antônio Lucci, bispo da diocese de Bovino. Dois anos residiu Afonso em Iliceto, todo entregue ao estudo e à contemplação. 

A solidão do convento era de fato muito favorável ao estudo e mais ainda à vida ascética. O rumor do mundo não conseguia penetrar naquela casa silenciosa, sobre a qual pairava a consagração de um santo passado e onde se fruía a paz e o sossego necessário para as necessidades espirituais da alma. 

“Na nova casa de Nossa Senhora da Consolação — escreveu o Pe. Cafaro — julgo partilhar a sorte feliz dos ermitães do Egito. Voltando das missões pregadas no inverno ou na primavera, gozamos de uma vida tão tranqüila, solitária e afastada do barulho do mundo, que não ficamos sabendo nada do que se passa lá por fora; estamos completamente isolados do convívio dos homens, no centro de uma floresta onde é puro o ar e agradável a vida; a nossa solidão bem se poderia comparar com a montanha pedregosa que São Pedro de Alcântara se escolheu para lugar das delícias. Louvado seja Deus que para cá me conduziu”. 

Foram também essas as palavras com que Geraldo entrou no convento de Iliceto. Não cessava de agradecer a Deus a consecução da graça pela qual tanto suspirara, e à Virgem da Consolação o prazer que lhe proporcionara após tantas angústias e provações. 

Logo depois da sua chegada, o nosso santo foi prostrar-se diante do altar da SS. Virgem, agradecer-lhe de coração e protestar-lhe fidelidade até a morte naquela casa sagrada sob o manto de sua proteção materna. Não podendo conter a sua satisfação íntima, chorou de alegria cobrindo de beijos as paredes do convento. 

Os padres e irmãos observavam a alegria do recém-chegado, entristecidos com a convicção de que, em breve, ela se converteria em dor, pois que o jovem lá não poderia permanecer muito tempo. Isso dava a entender a carta do Pe. Cafaro e mais ainda a fraqueza visível de candidato. 

Essa primeira má impressão, causada pelo exterior de Geraldo e pela carta do Pe. Cafaro, não tardou a modificar-se. Com espanto convenceram-se todos de que, longe de ser um “irmão inútil” e apenas um jovem piedoso, era Geraldo um excelente homem de trabalho que Deus lhes enviara. O santo desempenhava todos os serviços com prontidão e presteza como se gozasse saúde de ferro e tivesse compleição de aço. Quando o Pe. Cafaro, que o enviara a Iliceto, foi para lá transferido como reitor da casa em outubro de 1749, em vez do que esperava, só ouviu louvores a respeito do irmão. 

Não sabemos com certeza o dia exato em que Geraldo tomou o hábito religioso. Foi sempre costume na Congregação deixar à paisana, ao menos seis meses, os que entravam para irmãos leigos; às vezes, conforme as circunstâncias, tinham eles de esperar ainda mais tempo, em suas vestes seculares, antes de envergar o hábito, estavam porém sob a direção do mestre de noviços que os devia provar e encaminhar para a virtude no claustro. Quando aprovados, recebiam o hábito e faziam o noviciado de seis meses. 

Transcorria então mais ou menos tempo até serem admitidos ao segundo noviciado que terminava com a emissão dos votos. Não temos motivo para supor que se tenha feito alguma exceção para Geraldo quanto à tomada de hábito; podemos porém ter certeza que a anteprova não ultrapassou os seis meses costumados. A julgar assim Geraldo tomou o hábito de Santo Afonso em fins de 1749. 

Desde esse momento era ele noviço da Congregação; a sua tarefa era pois familiarizar-se com o espírito religioso e transfundir em si o da Congregação do Santíssimo Redentor. Para um homem, que passara já pela escola da vida espiritual, não era isso empresa difícil. Logo nos primeiros dias da sua vida conventual compreendeu o que quer dizer “irmão servente da Congregação” e viu pairar vivo ante seus olhos o ideal a que devia aspirar. 

Na sua opinião, bom irmão leigo é aquele que sabe unir o trabalho manual à oração e aos exercícios de piedade, e que acha meios de santificar todo e qualquer trabalho, transformando-o em oração pela boa intenção e condimentando-o com fervorosas preces jaculatórias. O bom irmão ocupa-se da manhã, à noite; não conhece horas de lazer; serviçal em tudo não desdenha nenhum trabalho nem despreza nenhuma ocupação por desagradável que seja, sempre pronto a ajudar e servir. 

A impaciência produzida naturalmente pelo trabalho, ele a reprime com facilidade e alegria, fruto dos corações sempre retos; com satisfação começa e termina as ordens recebidas; aparece na cozinha, refeitório, oficina, portaria ou coro, sempre a tempo e sem intrometer-se nos serviços alheios; não tem apego a nenhum ofício nem teimosia na escolha de trabalhos mais apetecíveis. 

Modéstia, humildade, simplicidade, tranqüilidade, amor ao silêncio e recolhimento de espírito são as virtudes que o distinguem, e nelas não se deixa exceder por ninguém, mormente na obediência e respeito aos superiores. O bom irmão leigo é como a mão e o pé do superior, os quais se movem sem raciocinar nem resistir conforme a vontade deste, pois que o irmão submete inteiramente o seu juízo ao da autoridade. Modelo vivo de amor fraterno, cuida zelosamente das necessidades alheias, antepondo-as às suas próprias, e isso tudo na mais exata observância da pobreza. 

Aos doentes trata com desvelo maternal; aos hóspedes serve e edifica deixando-os na convicção de que existe uma enorme diferença entre um empregado e um irmão. Do mundo pouco sabe o bom irmão leigo; não entretém relações com ninguém, a não ser as do seu ofício; podendo dizer às vezes uma palavra edificante e fazer algum bem às almas, ele a diz e o faz de boa vontade; não se arroga os direitos dos padres; antes é para eles um outro João Batista que lhes prepara o caminho com humildade e simplicidade. Tal é o irmão leigo piedoso e serviçal; a esse ideal Geraldo queria atingir desde o início da sua vida religiosa. 

Felizmente não faltavam irmãos, que na Congregação haviam já atingido essas alturas, aos quais podia Geraldo tomar por modelo e imitar passo a passo na prática das virtudes. Embora a Congregação contasse apenas vinte anos de existência, havia já enviado ao céu diversos irmãos leigos verdadeiros heróis de santidade. 
Essa vantagem que nosso noviço tirava dos excelentes modelos que o rodeavam crescia pela circunstância de, na pessoa do Pe. Cafaro, possuir Geraldo um diretor espiritual de incomparável valor. 

O Pe. Paulo Cafaro, nascido em Cafari, a 5 de julho de 1707 passara inocente e puro sua infância e mocidade e entrara bem cedo para a vida religiosa. Consagrava diariamente, todas as tardes, duas horas à oração diante do tabernáculo; jejuava muitas vezes a pão e água, usava cilícios, macerava o corpo não só com cordas comuns, mas às vezes com feixes de agudos espinhos. 

Aos 28 anos foi nomeado vigário de uma paróquia, onde se esforçou, durante cinco anos, com tanto zelo e escrúpulo, que se mereceu dos colegas o nome de “Sollicitudo omnium ecclesiarum”, solicitude de todas as igrejas. Receando o peso da responsabilidade renunciou o seu posto de cura d’almas, ingressando pouco depois na Congregação fundada por Santo Afonso, na qual em pouco tempo se distinguiu pelo progresso espantoso em todas as virtudes. Embora incansável no trabalho pela salvação das almas, achava sempre tempo para se entreter com Deus na oração. A vontade divina era a sua vida, de sorte que Santo Afonso pôde testemunhar dele: “A única paixão do Pe. Cafaro era cumprir a vontade de Deus”.

 No fim de sua vida Deus provou-o como aos grandes santos: assaltaram-no trevas medonhas e sofrimentos interiores, cuja grandeza excede a compreensão até dos mais experimentados. Santo Afonso, conhecedor desse estado espiritual do Pe. Cafaro, obrigado pelo sigilo a não revelá-lo, afirma que os seus sofrimentos, se fossem conhecidos dos outros, seriam de molde a enternecer os próprios rochedos. Esse horrível martírio durou os seis últimos anos da sua vida; era já vítima dessas provações quando recebeu a direção espiritual de Geraldo. Santo Afonso considerava o Pe. Cafaro como uma das principais colunas da Congregação, pedia-lhe conselhos e deixava-se guiar por ele nos negócios da sua consciência. 

Por ocasião da doença mortal do Pe. Cafaro, Afonso fez o possível para salvar-lhe a vida; rezou, prescreveu orações especiais a todas as residências da Congregação e dirigiu-se para esse fim a muitos outros conventos de religiosos e virgens consagradas a Deus. Mas o Senhor tinha outros desígnios. A 13 de agosto de 1953 faleceu o Pe. Cafaro em Caposele santamente como tinha vivido. Afonso sentiu amargamente a sua morte, adorou os juízos de Deus e deu expansões ao seu coração ferido, compondo um dos mais belos hinos sobre a conformidade com a vontade divina. Mais tarde ele mesmo escreveu a biografia desse santo sacerdote. 

Tal era o homem a quem Geraldo confiou a direção da sua alma quando resolveu tornar-se um santo irmão leigo. Na expressão de um biógrafo, o Pe. Cafaro conservou o nosso santo “sob uma vara de ferro”; cuidou com escrúpulo em reprimir-lhe completamente a vontade própria e as inclinações naturais; a Geraldo não era permitido afagar a natureza corrompida. Com as mortificações do santo estava o Pe. Cafaro inteiramente de acordo, incentivava-as, mas exigia submissão incondicional ao seu juízo e aprovação; não era intenção sua atormentar ou desanimar a Geraldo, mas sim, conservá-lo na humildade e obediência e amparar essas virtudes contra os ataques do inimigo. 

Esse procedimento enérgico correspondia, aliás, aos desejos do santo, que se tratava e julgava como igual rigor. Durante os primeiros exercícios espirituais em Iliceto, Geraldo escreveu a seguinte seria exortação, que julgou dever fazer a si mesmo: “Lembra-te, Geraldo, que Deus te tirou do mundo e colocou, como a um novo Adão, no paraíso da Congregação para trabalhares e executares os mandamentos divinos e os conselhos evangélicos que possues na santa Regra. Ai de ti se as desprezares; o teu castigo seria — o que Deus não permita — o abandono da Congregação e conseqüentemente a condenação eterna”. O santo nunca se afastou do sentimento expresso nessas graves palavras. 

O trabalho, zelo e prontidão demonstrados nos primeiros dias em Iliceto, não foram fogo de palha; Geraldo foi sempre um trabalhador aplicado e valoroso; diziam com razão que ele era mais operoso que todos os outros e até que trabalhava por quatro. A princípio ocupava-se o servo de Deus quase só com o jardim, trabalho esse novo para ele e não pouco incômodo. Apesar disso era sempre ágil e pronto para tudo, lidava com a enxada e o ancinho como se sempre os manejara, e ficava pronto com o serviço antes dos outros que trabalhavam ao seu lado; corria em seguida em auxílio dos mais vagarosos, dizendo com amabilidade: “Deixai-me fazer o serviço, que sou o mais moço”. Quando não podia prestar serviço aos outros procurava trabalho, consertando as paredes, ajuntando material para a construção etc. 

Esse trabalho, entretanto, seria pesado demais e prejudicial a São Geraldo, se durasse ainda muito tempo. Felizmente um dia o Pe. Cafaro observou, da sua janela, o zelo espantoso do seu noviço no cultivo do jardim e o pouco cuidado que tomava com sua saúde e poucas forças; chamou-o e dispensou-o daquele trabalho, prometendo-lhe uma outra ocupação. 

Ao terminar Geraldo o seu primeiro noviciado de seis meses, mais ou menos no verão de 1750, foi-lhe confiado o ofício de sacristão. Essa permuta o satisfez plenamente. Trabalhar na igreja, seu lugar predileto sobre a terra, não era senão honra e prazer. É fácil imaginar com que desvelo Geraldo desempenhava o seu novo ofício. A igreja de N. Sra. da Consolação nunca teve, nem antes nem depois, um sacristão melhor; cinqüenta anos mais tarde falavam ainda em Iliceto desse santo e consciencioso sacristão; nunca a igreja esteve tão limpa e asseada, nunca o altar se adornou com tanto gosto e capricho como no tempo dele. A pobreza da casa não lhe punha obstáculo; a sua piedade engenhosa sabia dispor os poucos enfeites com tanta arte que os visitantes, já à primeira vista, se maravilhavam com a elegância dos adornos. 

O Pe. Camilo Ripoli diz no processo de beatificação: “Todos os nossos padres velhos contaram-me que o venerável irmão era um sacristão consumado. Sabia adornar a igreja com tanto gosto e conservá-la tão mimosa, que nunca mais foi possível achar um irmão que o igualasse no ofício”. 

Com a sacristania tinha Geraldo a seu encargo a alfaiataria onde confeccionava as batinas de seus confrades, remendava-as etc. Também aqui foi Geraldo um modelo recomendável em todo o sentido; procurava servir a todos com prontidão até nas coisas mais insignificantes. Munido de fé viva via Deus na pessoa dos confrades que vestia, e em todo o seu trabalho em culto mais divino do que humano. 

Sempre que suas ocupações lhe permitiam alguma folga, procurava assistir os que necessitavam de auxílio. Um propósito escrito mais tarde por Geraldo, mas que lhe servia de norma já então, reza assim: “Se eu vir um padre ou irmão precisar de auxílio, deixarei tudo para lhe ser útil a não ser que a obediência não m’o permita”. Quando não se achava ocupado na igreja nem na oficina, ajudava ora o cozinheiro, ora o refeitoreiro, ora o porteiro e procurava ser-lhes útil em tudo. O irmão padeiro da casa afadigava-se demais com o seu ofício; Geraldo auxiliava-o incansavelmente dizendo sempre ao companheiro fatigado: “Deixai-me trabalhar, que sou moço, ide descansar que eu darei conta do serviço”. 

Em toda essa operosidade e desejo de ajudar a todos, esmerou-se em nunca lesar a caridade. A atividade era nele virtude e não paixão; estava por isso longe da arrogância que pretende entender tudo melhor, impor-se aos outros e intrometer-se no serviço alheio, molestando o próximo. Ele mesmo formulou-se, nesse sentido, o seu propósito firme nas seguintes palavras: “Nunca me hei de intrometer nos negócios dos outros, nem dizer: este trabalho é mal feito etc.” Na prática da caridade foi exato e minucioso ao ponto de escrever em seus propósitos: “Mesmo nos serviços mais insignificantes como varrer a casa, carregar pesos e semelhantes, hei de me escolher o serviço mais incômodo ou tomar a ferramenta menos boa, deixando as melhores para os companheiros”. 

Essa vontade e prontidão em servir do nosso irmão leigo não obedecia à falsa subserviência que se encontra em pessoas que trabalham por amor ao lucro ou por adulação: era expressão de verdadeira e profunda humildade. Embora Geraldo fosse sempre amante da modéstia, no seu novo estado dedicou-se a ela de modo tal, que parecia não possuí-la, mas ser possuído por ela. 

Os confrades davam-lhe o nome de “Modelo da humildade”, distinção essa que ele bem merecia, porquanto todo o seu procedimento, o seu semblante as suas palavras, as suas ações eram iluminadas pela humildade sincera. Embora não costumasse falar da própria pessoa a não ser, uma ou outra vez, por acaso ofereciam-se ocasiões em que Geraldo traía a opinião que de si fazia; denominava-se então o último e pior irmão, um miserável, o pecador mais desprezível, um nada. O que possuía de bom atribuía-o exclusivamente à excessiva bondade e misericórdia divina. Tinha-se por indigno de se chegar a Deus: eis porque às vezes durante a oração era tomado de consternação, pavor e confusão; afirmava até ser o inferno lugar bom demais para ele. 

“Acho-me cheio de pecados, escreveu, rogai a Deus que me perdoe; todos convertem-se, só eu permaneço obstinado! Conjuro-vos que façais mortificações por minha intenção para que Deus tenha dó de mim e me receba em seu santo amor”. Uma outra vez externou-se a um confidente: “Eu já nem sou homem; tornei-me como um irracional deixando-me dominar por minhas paixões e inclinações”. 

Diante disso compreendemos facilmente o desagrado que sentia ao ouvir alguém louvar as suas grandes virtudes ou gloriar as suas boas qualidades; tais conversas constituíam quase um pecado em sua opinião, interrompia-as sempre que podia. Do outro lado amava sinceramente as injúrias e os vitupérios. Os insultos que lhe faziam chamando-o de louco ou tolo, pareciam-lhe música suave e deliciosa ao ouvido. Dizia não merecer o pão que lhe davam; contentava-se com o resto das comidas, sendo-lhe indiferente tomar as refeições de joelhos ou junto com os gatos; desejava o desprezo, maus tratos e os serviços mais baixos; preferia os trabalhos de que os outros fugiam, e que eram menos aptos para satisfazer a vaidade. 

As humilhações, de que os superiores o cumulavam, suportava-as com assombrosa calma, convencido de que as merecia; nunca se defendia, embora isso lhe fosse fácil. Achava que o homem nunca deveria falar de humilhações. 
“O homem, dizia, é um verme; se Deus não o governar e proteger com sua onipotência e providência, ele não passa de um puro nada; por isso não deve dizer: eu me humilho, pois que quem assim fala, já se tem na conta de alguma coisa. Só Jesus podia dizer que se humilhou: o Deus infinito tornou-se homem; embora Senhor, converteu-se em escravo”.  

Não menos perfeito era o santo na obediência. Poder-se-ia chamá-lo o “santo da obediência”. No noviciado e durante a sua permanência em Iliceto praticou-a com tanta perfeição, que essa virtude se tornou uma das mais belas qualidades. 
Antes de tudo submetia-se à Regra com a docilidade de uma criança; estimava-a tanto que não só a lia e meditava, mas ainda procurou decorá-la, de sorte que a sabia inteirinha de cor não só no seu sentido e conteúdo, mas até verbalmente. “Se a Regra se perdesse, diziam os confrades, o Irmão Geraldo poderia facilmente recompô-la de memória”. Na observância regular servia de modelo a todos; era tão escrupuloso nesse ponto que — embora a isso não fosse obrigado — passava parte da noite a repor certos exercícios que não podia fazer durante o dia; mesmo nos pontos de pequena monta conservava-se preso às prescrições da Regra. 

“Qualquer pequena falta, dizia ele, conduz a uma grande; a primeira transgressão prepara para a segunda, a terceira etc., e assim se cai no abismo”. Uma das suas orações mais freqüentemente repetidas era esta: “Senhor, dai-me força para observar fielmente a vossa lei; se eu tivesse a desgraça de desviar-me dela um triz, em breve dela me afastaria muito, porquanto deixais cair em faltas graves a quem levianamente despreza pequenas culpas”. A respeito das transgressões da Regra disse uma vez a seus confrades: “Irmãos, executemos com escrupulosa exatidão até os pontos mais insignificantes, se não quisermos cair em culpas graves, que Deus permite em castigo nosso”. 

“Deus pune, disse, o desprezo das pequenas faltas permitindo a queda em pecados graves, como sucedeu a Davi que era entretanto um homem segundo o coração de Deus”. 
As ordens dos superiores tinham para Geraldo a mesma importância da Regra, porque naqueles como nesta não via senão a expressão da vontade divina. 
“Meu Deus, diz ele em um dos seus apontamentos, por amor de Vós obedecei a meus superiores, como se tivesse a vós mesmo diante dos meus olhos a dar-me ordens; viverei entregue à prudência e à vontade dos que me governam. A obediência aos meus superiores — disse com plena convicção — deve ser minha guia ao céu. A vontade do meu divino mestre e a dos meus superiores, são para mim a mesma coisa”. 

Penetrado desses sentimentos entregou-se Geraldo inteiramente à direção de seus superiores, renunciando a sua vontade própria até nos pontos sem importância: “Ah, dizia ele, porque perder nessas pequenezas o mérito da obediência?” Um aceno, um gesto, um olhar era suficiente para o submeter aos desejos do superior. “Ele amava em certo modo os pensamentos de seus superiores”, diz o seu biógrafo Pe. Tannoia. 

A pureza dos motivos que guiavam o nosso santo no exercício da obediência, mostrou-a ele indubitavelmente no caso seguinte: Pelos fins de seu primeiro noviciado (abril de 1750) achava-se o Pe. Cafaro em Melfi pregando missões. Como todos os missionários mais antigos da casa tinham acompanhado o superior, o governo do convento ficou confiado a Matheus Criscuoli, sacerdote ainda novo e de temperamento melancólico, exagerado e sumamente mal humorado; poucos anos mais tarde (1754) teve de deixar a Congregação. 

Ninguém era menos capaz do que ele para governar uma comunidade por pequena que fosse. O Pe. Cafaro não conhecia ainda a sua inabilidade. Talvez tivesse Deus permitido esse erro para fazer conhecida a virtude do Irmão Geraldo. Todos tiveram logo de sentir os efeitos dos caprichos, azedume e dureza de Criscuoli, mormente Geraldo, alvo de suas repetidas censuras, repreensões e palavrões. O pobre irmão não se podia mover sem excitar a ira do superior interino. As repreensões não tinham fim, as penitências acumulavam-se; quase diariamente tinha Geraldo de tomar de joelhos suas refeições. Além dos jejuns a pão e água, que lhe eram impostos sem motivo, tinha o paciente irmão a cada passo de esfregar sua língua no pavimento ou fazer com ela quarenta, cinqüenta e até sessenta cruzes no chão. 

Esse exercício durou um mês inteiro e só cessou quando a língua de Geraldo começou a derramar sangue. Tudo isso porém ainda não era tão doloroso para o irmão, o pior foi que o Pe. Criscuoli em sua dureza chegou a proibir-lhe a santa comunhão, o que era para o piedoso jovem mais penoso do que a fome, a sede ou quaisquer maus tratos. Geraldo suportou também essa provação com paciência, calma e resignação, enchendo de assombro os seus confrades. O Pe. Tannoia, então clérigo em Iliceto e testemunha ocular de tudo, fez, como ele mesmo conta, a seguinte ponderação: “Ou esse irmão é um louco que não compreende as humilhações a que o submetem, ou é um santo que já atingiu o grau heróico do amor divino”. 

A segunda parte é a verdadeira. A santidade do venerável irmão e o seu grande amor a Deus faziam-no suportar com facilidade toda aquela rudeza; confortava-o a sua fé viva, que lhe mostrava no instrumento indigno a mão do divino Mestre.  

VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA  


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

De caminho para o convento e com esse desejo ardente de ser admitido, acompanhou os missionários.



CAPÍTULO IV 

De caminho para o convento 

Não muito depois o santo jovem começou novamente a sentir o desejo ardente de abandonar o mundo e dedicar-se, na mais completa solidão, à penitência, meditação e trabalho manual como os anacoretas de outrora. A solidão parecia-lhe uma compensação da vida do convento, no qual não tinha esperança de ser admitido. A sua saúde não melhorara nos últimos anos, antes enfraquecera-se ainda mais devido às mortificações constantes; por isso temia com razão encontrar fechada a porta, se tentasse bater uma terceira vez. 

Na solidão, pensava ele, não encontraria empecilhos, apesar de sua constituição franzina; lá não seria pesado a ninguém e poderia, não obstante, levar a vida sacrificada de um religioso. Resolveu-se pois abraçar a vida de eremita. Não sabemos se para isso recebeu o consentimento de seu confessor, provavelmente era sua intenção tentar primeiro, para depois fazer o pedido definitivo, caso se saíssem bem. 

Geraldo escolheu para esse novo gênero de vida, uma floresta pouco distante da cidade, numa região montanhosa; levou consigo um amigo que compartilhava dos mesmos sentimentos. Providos de pouca roupa, os dois jovens partira de Muro, no dia para isso determinado, caminho à floresta solitária,  onde encetaram imediatamente a vida eremita em todo o seu rigor. A regra, que pretendiam observar, era austeríssima, não indigna dos padres do deserto. O dia era todo consagrado ao trabalho manual, aos exercícios de piedade e a um colóquio edificante; a noite ficava reservada para a meditação e as duras penitências. Poucas horas sobravam para o sono, que passavam não em cômodos leitos sob confortável teto, mas, quanto possível, ao relento. A respeito da alimentação reinava a mais completa frugalidade. Para fiel imitação dos antigos ermitães, que viviam de raízes e ervas silvestres, resolveram tomar por prato regular os morangos, raízes e ervas da floresta. 
Embora a vontade dos dois ermitães fosse igualmente boa, não era igual nos dois a força para executá-la. Três ou quatro dias bastaram para desanimar o companheiro, que achou melhor voltar para casa. Geraldo, habituado desde a infância aos jejuns rigorosos e às austeras penitências, não querendo acompanhá-lo, ficou sozinho na floresta, contente pela solidão ainda mais completa, embora sentindo pela perda do seu amigo. — Com isso tinha ele ocasião de se entregar a Deus e à meditação mais desimpedidamente. Essa vida contemplativa na solidão eram as delícias da alma privilegiada de Geraldo, que a teria prosseguido até o fim de seus dias, se Deus assim tivesse disposto. 

Porém poucos dias depois o confessor deu-lhe ordem terminante de abandonar a floresta e voltar para a casa de sua mãe e para o seu ofício. Na palavra do confessor viu a voz de Deus; submeteu-se com habitual prontidão e regressou à casa para se dedicar aos trabalhos da oficina. 

A sua vida no mundo dos dois anos antes de ingressar na Congregação, não se diferenciou da que levou na solidão; conservou sempre o mesmo fervor no serviço divino e na prática da caridade, a mesma obediência, a mesma conscienciosidade, a mesma humildade; só o seu zelo se incrementou e intensificou ainda mais. Se antes procurava promover a glória de Deus por meio dos sofrimentos e torturas de toda a sorte suportadas com resignação, agora empenhava-se em difundi-la e comunicá-la aos homens ativa e eficazmente. 

Desta vez dedicou às crianças toda a sua solicitude; reunia-as freqüentemente , falava-lhes com eloquência simples e atraente de Deus e das coisas divinas e afastava-as das más companhias por meio de divertimentos inocentes. Por vezes saía com elas em romaria à igreja de Capotignano, ou fazia excursões ao antigo templo dedicado a São Leão, onde instruía os maiores nas verdades da religião e ensinava aos menores o sinal da cruz, o Padre Nosso e noutras orações a Jesus e Maria. 

O santo jovem era apostolo não só fora, mas também dentro de casa para sua mãe e irmãs; recomendava-lhes com argumentos persuasivos o amor a Jesus, e a recepção freqüente dos santos sacramentos. Muitas vezes repetia-lhes as palavras que costumava dizer outrora aos seus companheiros de divertimentos infantis: 

“Vamos visitar Jesus, o prisioneiro dos nossos tabernáculos”. Instruindo, animando e exortando insinuava às irmãs a prática constante das santas virtudes, e quando necessário, não hesitava em censurá-las e repreendê-las com toda a franqueza. Uma das suas irmãs parecia inclinada à vaidade e ao desejo de exibição, procurando vestidos novos e usando outros meios de chamar a atenção. Geraldo não podia aprovar esse procedimento; numa dada ocasião apostrofou-a com doçura e energia: “Minha irmã, lance ao fogo essas futilidades!” 

De seu amor sempre crescente a Jesus Crucificado temos uma prova no fato que se deu no princípio da quaresma de 1749. Em Muro era costume exibir-se de tempo em tempo ao público, em quadros vivos, a história da Paixão. Essas representações tinham lugar na catedral; pessoas piedosas sentiam-se honradas quando escolhidas para representar um papel qualquer nessas ocasiões. Indizível foi a alegria de Geraldo ao receber convite, nesse ano, para fazer as vezes de Jesus Crucificado. No dia aprazado, ao começar a representação, o Servo de Deus mandou-se atar à cruz rogando aos que faziam as vezes dos carrascos que o tratassem com toda a crueldade possível; parecia ter-se esquecido completamente de que não se tratava ali de torturas, mas apenas de representação. 

Como já o conheciam, prometeram satisfazer-lhe a vontade, de sorte que ele apareceu na cruz num estado realmente lamentável. Impressão profunda causou ao público a vista do  santo jovem estendido sobre a cruz, em cujo rosto contemplavam todos a placidez piedosa e santa bem como a dor suportada em indescritível prazer; muitos choraram de comoção, como se visse o próprio Cristo crucificado. 

A mãe de Geraldo, que fora assistir o espetáculo, sem saber que seu filho lá teria o papel principal, ficou tão assustada e compadecida que perdeu os sentidos; Geraldo porém sentia-se inunda-do de prazer. Mais tarde ao voltar para casa, consolou os seus asseverando não ter sido nada aquilo, porquanto desejava sofrer por Jesus Cristo. 

Almas que sentem necessidade de sofrimento, Deus costuma glorificá-la aos olhos do mundo na medida das suas dores. Já temos visto que o carisma dos milagres acompanhava Geraldo desde a infância e o tempo de aprendizagem. Agora porém revelou-se ainda mais admirável. Alguns dos milagres operados por Geraldo em Muro nessa época de sua vida imprimiram-se tão profundamente na memória de todos, que podemos narrá-los com todos os pormenores sem medo de engano ou erro. 

Grande assombro causou aos moradores de Muro o milagre seguinte atestado por testemunhas de toda a confiança. Um dia passou o santo por um lugar onde se achava um prédio de construção e encontrou os operários de péssimo humor. Ao cortarem as vigas destinadas à construção, erraram no cálculo de sorte que elas não alcançaram de uma parede à outra. Geraldo informado do ocorrido sentiu compaixão e pediu a Deus tivesse dó dos construtores. 

Em seguida mandou que tornassem a experimentar as vigas e as colocassem no seu lugar. Todos sabiam que Geraldo possuía força sobrenatural e que falava por inspiração divina; os construtores executaram à risca as ordens do santo, e — o milagre — as vigas alongaram-se prodigiosamente pela oração de Geraldo. 

Uma outra vez Geraldo encontrou-se com uma senhora, por nome Juliana, triste e aflita à porta da casa. Tinha nos braços o filhinho Amato que gritava de dor; o pobrezinho caíra na água fervente e queimara-se nos braços e no peito. De nada valeram o óleo e a cera que a mãe despejara sobre as feridas. As dores da criança e o sofrimento da mãe enterneceram o coração de Geraldo; parou um instante, colocou a mão sobre o peito da criança e fez sobre ela o sinal da cruz. Após vinte e quatro horas Amato estava “fresco” e sadio como antes. 

A senhora Manoela Vetromile, que já conhecemos como protetora de Geraldo, tinha em casa uma moça, parenta sua, por nome Ursula, a quem muito estimava por causa das suas excelentes qualidades como empregada de família. Essa jovem foi atacada de uma enfermidade crônica que zombava de todos os remédios e recursos médicos. Orçou definhava visivelmente, sendo por fim desenganada dos mais peritos médicos. Vetromile desolada, não encontrando mais remédios sobre a terra, recorreu à proteção do céu.

 Ia à igreja dos padres conventuais pedir a Santo Antônio a conservação e a saúde da sua empregada, quando se encontrou com Geraldo. Ao perceber as lágrimas nos olhos da senhora e o abati-mento em que se achava, perguntou-lhe o motivo da tristeza. Ao ouvir as queixas da pobre senhora e a causa porque se dirigia à igreja, o santo jovem consolou-a, mandou-a regressar para casa e fazer três vezes o sinal da cruz sobre a fronte da moça; “com isso, disse ele, a empregada ficará curada”. 

A senhora, cheia de fé, executou as ordens de Geraldo. Mal acabara ela de fazer as cruzes, a moribunda recuperou nova vida e, com admiração dos médicos e de toda a cidade de Muro, levantou-se completamente restabelecida. 

Aproximava-se, entretanto, o momento em que se deveria realizar o mais ardente desejo de Geraldo, isto é, de entrar no porto seguro da vida religiosa. A Congregação, para qual Deus o destinara como um dos seus primeiros e mais belos ornamentos, crescia, já há alguns anos, viçosa e pujante, combatida de tempestades violentas mas visivelmente amparada pela mão da Providência. 

Era a Congregação do Santíssimo Redentor. Geraldo tinha apenas seis a-nos de idade quando Santo Afonso de Ligório a fundou para a salvação de milhares de almas. Conforta-do pelos conselhos de homens sábios e santos abrira a primeira casa em Scala, levando de vencida os obstáculos sem número que lhe embargavam os   
passos; pouco tempo depois veio a fundação de Ciorani e não muito depois a de Nocera e de Iliceto. 

Aos poucos associou-se ao venerando fundador uma valorosa plêiade de sacerdotes e leigos que, animados do seu espírito, começaram a realizar os planos por ele idealizados. A obra das missões crescia dia a dia em importância; Afonso não tardou em ser conhecido e querido como um verdadeiro apóstolo e amigo dos pobres. Multiplicavam-se as maravilhas do amor e do zelo de um lado, e os milagres da graça e da conversão do outro. 

Os mais eminentes prelados notavam com alegria as expansões da novel Congregação; não só confiavam-lhe a pregação de missões e outros trabalhos apostólicos, mas empenhavam-se ainda em obter para suas dioceses casas do Instituto. Ao número desses amigos pertencia o arcebispo Nicolau de Conza, que, encantado por uma missão pregada sob a direção de Afonso em Caposele no mês de maio de 1746, ofereceu ao santo fundador, ainda nesse mesmo ano, o santuário de Mater Domini nas vizinhanças da referida localidade. Afonso aceitou a oferta. 

Vinte anos antes, esse santuário fora oferecido ao santo provincial dos alcantarinos João José da Cruz, que recusou a oferta com a declaração de que não era a vontade de Deus que os seus religiosos entrassem naquele santuário, porque, vinte anos mais tarde, chegariam outros que se incumbiriam de promover com zelo a glória de Deus e o bem das almas.  

Para primeiro superior da nova fundação designou Afonso em fins de 1747 o seu fiel companheiro Pe. César Sportelli, que possuía de modo eminente a virtude mais necessária para a fundação de um convento: irrestrita confiança na Providência divina. 

Embora os moradores de Caposele tentassem o impossível para levantar o convento e garantir a estabilidade da fundação, não o conseguiram pela absoluta falta de recursos. Os padres foram constrangidos a valer-se das esmolas dos fiéis das cidades e dioceses vizinhas para a construção do prédio; para isso muniram-se de uma carta de recomendação lavrada pelo próprio punho do arcebispo de Conza. O Pe. Francisco Garzilli, acompanhado do Irmão Onofre, recebeu a incumbência de fazer o peditório. 

Em agosto de 1748 chegaram ambos à cidade natal de nosso Geraldo; foram os primeiros redentoristas, que lá apareceram. Já de primeira vista Geral-do, sentindo-se irresistivelmente atraído para eles, procurou chegar-se a esses religiosos e pôr-se em contato com eles. Era a simpatia da vocação. Geraldo sentia que vinha do céu essa sua aspiração e não hesitou em segui-la. Aproximou-se do Irmão Onofre, fez-lhe perguntas sobre a vida na Congregação e os exercícios de piedade e mortificações, por fim manifestou-lhe o irresistível desejo que tinha de entrar como irmão leigo. Onofre o pôs ao par de tudo, acrescentando porém que devia desistir do desejo de entrar no Instituto. “A nossa Congregação, disse ele, não é para vós, entre nós vive-se com muito rigor e   sofre-se excessivamente”. Onofre não conhecia quem se achava diante dele. Geraldo replicou-lhe com viva alegria: “É justamente isso que eu procuro”. 

Embora o servo de Deus só tivesse recebido informações satisfatórias, não se atreveu a ir além, seja porque ainda lembrava vivamente da repulsa dos capuchinhos seja porque desejava submeter a uma nova prova a sua inclinação. Orou muito e não tardou a convencer-se de que aquela inclinação era a expressão da vontade divina. Quando pela Páscoa do ano seguinte os padres voltaram a Muro para uma missão, o servo de Deus já tinha clareza completa sobre a sua vocação. 

Toda a população de Muro tomou parte ativa na missão, sobretudo Geraldo que, diariamente, se postava debaixo do púlpito a ouvir com religiosa atenção as palavras de fogo, mormente as do Pe. Paulo Cafaro, superior da missão. 

Esse sacerdote, então reitor em Caposele, era o homem capaz de atrair a um santo como o nosso Geraldo. Munido do dom da eloquência apostólica, experimentado na ciência dos santos, dotado de um espírito muito bem caracterizado pelas palavras “ó morte, ó eternidade”, que repetidas vezes saíam de seus lábios, pregava as verdades da religião com expressão e unção produzindo nos extraviados o desejo de conversão e nos inocentes a resolução de servir a Deus com a mais completa dedicação e humilde obediência. 

Geraldo estava todo encantado. Os dias da missão correram perfeitamente de acordo com os seus desejos: os seus frutos foram abundantes, operando-se nela a salvação de muitas almas; despertou-se novo fervor, o inimigo teve a sua derrota e a graça a sua vitória. 

Dessa missão conservou-se na memória de to-dos um fato que nos mostra claramente o espírito penitente de Geraldo. Entre os exercícios usuais nas missões de então destacava-se a flagelação. Depois dos primeiros dias, preparados os ânimos para a contrição, reuniam-se homens na igreja no fim da pregação, e punha-se em prática o supracitado exercício. É claro que Geraldo lá não faltava, mas ao lado dele também se achavam outros, levados não pela sinceridade, mas pela maldade do coração. 

Eram dois rapazes que se aproveitaram da ocasião para maltratar o servo de Deus. Postados bem atrás dele, depois de apagadas as luzes e começado a flagelação, açoitavam com indizível crueldade as costas do inocente jovem. Geraldo tinha direito de se queixar desse pro-cedimento inconveniente, mas preferiu calar-se e, sem mudar de lugar, suportou ainda por quatro ou cinco dias a rudeza daqueles rapazes atrevidos e maldosos. 

Tomou a resolução de ingressar quanto antes na Congregação do Santíssimo Redentor, quis arrastar todos os obstáculos não descansando enquanto estes não fossem afastados. Durante a missão chegou-se aos missionários e procurou prestar-lhes peque-nos serviços. No fim dela deu aos pobres o pouco que possuía para poder entrar, desprovido de tudo,  no estado de perfeição. Abriu-se afinal ao Pe. Paulo Cafaro, superior da missão, e declarou-lhe o desejo ardente que tinha de acompanhá-lo como irmão leigo da sua Congregação. Fácil era convencer-se da sinceridade de Geraldo e da sua piedade, mas difícil acreditar na sua vocação; a sua excessiva fraqueza contrastava demais como estado de irmão leigo. 

A resposta do Pe. Cafaro foi negativa, fazendo-o desistir do pensamento de entrar na Congregação. Embora o conselho fosse razoável, Geraldo, não podendo resistir à voz do céu, prorrompeu em prantos, porém em vão. Voltou uma e mais vezes aos missionários com o mesmo pedido, conjurou-os a que o recebessem ao menos a título de experiência e não desanimou diante das respostas sempre negativas. 

A mãe ficou sabendo do intento do filho; este mesmo lho manifestou quando interrogado pelo motivo da sua tristeza. Foi uma nova tempestade que desabou sobre ele. A mãe, embora piedosa e temente a Deus, não podia suportar o pensamento da separação de seu filho. Subjugada pela voz da natureza fez o que pôde para frustrar o plano do jovem e impedir a realização do seu intento. 

Começou a combater o coração de Geraldo com as armas da ternura maternal; com lágrimas nos olhos e voz entrecortada de soluços pediu-lhe não a abandonasse, pois que mesmo no mundo ele podia amar e servir a Deus, e que se recordasse do dever que tinha de ampará-la. Com a mãe pediam e choravam as irmãs, de sorte que o moço ficou de fato embaraçado. 

Geraldo era  muito afeiçoado aos seus, porém amava incomparavelmente mais a Jesus que dele exigia abandonasse a casa, mãe e irmãs para se entregar sem reserva. Abafava pois todos os sentimentos naturais e procurava consolar a mãe e as irmãs convencendo-as de que não poderia agir de outra forma. Entre outras coisas dizia ele: “Tenho de procurar-me um lugar onde eu possa dizer com verdade: aqui sou todo para Deus, que exige o sacrifício de todos os sentimentos do meu coração”. 

Inconsolável pelo fracasso de suas súplicas e lá-grimas, a mãe foi ter com o Padre Cafaro para que não aceitasse seu filho na Congregação. O amor, que consagrava a Geraldo, tornou-a eloquente, mas o excesso da afeição fê-la exagerar. Pintou com as mais vivas cores a sua pobreza e a necessidade de amparo por parte do filho, esforçou-se para demonstrar o inconveniente da resolução de Geraldo e, com suas lágrimas tentou bandear os missionários para o seu lado. 

O Pe. Cafaro não precisava desses motivos nem dessas lágrimas; ele nem cogitara de aceitar a Geraldo; ao contrário estava resolvido a resistir as importunações dele; pôde pois consolar a mãe chorosa e despachá-la com a declaração de que absolutamente não tencionava admitir Geraldo na Congregação. Sabendo porém a resolução inabalável que o moço tinha de associar-se aos missionários, aconselhou à mãe que não deixasse Geraldo sair de casa na hora da despedida.

Esse conselho foi seguido à risca; na hora da partida dos missionários, Geraldo estava preso dentro do quarto no lar materno. Mas que pode a prudência humana contra o amor engenhoso e ousado dos santos? 

Mal se tinham posto os missionários a caminho para Rionero, onde iam abrir a missão, ouviram a voz de um jovem que lhes corria atrás e chamava: “Esperai, meus padres, esperai que eu vou”. Supunham ser uma ilusão, mas era a pura realidade, era a voz de Geraldo que corria, a bom correr, a seu encontro. 

Achara um meio de evadir-se da prisão: serviu-se do lençol da cama para se escapar pela janela sem ser percebido por ninguém. Em uma carta anunciou a sua fuga com a observação de que iria tornar-se um santo e pedia aos seus que se não lembrassem mais dele. O Pe. Cafaro e seus confrades estavam pasmos diante daquele procedimento heróico do jovem Majella, e cheios de compaixão por tê-lo de rejeitar mais uma vez, porquanto não ignoravam o motivo porque vinha. E de fato o Pe. Cafaro não o quis aceitar e despachou-o novamente para Muro; mas o santo não se perturbou e chorando continuou a pedir: “Experimentai-me primeiro, e se eu não servir, despachai-me”. 

Com esse desejo ardente de ser admitido, acompanhou os missionários até Rionero, onde renovou com insistência e lágrimas o seu pedido ao superior dos missionários. Continuou assim nos dias seguintes, esperançoso sempre, porém sempre rejeitado,  
até que por fim se lançou aos pés do Pe. Cafaro com humildade capaz de enternecer os rochedos. “Meu padre, se me não aceitardes entre os vossos irmãos, ver-me-eis todos os dias entre os pobres à porta do convento a pedir esmola; mas eu peço encarecida-mente, que me experimenteis; se eu for julgado inepto para o serviço, despedi-me definitivamente”. 

Essa linguagem modesta e resoluta subjugou o Pe. Cafaro; embora não convencido da aptidão de Geraldo para a vida de irmão leigo, achou bom ceder de algum modo às suas instâncias para não ferir ao extremo tão nobre coração. Admitiu o santo jovem para a prova desejada e escreveu ao Pe. Lourenço d’Antonio, reitor de Iliceto, estas poucas linhas: “Envio-vos um irmão inteiramente inútil para o trabalho por ser muito fraco de compleição, não pude rejeitar incondicionalmente a sua admissão por causa das instâncias reiteradas a mim feitas e da consideração em que ele é tido em Muro”. 

Essa cartinha, pouco recomendável, inundou de contentamento indescritível a Geraldo que a recebeu com a ordem de se dirigir ao convento de Iliceto. Parecia-lhe um passaporte para o paraíso.  

A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA