Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

" Não manda acaso o Senhor que amemos todos os homens? Sede misericordioso, se quiserdes que Deus use de misericórdia convosco”.



A vida prodigiosa de São Geraldo Magela

CAPÍTULO XIII 

Peregrinação ao Monte Gargano 

Algumas semanas após o triste acontecimento, que acabamos de mencionar, teve Geraldo a consolação de visitar o monte Gargano, um dos mais célebres santuários da redondeza.

O convento de Iliceto abrigava, nesse tempo, parte dos clérigos da Congregação, que se dedicavam ao estudo da teologia-dogmática sob a direção do célebre Padre Alexandre de Meo. Não querendo passar as férias sem uma excursão maior e piedosa, propuseram um passeio ao monte Gargano. O reitor da casa, Pe. Fiocchi, aprovou o plano, exigindo que se realizasse em companhia do Irmão Geraldo, que tomaria sobre si o cuidado dos peregrinos.
Geraldo era muito conhecido e o Pe. Fiocchi contava com a sua força taumaturga, pois que, como ouviremos logo, pouco pôde fazer em benefício dos estudantes.

Nenhuma ordem satisfazia tanto, como esta, aos desejos do nosso santo. O monte Gargano era consagrado a São Miguel, e conhecemos já a sua devoção ao Santo Arcanjo desde a infância, mormente desde o momento em que recebeu das suas mãos, miraculosamente, a santa comunhão.

Provavelmente realizou-se a excursão pelos fins de setembro de 1753. Compunha-se a caravana de dez pessoas: Padre de Meo e Padre Spera, seis estudantes, o nosso santo e um ermitão por nome Irmão Ângelo de São Jerônimo. A viagem foi, de princípio a fim, uma cadeia de acontecimentos extraordinários e, como se exprime uma testemunha no pro-cesso da beatificação, “uma série ininterrupta de milagres de fé, esperança e caridade”.

No momento da partida o Pe. Fiocchi nomeou Geraldo comissário da caravana, entregando-lhe algum dinheiro; dizemos algum, isto é cerca de seis florins, soma muito insignificante para as despesas de um grupo de dez pessoas durante uma semana inteira.

Geraldo não fez a menor objeção. Quando os confrades lhe observaram que tão pouco dinheiro não bastava para a viagem, disse: “Deus providenciará”; soube comunicar aos outros essa inabalável confiança em Deus, de sorte que se puseram a caminho sem cuidados e preocupações.

Para o transporte da pequena bagagem e condução dos mais fracos alugaram-se jumentos, que foram confiados aos cuidados do Irmão Ângelo; partiram. Em Foggia fizeram a primeira parada. Como os leitores sabem da vida de Santo Afonso, essa capital da Apulia possui uma célebre imagem da Madona, diante da qual o santo foi arrebatado em êxtase durante uma pregação ao povo, que se apinhava no templo.

Não podiam os filhos de Santo Afonso, e muito menos Geraldo, deixar de visitar essa imagem. O nosso santo era muito popular na cidade, onde em suas excursões anteriores difundira, repetidas vezes, o brilho das suas virtudes e carismas admiráveis. Mal se soube da sua chegada, sacerdotes e leigos foram saudá-lo e gozar, embora por pouco tempo, da sua santa e edificante palestra. Propuseram-lhe diversas questões de ascese e teologia, que Geraldo resolveu, como de costume, com clareza e precisão.

No mosteiro da Visitação uma religiosa pediu falar-lhe; tinha muita coisa no coração de que desejava esclarecimentos. O santo satisfez o seu pedido e conferenciou com ela sobre os negócios de sua alma. Na despedida aconselhou-lhe que se preparasse para comparecer perante o Juiz Eterno, o que muito a surpreendeu, pois a religiosa era jovem, rosada e sã: uma morte próxima parecia improvável. O conselho de Geraldo foi acertado; após quatro meses Deus a chamou a si.

De Foggia, onde pernoitaram, seguiram de manhã para Manfredonia. Como os jovens, não habituados a longas caminhadas, sentiram logo grande cansaço, Geraldo resolveu alugar uma carruagem até Manfredonia. “Mas d’onde tirar o dinheiro para isso?” foi a exclamação uníssona dos romeiros. Geraldo respondeu: “Deus providenciará” e alugou um carro de dois cavalos, que transportou os passageiros até o lugar designado.

Aqui começou a dificuldade com dois jumentos; eles e o guia, Irmão Ângelo, não podiam acompanhar o carro. Os animais mal nutridos não corriam, arrastavam-se a custo; por fim fatigaram-se tanto, que Ângelo teve de ficar atrás. Em Candela, onde pararam para um refresco, deram pela falta de Ângelo com os animais. Esperaram, olharam — debalde; por fim avistaram o pobre guia banhado em pó e suor.

Geraldo concedeu-lhe e aos animais, um pequeno descanso, e pouco depois, deu sinal de partida. O eremita protestou alegando o cansaço dos animais, que tinham necessidade de maior repouso; só mais tarde se poria a caminho. Geraldo não concordou: “Os animais não podem ficar aqui, disse, vereis que eu os tocarei adiante”. O eremita teve que ceder e montou um dos jumentos; o outro ficou para o guia da carruagem. Os dois jumentos foram atrelados adiante dos cavalos; Geraldo subiu à boleia e com uma valente chicotada nos jumentos exclamou: “Em nome SS. Trindade eu mando: adiante!” Os animais pareciam animados de nova vida; galoparam com os cavalos como se fossem corcéis de raça, e assim chegaram a Manfredonia. Após o pagamento da carruagem ainda restaram na bolsa alguns tostões.

O homem da Providência não desanimou, lembrou-se de seu bom Rei celestial e resolveu pedir-lhe audiência. De caminho para a capela do castelo da Manfredonia, comprou no mercado um belíssimo buquê de cravos, que estavam à venda, e levou-o à capela. Depois de saudar o SS. Sacramento, subiu os degraus do altar, onde depositou o seu ramalhete; em seguida, olhando para o sacrário, disse com tocante singeleza: “Meu querido Salvador, vedes que pensei em Vós, agora é vossa vez de pensar em minha pequena família”.
O capelão do castelo, que se achava na capela e que presenciara esse ato de filial confiança, aproximou-se para ver o piedoso irmão e os seus companheiros.

Constatando serem eles da Congregação do SS. Redentor, da qual era amigo, chamou-os e fez questão de lhes dar hospedagem: “Deus vos pague, senhor — replicou o irmão agradecendo — mas nós somos tantos”. “Pouco importa — continuou o sacerdote — vinde todos à minha casa; cuidaremos de todos; minha mãe, que se acha doente há dois meses, não poderá, infelizmente, tratar-vos como mereceis, ela está de cama e muito enfraquecida”. “Quanto a isso, interrompeu Geraldo, não há dúvida. Crede-me: chegando em casa fazei sobre ela o sinal da cruz e ela ficará curada”. O padre acreditou nas palavras do irmão e não se iludiu. Mal fizera o sinal da cruz sobre a fronte da doente, esta sentou-se sã e forte, levantou-se e serviu os hóspedes.

O tratamento excedeu toda a expectativa, ainda mais que os romeiros, nem por sonhos, esperavam em Mafredonia tão excelente hospedagem. Além disso o capelão fez questão cerrada de prover os seus hóspedes do dinheiro necessário para a longa jornada.

Esse ajutório não foi o único fruto produzido pela ramalhete ao piedoso doador em Manfredonia. A súplica do servo de Deus ao pé do altar chegou ainda aos ouvidos de um outro sacerdote, que chegou incontinenti para ver e falar ao irmão, que na sua opinião devia ser um santo. A palestra agradou-lhe tanto, que prometeu mandar de presente a Iliceto um turíbulo prometido no valor de sessenta ducados.
Assim cumpriu-se a ordem do segundo dia a promessa feita por Geraldo de que Deus havia de providenciar. Diante disso levantaram-se os ânimos dos que, com certa apreensão, começaram a viagem. Indizível contentamento apoderou-se de todos, quando na manhã seguinte se aprontaram a subir o monte Gargano, em cujo sopé jaz Manfredonia.

A subida era íngreme; os jovens não tardaram a queixar-se de cansaço; ora um, ora outro exigia a cavalgadura. Só Geraldo caminhava a pé, como de costume, não parecendo sentir cansaço nem fraqueza. O seu espírito entretinha-se com o santo Protetor, de cujo santuário se aproximava. E que alegria quando lá chegou! Cada qual entregou-se à sua devoção. O servo de Deus aprofundou-se tanto no entretenimento com o santo arcanjo que pareceu esquecer-se de tudo que o rodeava.

Os jovens esperavam em vão o fim da sua oração; Geraldo não se movia. Alguns chegaram-se a ele e viram-no em êxtase. O seu rosto estava voltado para o céu, seus olhos abertos fitavam um ponto fixo, a respiração era quase imperceptível. A princípio deixaram-no tranqüilo, mas temendo que ele se esgotasse completamente, resolveram despertá-lo. Chamaram-no, sacudiram-no, levantaram-no para o alto, porém em vão. Quando por fim Geraldo voltou a si, sentiu-se acanhado em ver os companheiros que o rodeavam e disse: “Não foi nada, não foi nada! Vamos tomar um refresco”. Levantou-se e saiu da igreja com os outros.

A refeição desta vez foi mais copiosa do que esperavam, devido à esmola recebida do capelão do castelo em Manfredonia. Passaram a noite em uma pensão.
No dia seguinte os romeiros dirigiram-se bem cedo à igreja para as suas devoções. Geraldo, como na véspera, não se descuidou das necessidades dos seus confrades. A hora marcada mandou servir-lhes um bom café e ao meio-dia aprontou-lhes delicioso almoço.

Os jovens estavam com o Padre de Meo quando Geraldo os convidou para o almoço. Desconfiando das possibilidades da bolsa raquítica do irmão, hesitaram em aceitar o convite e entreolharam-se com desconfiança. “Homens de pouca fé, exclamou Geraldo, isso é obediência? Sentai-vos tranqüilos à mesa”. Enquanto obedeciam a essa ordem categórica, Geraldo tirou da bolsa umas moedas, entregou-as ao Irmão Ângelo para comprar pão. Este desceu ao rés do chão, executou a ordem recebida e voltou. Qual não foi o seu espanto ao ver Geraldo em atividade edificante. A mesa estava cheia de peixes de toda qualidade — era dia de abstinência — e o bom irmão servia a todos com a generosidade de um abastado pai de família.
Terminada a refeição, o Padre de Meo perguntou ao eremita quem havia encomendado tudo aquilo.

Ângelo não soube o que responder, somente afirmou que Geraldo, na véspera, só tinha alguns vinténs, fora à igreja rezar diante do altar do arcanjo São Miguel, e lá um homem desconhecido se aproximara com um rolo de moedas de prata, pedindo se lembrasse dele em suas orações e amasse sempre a Deus. É certo que, sem esse auxílio extraordinário da Providência, o santo não poderia prover tão copiosamente os seus confrades.

Antes de descer do monte Gargano Geraldo quis ajustar as contas com o hoteleiro, que sem consciência exigiu soma evidentemente exagerada. De nada valeram considerações e pedidos. “Pois bem, disse Geraldo em tom grave, se não dominardes a vossa ganância e exigirdes mais do que é justo, todos os vossos animais perecerão”. Mal acabava de pronunciar a ameaça, quando o filho do hoteleiro, chorando, entrou no quarto exclamando: “Vinde depressa, papai, não sei o que têm os muares; estão rolando no chão, que é um horror; vinde depressa por amor de Deus!”

A essa notícia o homem empalideceu; reconhecendo a sua injustiça, prostrou-se aos pés de Geraldo e pediu perdão. “Perdoo-vos de coração, replicou este ao humilhado, mas não esqueçais nunca: Deus está com os seus pobres; grande mal vos sucederá, se ainda uma vez exigirdes mais do que é justo”. O hoteleiro não quis aceitar nada, porém Geraldo pôs sobre a mesa o pagamento da hospedagem e foi à estrebaria para ver os muares. Um sinal da cruz feito por ele, foi o suficiente para restituir a saúde aos animais. Os romeiros visitaram mais uma vez o santuário e puseram-se a caminho.

Chegados ao pé do monte, sentiram ardente sede: “Chegaremos logo a um poço, disse Geraldo, lá podereis dessedentar-vos! um pouco de paciência ainda!” Não tardaram a alcançar o poço; mas, querendo haurir água, deram pela falta da corda para descer o balde. Por causa da seca extraordinária o proprietário do poço a havia afastado, de medo que viesse a faltar água, se todos a pudessem usar.

O santo, que não olhava para si mas para a sede dos seus confrades, foi ter com ele e pediu com humildade e bons modos, cedesse por uns momentos a corda para extrair a água e dessedentar os jovens. Foi porém repelido bruscamente.

Também esse homem teve de se convencer da criminosidade da sua avareza por um milagre estupendo. Afastando-se dele disse Geraldo: “Negais água ao vosso próximo, que deveis amar como a vós mesmo; pois bem, também a vós o poço há de negá-la”. Dito isso saiu com seus confrades. Não tardou muito, correu o homem atrás deles, gritando de longe com todos os pulmões: “Tende compaixão dos pobres que precisam da água do poço; é o único em toda a região!” Que é que aconteceu? Conforme a ameaça de Geraldo a água começou a diminuir sensivelmente. Abriram-se os olhos do dono do poço, o qual reconheceu o castigo da sua falta de caridade e de sua avareza. Arrependido estava disposto a dar de beber não só aos religiosos mas também aos dois animais que os acompanhavam, contanto que voltas-se outra vez a água a encher o poço.

Os viajantes não quiseram dar crédito às palavras do homem, porque da beira do poço tinham visto dentro água em abundância; parecia-lhes impossível secar-se o poço em tão poucos minutos. Devido às insistências do homem voltaram e verificaram que no poço só havia lama e areia molhada.

Geraldo, vendo quebrada a teimosia do dono, mandou atar a corda ao balde e lançá-lo ao poço. No mesmo instante apareceu novamente água. Depois que todos beberam, o santo dirigiu-se ao dono com as palavras: “Meu irmão, por amor de Deus nunca mais negueis a um sedento a água, que é de todos; do contrário Deus também vô-la negará. Não manda acaso o Senhor que amemos todos os homens? Sede misericordioso, se quiserdes que Deus use de misericórdia convosco”.
O homem tomou a peito aquelas palavras; dali em diante a corda ficou sempre junto ao poço, dando a possibilidade a todos de matar a sede.

Em Manfredonia voltaram à casa do capelão, que os hospedara tão gentilmente dias antes. No dia seguinte foram para Foggia. O caminho até lá teve de ser feito a pé com grandes dificuldades, mormente para o nosso santo. Inesperadamente repetiu-se a hemoptise que tivera já freqüentes vezes; Geraldo porém não quis saber de alívio; enquanto os seus confrades se revezavam no uso dos animais, ele caminhava a pé, esforçando-se por ocultar aos outros a sua fraqueza extrema. Nenhuma queixa saiu dos seus lábios; se não o tivesse visto vomitar sangue, ele teria guardado inviolável segredo sobre o seu mal-estar.

A sua fraqueza não o impediu de tratar os confrades com toda atenção e caridade e fazer tudo quanto lhes pudesse causar alegria e contentamento. Em Foggia ele propôs um passeio ao santuário da “Virgem coroada” pouco distante da cidade. Todos concordaram e no dia seguinte para lá se dirigiram guiados pelo santo.
Sucedeu então ao servo de Deus o mesmo que no monte Gargano; mal se ajoelhara na igreja, o seu espírito ficou preso nos doces laços do êxtase. Quando Geraldo voltou a si perguntou-lhe um dos estudantes o que ele havia tido. “Nada, respondeu o irmão, isso não passa de fraqueza minha”.

Os romeiros fizeram mais um desvio para visitar em Tróia o belíssimo Crucifixo entregue à veneração pública pelo santo bispo Cavalieri de Tróia, tio materno de Santo Afonso de Ligório. Os jovens clérigos interessaram-se vivamente pela imagem venerável em si mesma e principalmente grata pela recordação de um santo parente do fundador da Congregação. “Mais consolações do que os outros, diz Tannoia, sentiu Geraldo à vista do Crucifixo; todos foram testemunhas da emoção do seu coração e arroubo extático do seu espírito”.

Essa peregrinação foi realmente uma série de milagres, e contribuiu não pouco para consolidar a fé nos jovens confrades de Geraldo e fortificá-los na sua vocação.

Um desses jovens sempre se recordava com comoção da viagem empreendida por Geraldo, porque viu realizar-se à risca uma profecia feita então pelo santo; era Pedro Paulo Blasucci que havia professado um mês antes. Seu irmão Domingos terminara há sete meses, ainda na flor dos anos, a sua vida inocente e rica em virtudes, como um segundo São Luís; faleceu santamente em Caposele.

A esse Pedro Blasucci predisse Geraldo nessa peregrinação ao monte Gargano, que ele seria superior geral da Congregação, o que se realizou quarenta anos mais tarde; a 24 de abril de 1793 foi o Pe. Blasucci eleito reitor-mor e regeu a Congregação vinte e três anos, até a sua morte em 1816.

A viagem de Geraldo fez-se em nove dias. Ao entregar a bolsa ao superior continha mais dinheiro do que na partida. Não se enganou pois o Pe. Fiocchi quando disse que a melhor matula para a viagem era a confiança divina do Irmão Geraldo.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

“Acabo de ver a alma do Pe. Cafaro entrar no céu, onde ocupa um lugar ao lado de São Paulo; porque com suas pregações, sempre repletas de zelo e ardente amor, conquistou muitas e muitas almas para Jesus Cristo”.



A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO XII

Alguns dias em Melfi. Morte do Pe. Cafaro

Pouco deteve-se o santo em Iliceto após a sua volta de Castelgrande; algumas semanas depois recebeu ordem de acompanhar o Pe. Estevam de Liguori e mais dois padres que tinham de ir a Melfi em uso de águas . A 16 de julho deixou Iliceto.

Em Melfi o irmão era muito conhecido; lá já estivera diversas vezes de passagem ou por breve tempo; mas, como cada vez operara curas prodigiosas, a sua fisionomia imprimiu-se profundamente na memória do povo, sendo o seu nome pronunciado por todos com gratidão.

A família Scoppa, onde Geraldo se hospedara, possuía um diário lavrado pela dona da casa, Ana Scoppa, sobre a vida e atividade de Geraldo em Melfi. Infelizmente esse precioso documento desapareceu num incêndio em 1838, de sorte que nos são conhecidos apenas dois fatos realizados em visitas anteriores de Geraldo em Melfi na casa da supracitada família: um êxtase e uma profecia.

O primeiro foi ocasionado por uma imagem da SS. Virgem, que se achava colocada em elevada altura na parede da casa; parece que a família chamou para ela a atenção de Geraldo. O servo de Deus contemplou-a atentamente; o seu coração enternecido inflamou-se de amor para com a SS. Virgem, seu espírito elevou-se a um mundo superior; às palavras: “que beleza possuis aqui” voou, leve como a palha, até a imagem que segurou com ambas as mãos. Essa cena abalou os ânimos de todos os presentes, mormente da dona da casa, que caiu sem sentidos.

A profecia tem por objetivo um pai de família gravemente enfermo, cuja mãe aflita fora ter com o servo de Deus, intimando-o dizer-lhe se seu marido morreria daquela enfermidade. “Não temais, disse Geraldo consolando-a, vosso esposo não falecerá em conseqüência dessa moléstia, mas esta irá ainda longe”. A predileção realizou-se ao pé da letra.

Quando Geraldo chegou a Melfi em 1753 com os padres enfermos, não se hospedou com Scoppa, mas na casa de Victoria Bruno, senhora de muita piedade e mãe do jovem redentorista Amaro Murante. Também dessa ocasião poucos tópicos chegaram até nós a respeito da estada de Geraldo, que se não diferenciou muito das precedentes.

Para distrair os sacerdotes enfermos, Geraldo cantava hinos à escolha, correndo o teclado do piano que sabia tocar regularmente. Uma vez pediram-lhe cantasse a conhecida estrofe de Metastasio:
Se Dio veder tu vuoi
Guardalo in ogni oggetto
Cercalo nel tuo petto
Lo troverai con te.  

Geraldo não se fez de rogado. O conteúdo do hino secundado pelos maviosos sons do instrumento comoveu-o santamente; uma alegria celestial apoderou-se de sua alma e o contentamento que lhe inundava o coração, arrebatou-o; levantou-se, tomou pelo braço o Pe. Estevam Liguori e pôs-se a dançar na sala com o sacerdote, que em vão tentou desvencilhar-se dos seus braços.

Uma vez, achando-se, na residência do Cônego Leonardo Rossi, este fez a palestra cair sobre as perfeições divinas. Geraldo afogueou-se, o seu exterior traiu a comoção violenta da sua alma e os sentidos negaram-lhe o seu serviço. O Cônego notando, a tempo, o estado de Geraldo, correu a buscar água com o qual o umedeceu. O servo de Deus voltou a si; mas, vendo-se surpreendido no seu caminho ao paraíso, sentiu-se acanhado, e confuso e cabisbaixo interrompeu a visita e voltou logo para casa.

Confusão semelhante experimentou outra vez quando se entregava, um tanto sem cautela, a seus exercícios de penitência. Ou por esquecimento do lugar em que se achava, ou por se julgar inapercebido, começou a misturar com ervas amargosas, que levava sempre consigo, o prato que lhe acabavam de oferecer. A dona da casa, desejosa de conhecer a qualidade da erva, pediu ao irmão que lhe desse um pouco do conteúdo de seu prato. Achou a comida intragável e teria seguramente vomitado se tivesse ingerido o pouco que tomara na boca. O mesmo deu-se com o Padre Liguori que pretendeu fazer idêntica experiência.

O dom que Geraldo possuía de curar enfermos e desvendar o futuro, manifestou-se também em Melfi nessa ocasião. Miguel di Micheli, jovem de 18 anos, guardava o leito há mais de seis meses. Como a família do enfermo lhe era muito conhecida, Geraldo não se demorou em ir fazer uma visita ao doente. Examinando-lhe o pulso exclamou: “Como, tendes febre? Não, estais são”. E de fato, a visita levara a saúde ao doente. Encontrando-se, dias depois, com o jovem curado, fitou-o e disse-lhe em tom de convicção e certeza: “Chegará o dia em que sereis um dos nossos”. — Sim, replicou Micheli, isso será só quando eu pegar o céu com a mão”. O jovem nutria pensamentos bem diversos e não se sentia absolutamente inclinado a entrar na Congregação a que Geraldo pertencia. Não obstante realizaram-se in totum as palavras do santo. “Quando eu estava para escolher estado — contou mais tarde di Micheli ao Pe. Tannoia — senti inquietação febril durante seis meses; de repente, não sei como, resolvi-me entrar na Congregação redentorista, embora me procurassem dissuadir disso diversos religiosos e o próprio bispo Basta, que me honrava com sua amizade”. Em fins de 1753 di Micheli entrou no noviciado em Ciorani; viveu como bom religioso na mais exata observância e morreu a morte dos justos em 3 de junho de 1795.

Nos primeiros dias de agosto terminara o tratamento balneário do Pe. Liguori e de seus dois companheiros, e Geraldo se preparava para voltar a Iliceto, quando recebeu a notícia da doença grave do Pe. Cafaro, seu diretor espiritual em Caposele. Esse homem de Deus, uma das colunas da Congregação, adoeceu gravemente sem se iludir sobre o próximo desfecho da sua enfermidade.
Santo Afonso diz ele: “Antes de enfermar predisse mais uma vez a sua morte; há uns meses só falava da eternidade e do céu. Perguntava a seus companheiros: ‘Dizei-me, que é que se faz no paraíso?’ Um dia disse claramente: ‘Morrerei este ano’. A 5 de agosto falou ainda mais precisamente da sua morte: ‘Morrerei neste mês, disse, ainda hoje serei atacado da febre!’ E de fato, após a refeição sobreveio-lhe a febre, e três dias depois estava desenganado dos médicos.

Durante a sua enfermidade foi para todos um modelo de edificação:... paciente, manso e obediente; ... silencioso e recolhido em Deus, fitando devotamente a imagem do Crucificado e da SS. Virgem.
Quando um dos padres lhe afirmou que, como superior, mandaria fazer orações pelo restabelecimento da sua saúde, necessária ao bem da Congregação, disse o Pe. Cafaro. “Não o façais, é bom que eu morra!”

Na qualidade de reitor-mór, ao saber da sua enfermidade, dei-lhe, de longe, ordem de sarar, se assim aprouvesse a Deus. Ao recebê-la levantou a mão, sem nada dizer, acenando não ser do beneplácito divino, o seu restabelecimento.

No início da enfermidade, foi atormentado dos costumados escrúpulos, mas havendo recebido ordem do seu diretor espiritual para que se tranqüilizasse, obedeceu entregando-se inteiramente às mãos da misericórdia divina, e cheio de paz celestial, os olhos fitos no Crucifixo, exalou sua santa alma na presença dos seus confrades desolados, a 13 de agosto de 1753 às três horas da tarde, aos quarenta e seis anos de idade.

Temos a convicção certa de que foi gozar de Deus, a quem procurou sempre agradar e servir todos os dias da sua vida.

Quando o sino anunciou a sua morte, foi geral a consternação não só entre os confrades, mas também entre os estranhos que se achavam no convento. Antes do sepultamento abriram-se uma das veias, da qual jorrou sangue. Muitos fiéis têm conseguido favores e graças à invocação do seu nome e aplicação das suas relíquias. Essas graças, todas escritas, serão publicadas, quando a Deus aprouver conceder a seu fiel servidor as honras dos altares”.

Até aqui Santo Afonso No momento em que Cafaro exalava o seu derradeiro suspiro, Geraldo, seu filho espiritual, caiu em êxtase. Ao voltar novamente a si, perguntado pelo motivo de sua alegria, disse: “Acabo de ver a alma do Pe. Cafaro entrar no céu, onde ocupa um lugar ao lado de São Paulo; porque com suas pregações, sempre repletas de zelo e ardente amor, conquistou muitas e muitas almas para Jesus Cristo”.  

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A vizinhança do servo de Deus incomodou os demônios, que clamaram em alta voz: “Que homem é esse que nos persegue em toda parte?”



A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO XI 
   
O anjo da paz em Castelgrande 

O irmão Geraldo voltou de Corato a Iliceto em 24 de abril de 1753 e passou o mês de maio em sua querida cela — exceto uns dias, que esteve a negócios em Atella. Em junho o encontramos novamente fora de casa por longo tempo, em Castelgrande, lugar não muito distante de Muro.

Nessa cidade a casa de um tal Marcos Carusi tornara-se, desde longo tempo, sede de um ódio profundo e prejudicial. Um dos filhos do proprietário, de vinte anos de idade, tivera, tempos atrás, uma forte discussão com o tabelião Martinho Carusi, provavelmente da mesma família, o qual o assassinou. Os pais da vítima ficaram odiando de morte o assassino, não querendo nem ouvir falar de reconciliação. Em vão esforçaram-se os parentes do criminoso para afastar o escândalo produzido pela inimizade. Marcos Carusi e sua senhora permaneceram inabalavelmente surdos aos motivos e súplicas, pois que a dor da perda do filho insensibilizara-lhes o coração para tudo, menos para a vingança. Temia-se com fundamento, que o mal, já tão grande em si, produzisse resultados ainda maiores e mais abomináveis.

Diante dessa triste situação, lembraram-se do santo e pediram ao Pe. Fiocchi o enviasse a Castelgrande para se efetuar a reconciliação.
A súplica teria sido certamente indeferida, se o Pe. Cafaro não tivesse intervindo poderosamente a favor. Em uma missão pregada em Guardia, tivera ocasião de conhecer de perto o estado desesperador da causa e por isso, em uma carta enviada ao Pe. Fiocchi expôs a sua opinião e determinou-o a enviar, sem demora, o Irmão Geraldo a Castelgrande.

Geraldo para lá se dirigiu em companhia do Irmão Francisco Fiore.
O calor abrasador e a grande distância castigaram os viandantes, que por amor de Deus tudo suportaram sem se intimidar com as dificuldades.
Com o fim de começar bem a delicada e difícil questão da reconciliação, Geraldo procurou ter uma entrevista com a família ofendida, o que lhe foi fácil conseguir; na hora aprazada Geraldo lá estava com Marcos Carusi.

A oração do Irmão Francisco produziu efeito; tudo correu bem. Já na primeira entrevista com o pai da vítima conseguiu Geraldo fazer leve alusão a uma possível reconciliação. Carusi naturalmente não se deixara ainda convencer, porém a exacerbação antiga extinguiu-se, de sorte que Geraldo pôde despedir-se com a esperança de mover o desditoso pai ao sacrifício que dele exigiam a caridade cristã e a verdadeira honra.

E de fato, na segunda entrevista conseguiu o santo completa vitória; Marcos Carusi declarou-se pronto a perdoar ao assassino do seu filho, a dar-lhe a mão e esquecer tudo. A coisa parecia terminada, restando apenas o ato solene da reconciliação.

Geraldo julgou poder visitar entretanto a sua terra natal que pouco distava, a pedido de uns amigos. Confiando a seu amigo Frederico, em cuja casa se hospedara, os últimos e necessários preparativos para a solene reconciliação, deixou Castelgrande e dirigiu-se a Muro.
A sua estada lá foi breve, porém não sem frutos espirituais nem sem milagres.
O bispo Vito Mujo adoecera por aquela ocasião; Geraldo encontrou-o com reumatismo, atacado de dores agudas nas mãos e nos pés. Ao receber sua visita sentiu o bispo indizível alegria; entreteve-se com ele e pediu-lhe orações.
“Irmão Geraldo, disse, pedi a Deus que me livre destas dores”. — “Excelentíssimo Senhor, respondeu o santo, suportai com paciência as dores; a libertação delas não contribuiria para a glória de Deus; sem esses sofrimentos. V. Excia. não se salvaria”.

Em uma segunda visita ao santo, encontrou-o mais doente ainda. “Oh! como sois feliz, Excia. por poderdes sofrer tanto por amor de Jesus Cristo! e eu nada sofro!” Essas palavras consolaram o enfermo e agradaram-lhe tanto, que ficaram indelevelmente gravadas em sua memória.

Graças especial foi a visita de Geraldo em Muro para a senhora de Alexandre Piccolo, em cuja casa o santo se hospedara. Catarina — assim se chamava — vivia, há muitos anos, em estado de pecado; parecia-lhe impossível revelar o seu íntimo no tribunal da penitência. — Em sua primeira visita em Muro, Geraldo nada lhe havia dito a respeito; é que não havia soado, ainda, a hora da graça. Iluminado pelo céu, reconheceu Geraldo o triste estado de Catarina; chamou-a, descobriu-lhe o pecado há tanto tempo ocultado na confissão e admoestou-a insistentemente a se confessar sinceramente para não cair na condenação eterna.

“Confessai-vos e preparai-vos para a morte, disse-lhe o santo, pois que em breve tereis de comparecer na presença de Deus”. E de fato, Catarina, então no gozo de vigorosa saúde, adoeceu e faleceu dias depois, após sincera e contrita confissão.
Entretanto em Castelgrande o demônio agitava-se de todas as formas para destruir a obra de reconciliação tão bem iniciada e quase terminada por Geraldo. Serviu-se da ausência do irmão para dissipar as boas impressões produzidas no coração de Marcos Carusi e demovê-lo da resolução tomada. De instrumento serviu-lhe a esposa de Carusi. O demônio, conhecedor do coração materno, da sua fraqueza e sensibilidade, inflamou-o de novo ódio, acendendo nela a sede da vingança; a mulher exacerbou-se ainda mais por perceber no esposo o desejo da paz e reconciliação.

Vendo que Marcos estava disposto ao perdão concebeu, em sua fúria, um ardil com o qual ninguém contava. Com a roupa ensangüentada da vítima, que guardava qual jóia preciosa, e acompanhada das filhas que participavam do ódio da mãe, apresentou-se a seu esposo, mostrando-lhe as vestes ensangüentadas.
“Eis aqui, gritou furiosa, eis aqui as veste, ainda rubras, do teu filho; contempla-as e depois vai reconciliar-te com o assassino! o sangue do teu filho reclama inimizade eterna, pede vingança, e tu preparas-te para abraçá-lo?! Os rogos de uma mãe desesperada acharão ainda alguém que lhe vingue o filho”.

Diante desta explosão apaixonada não podia permanecer insensível um coração, há pouco curado da mesma paixão e que ainda se agitava, embora mais tranqüilo, nos mesmos sentimentos. Marcos esqueceu completamente as admoestações de Geraldo. A esposa soubera com destreza soprar a cinza revivendo o fogo. O ódio antigo, os sentimentos de vingança despertaram-se novamente. Não havia mais esperanças de reconciliação; o homem parecia mais duro do que antes.
Ao voltar a Castelgrande, Geraldo foi logo informado da mudança de Carusi.

Deveria o santo desistir e deixar o triunfo ao inimigo? “Não, disse Geraldo, o demônio não deve ter a vitória”. Animado de zelo foi logo ter com Carusi. Era naturalmente de esperar que ficasse sem efeito o assalto que ia fazer aos corações dos dois esposos. As palavras mais persuasivas e inflamadas não conseguiriam nada.
Geraldo ajoelhou-se, tomou o crucifixo, estendeu-o no chão e mandou que o espezinhassem: “Vinde e calcai com os pés o Cristo!” Essa intimação repetida três vezes, produziu espanto e confusão. Os esposos empalideceram e, como era de esperar, não se atreveram a executar a ordem do santo. “Vinde, continuou Geraldo, tentai calcá-lo aos pés! — Como? permaneceis imóveis, tendes medo e pavor! Sabeis que não há outro caminho: ou perdoar ou calcar com os pés este Jesus que mandou perdoar e que perdoou a seus algozes no alto da cruz. Escolhei!”

Ambos, esposo e esposa, sentiram-se horrorizados com essas palavras, mas não dispostos a perdoar; o ódio assentara-se fundo em seus corações. A vitória da graça estava iniciada mas não decidida.

Geraldo continuou: “Bem ou mal, deveis perdoar! Ouvi o que vos digo: A primeira vez que vim ter convosco, segui o chamamento dos homens, agora venho por ordem de Deus. Ouvi, pai e mãe, que recusais o perdão: vosso filho está no purgatório e lá ficará enquanto durar a vossa teimosia. Se quiserdes libertá-lo — reconciliai-vos! Isso é necessário antes de tudo; depois mandai celebrar cinco missas em sufrágio da sua alma. Esta é a última palavra, que vos digo em nome de Deus. Se a desprezardes, podeis contar com os tremendos castigos do céu”.
Dito isso, Geraldo voltou as costas, em ato de deixá-los; os esposos detiveram-no: estavam profundamente impressionados, resolvidos, vencidos. Exclamaram: “Queremos a reconciliação, e já”. E esta realizou-se na mesma hora com imenso júbilo dos castelgrandenses. As famílias reconciliadas permaneceram unidas na mais bela harmonia, esquecendo-se todos do triste acontecimento que havia produzido a desavença.

Mais uma derrota causou o santo ao demônio em Castelgrande. Orava Geraldo um dia na igreja diante do tabernáculo, quando duas mães lá entraram, levando cada uma a sua filha atormentada do espírito maligno. A vizinhança do servo de Deus incomodou os demônios, que clamaram em alta voz: “Que homem é esse que nos persegue em toda parte?”

O grito das possessas despertou Geraldo da meditação em que se aprofundara; correu e, ao ouvir as pobres mães e a causa das suas dores, encheu-se de compaixão; admoestou-as à confiança em Deus, tomou o cíngulo (cordão com que o sacerdote aperta a alva na cintura), deu-o às mulheres dizendo: “Voltai com vossas filhas para casa, cingi-as com este cíngulo, que elas ficarão livres imediatamente! Não temais se as virdes cair desmaiadas; será esse o momento em que os demônios as libertarão. Quando estiverem livres, confessem-se e recebam a santa comunhão, e os demônios nunca mais as molestarão. Coragem, o Todo-poderoso é bom, e nada lhe pode resistir!” As mulheres obedeceram e tudo realizou-se conforme Geraldo havia predito.

A presença do santo irmão em Castelgrande foi benéfica também para os doentes, que nele encontraram consolo e cura. Todos queriam tê-lo à cabeceira do seu leito e receber-lhe a bênção. Em muitos casos essa bênção operava alívio e melhoras admiráveis; citaremos apenas um caso.

O Dr. Caetano Cianci tinha entre os seus clientes um menino de três anos por nome Antônio Pace, cujas mãos e pés se entortaram devido a horríveis convulsões. Levou-o ao Irmão Geraldo, que colocou a mão sobre a cabeça do paciente e fez sobre ele, como de costume, o sinal da cruz, dizendo à pobre mãe: “Senhora, tende ânimo, o vosso filho está curado e nada mais terá que sofrer disso no futuro”. E de fato, o menino estava são; enrobusteceu-se e cresceu sem ter mais sintoma algum da antiga moléstia.

Entretanto Geraldo nem sempre atendia os pedidos feitos no sentido de um doente recuperar a saúde. A filha do supracitado Frederico, por nome Judith, perdera a vista em conseqüência de uma enfermidade. A mãe aflita pediu a Geraldo alcançasse de Deus a vista para a sua filha. O santo prometeu fazer o possível e mandou a mãe rezar pela menina. Logo depois voltou e disse: “Se a vossa Judith recuperasse a vista, estaria perdida; resignai-vos com a vontade de Deus. Em compensação vossa filha será indenizada com mais talentos do que muitas outras”.

O futuro não desmentiu as palavras de Geraldo; a menina permaneceu cega, mas desenvolveu grande habilidade para os serviços domésticos e serviu de mestra para as irmãs mais novas.
Esses acontecimentos maravilhosos tiveram conseqüências salutares na cidade, porém a vida santa de Geraldo mais ainda contribuiu para edificação geral em Castelgrande.

“A sua estada em Castelgrande, diz Tannoia, foi uma verdadeira missão para os moradores da cidade. A muitos revelou Geraldo o estado das suas consciências. As palavras sempre eficazes do servo de Deus operaram transformações edificantes. Entre outros converteu e ganhou para Deus quinze moços desordeiros e escandalosos, contra os quais ninguém podia proferir palavra devido à posição que ocupavam”.

Compreende-se a consternação do povo de Castelgrande quando soube da partida de Geraldo. Trezentas pessoas acompanharam-no até uma certa distância, cumulando-o de agradecimentos e votos de felicidade. Tão grande foi a veneração conquistada por ele entre o povo, que os próprios lavradores, ao ouvirem que Geraldo passava, abandonaram seus trabalhos nos campos e correram às ruas para receberem a sua bênção.

Como o Irmão Francisco Fiore costumava cavalgar adiante na distância de algumas centenas de passos, muitos os tiveram pelo Irmão Geraldo e o distinguiram com sinais de veneração. Para se furtar a essas manifestações imerecidas, gritava ao ver algum grupo que se aproximava: “Eu não sou o santo; lá vem ele, lá vem ele!”

De Castelgrande foi Geraldo a Caposele afim de levar ao confessionário os quinze moços que convertera, e visitar o seu diretor espiritual Pe. Cafaro, que era reitor daquela residência. Só depois é que voltou para Iliceto.
“Os resultados espirituais obtidos em Castelgrande — assim termina Tannoia sua narração sobre os trabalhos de Geraldo nessa povoação — foram tão duradouros que desde aquele tempo, bom número de pessoas de lá vão se confessar em Caposele todos os sábados. Essas pessoas não se intimidam nem pela distância de duas ou três horas de caminho nem pela necessidade de pernoitar ao relento.

Essa grande afluência de povo causou profunda impressão sobre o Pe. Cafaro, que o fez exclamar: “É isso! Aonde esse irmão vai, põe tudo em polvorosa”.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A fama das suas virtudes e milagres penetrara até lá, enchendo a todos de assombro.Todos corriam a ele. Em qualquer lugar em que aparecia, afluíam não só crianças mas também adultos, a lhe beijar as mãos




A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO X
Atividade em Muro e Corato

Alvo da primeira excursão do nosso esmoleiro foi Muro, sua terra natal; lá chegou algumas semanas depois da sua profissão, em princípio do outono de 1752.
Haviam percorrido apenas 3 anos desde que de lá partira, e a estima que seus conterrâneos lhe tributavam elevara-se já a uma santa veneração. A fama das suas virtudes e milagres penetrara até lá, enchendo a todos de assombro.

Receberam-no como um mensageiro do céu. Os padres franciscanos, aos quais pedira hospedagem, acolheram-no com alegria e santo respeito.
Entre os que mais se regozijaram com a sua chegada, estava naturalmente sua família, isto é suas irmãs, pois que a mãe, Benedita, havia falecido uns meses antes (10 de abril de 1752). Se não tiveram a sorte de hospedar seu irmão durante a sua estada na terra natal, não podiam atribuir isso ao desinteresse de Geraldo, mas à obediência e à abnegação que o impelia a recusar-se a alegria de ficar com os seus sob o mesmo teto.

Essa abnegação, tão digna de um religioso, não o impediu de trabalhar pela salvação dos seus parentes. O desvelo com que se interessou por sua sobrinha, que pretendia abandonar o século, é uma prova  eloqüente de que não tomava menos a peito o bem dos seus do que os dos estranhos.

Não se limitou apenas a animar a donzela à realização do seu propósito, mas deu passos para a sua reclusão no mosteiro do SS. Redentor em Foggia. Recebido o aviso da admissão dela e a ordem de partir, ele mesmo prontificou-se a ser o guia da futura religiosa. Ficou tão contente com a felicidade de sua sobrinha, que durante toda a viagem de Muro a Foggia não discorreu senão sobre a obrigação de aspirar à perfeição, exprimindo a vivacidade dos seus sentimentos com as mais vigorosas e fortes expressões. Ao chegarem à margem do Ofanto disse-lhe apontando as ondas: “Queres ser uma santa? Se não tiveres essa resolução, agora mesmo atirar-te-ia dentro d’água”.

Começadas as coletas em Muro, Geraldo iniciou também a sua atividade apostólica em todos os sentidos, fazendo luzir os carismas recebidos de Deus. Todos corriam a ele. Em qualquer lugar em que aparecia, afluíam não só crianças mas também adultos, a lhe beijar as mãos; poucas vezes saía sem o acompanhamento de pessoas gradas e influentes.

“Quando ele estava em Muro, contou mais tarde um conterrâneo e contemporâneo, os nossos assaltavam-no, uns buscando auxílio em suas necessidades, outros procurando consolo espiritual”.

Já nos primeiros dias realizou-se literalmente a profecia feita pelo santo a seus conterrâneos que o desdenhavam como um louco: “Desprezais-me agora; mas virá o tempo, em que me beijareis as mãos”.

Não eram só os leigos, que assediavam o nosso santo com pedidos e perguntas, “também o clero em Muro, escreveu Tannoia, homenageou o nosso Geraldo, dando-lhe indúbias provas de confiança. Exímios confessores do clero secular e regular recorriam à sua sabedoria sobrenatural, em procura de conselhos sobre pontos difíceis de direção espiritual.

 Geraldo resolvia as dúvidas como se fora mestre em teologia, e tratava das questões mais complicadas da ascese e moral com a habilidade de um professor”. Alguém, tendo-o ouvido em uma dessas ocasiões, exclamou maravilhado: “Louvo-vos, Pai, Senhor do céu e da terra, que escondestes estas coisas aos sábios e prudentes e as revelastes aos pequeninos; assim vos aprouve, Senhor”.

Um dos maiores admiradores do santo era o Cônego José Pianese, reitor do Seminário. A sabedoria desse indouto irmão leigo impressionara-o vivamente. Pediu-lhe um dia que fizesse uma conferência espiritual aos seus colegas e aos seminaristas; propôs-lhe as palavras que abrem o evangelho de São João:
In principio erat Verbum..., um dos lugares mais difíceis da Sagrada Escritura.

 Geraldo acedeu, pois que o assunto proposto era o mistério em que mais se aprofundava em suas meditações. Falou sobre a geração do Verbo com expressões tão sublimes e exatas, que todos se tomaram de assombro. Também Mons. Vito Mujo, bispo da cidade, prelado douto e prudente, afeiçoou-se ao servo de Deus, encantando-se, desde logo, com sua profunda humildade, extremado amor divino e esclarecida piedade.

Mandou chamá-lo, repetidas vezes, discorrendo com ele sobre os mais variados assuntos. A exatidão de termos nas questões teológicas, discutidas por Geraldo, cativou-lhe a admiração enquanto que a humildade e simplicidade do irmão o encheram de alegria e de uma santa afeição por ele. “Sempre que ele aparecia diante de mim, disse o bispo a um redentorista, consolava-me com a visão de seu rosto celestial”.

A estima de Geraldo em Muro incrementou-se consideravelmente com os milagres estupendos com que Deus quis glorificá-lo diante dos seus conterrâneos. Mormente um alarmou a cidade inteira.

O filho do relojoeiro Alexandre Piccolo, amigo de Geraldo e seu hospedeiro nas visitas, que posteriormente fez a Muro, prontificou-se heroicamente a recolher as esmolas em diversas casas de negócio. Para esse fim percorreu a cidade toda com zelo um tanto exagerado; aconteceu-lhe tropeçar na estrada, sendo arremessado violentamente ao chão; indo a cabeça de encontro a uma pedra, ficou ele sem fala e sem sentidos.

Transportaram-no à casa vizinha, onde afluiu gente de todos os lados. No mesmo instante passava pela rua o pai do infeliz em companhia de Geraldo. No grande celeuma produzido pelo fato, só ouviam as palavras: “Está morto, está morto”.

Piccolo, curioso perguntou pelo nome da vítima do incidente. Ao ouvir o nome do seu filho alarmou-se e não teve ânimo de ir ver o rapaz; pediu a Geraldo entrasse na casa. O santo verificou que o rapaz não dava sinal de vida. Tranqüilo aproximou-se dele, fez-lhe o sinal da cruz sobre a fronte, e disse: “Não é nada, meu filho, não é nada”.

O rapaz despertou-se como de uma vertigem e levantou-se com perfeita saúde.
Em sua pátria deu Geraldo repetidas provas da ciência que tinha do coração humano e do dom de profecia.

Digno de menção, nesse sentido, é o que aconteceu ao tabelião de Robertis. Esse senhor havia cometido, há muito tempo, um crime conhecido só dele e de Deus. De Robertis possuía em sua vinha uma cerejeira, cujos frutos saborosos seduziam os ladrões de frutas.
Por esse motivo ficava ele de atalaia nas ocasiões mais perigosas; uma noite surpreendeu um ladrão, a quem censurou asperamente e ameaçou, em caso de reincidência, de se vingar de modo mais enérgico. Infelizmente o homem, não tomando a sério aquelas palavras, voltou novamente; o tabelião não realizou as suas ameaças; mas na terceira vez o dono, sumamente encolerizado, usou da arma e assassinou o ladrão, a quem sepultou na vinha ocultamente.

Resolvido a guardar segredo, não disse nada a ninguém, nem sequer à sua mulher; infelizmente não revelou o seu hediondo crime nem ao ministro de Deus, no tribunal da penitência. O desaparecimento do assassinado causou sensação e muitas diligências fizeram-se para encontrá-lo; mas como nada se pôde apurar, em breve ficou esquecido o caso.

Mal o santo lançou um olhar para o sr. de Robertis, descobriu-lhe no coração a chaga mortal; quando a sós com ele, disse-lhe: “Senhor tabelião, a vossa consciência acha-se em péssimo estado! vossas confissões têm sido mal feitas porque tendes ocultado o assassinato cometido na vossa vinha sob a cerejeira, onde sepultastes o homem em terreno vosso”.
Esta revelação encheu o de assombro o tabelião. Após o primeiro movimento de susto, confiou o segredo à sua esposa, que mais tarde provavelmente o comunicou às pessoas, que nos transmitiram o caso. “Sim, Geraldo é um santo, afirmou de Robertis; nessa ocasião, ele revelou-me uma coisa de que só Deus e eu tínhamos conhecimento”. É escusado mencionar que o tabelião confessou o seu pecado e recuperou a paz perdida.

Uma vez o santo fez uma visita a um tal Petrone. Antônio, filhinho deste, de três anos, que se achava no quarto, chamou logo a atenção de Geraldo que, considerando o menino por alguns minutos, disse ao pai: “Vosso Antoninho ser-vos-á tirado; ele morrerá com esse instrumento de música com que está a brincar”. Não muito depois adoeceu o menino gravemente; já em agonia pediu uma guitarra que se achava ao lado. Para contentarem a criança deram-lha. Brincando com seus dedinhos sobre as cordas do instrumento Antoninho exalou sua alma.

Uma outra vez Geraldo encontrou-se na rua com um indivíduo, que blasfemava horrendamente contra a SS. Trindade. O santo e o Cônego Pianese, seu  companheiro, horrorizaram-se com aquilo. O irmão, voltando-se para Pianese, disse-lhe: “Vereis em breve que essas palavras blasfemas não ficarão impunes”. Três dias depois o blasfemo, alvejado por um tiro em praça pública, morreu sem ter tempo de recomendar sua alma à misericórdia divina.

A fama do santo penetrou os umbrais do convento das Clarissas, que ficaram desejosas de ver o santo irmão, falar-lhe e tirar proveito dos seus dons celestes. Não admira que as irmãs se julgavam com direito de receber a visita do santo, porquanto foi na capela do convento que Geraldo recebeu o sacramento de crisma.

O servo de Deus porém não quis aceitar esse convite.
As religiosas, atribuindo a recusa à modéstia e humildade do santo, recorreram ao bispo, que aprovou o pedido e mandou dizer-lhes: “Uma conversa com esse irmão ser-vos-á de maior utilidade do que uma série inteira de sermões quaresmais”.
Geraldo não pôde resistir ao desejo do prelado. Visitava uma e mais vezes o convento fazendo sempre às irmãs uma alocução que, na expressão de Tannoia, “enchia as boas religiosas de delícia celestial”.
Nessas palestras Geraldo abordava assuntos referentes ao lado prático da vida religiosa, por exemplo os empecilhos para a perfeição, os perigos que passam facilmente despercebidos, os meios de afastá-los, o apego prejudicial às criaturas, a fugida do locutório, as vantagens de uma vida desapegada de todas as coisas da terra, e o amor à solidão.
“No silêncio da cela, dizia ele entre outras coisas, Deus fala à alma fiel, que encontra a verdadeira paz no colóquio com Jesus Cristo e sua santíssima Mãe Maria”.

As palavras do santo ecoavam com eficiência em todos os corações. Alguns abusos, que os confessores não conseguiram abolir, cessaram com os conselhos do humilde irmão.
Uma religiosa pouco se preocupava com o espírito da pobreza; tinha desordenado apego a um pequeno coração de ouro, que pretendia conservar recusando entregá-lo à superiora. Muitos confessores procuraram em vão corrigi-la, a irmã permanecia surda a todas as admoestações. Geraldo converteu-a com uma palestra; a religiosa caiu em si, entregou-lhe o tesouro e continuou conscienciosa e exata na observância regular.

Também no convento das clarissas Deus ratificou as admoestações do santo com sinais extraordinários da elevada missão que lhe confiara. Um desses foi a cura milagrosa da superiora Maria José Salines, que de há muito sofria febre intermitente. Pediu ao santo intercedesse por ela ao Senhor. Geraldo acedeu e, depois de haver orado, enviou-lhe um pouco de pó do sepulcro de Santa Teresa, que recebera das carmelitas de Ripacandida e costumava aplicar aos enfermos. A superiora tomou-o e a febre passou.
Uma outra irmã achava-se espiritualmente enferma, pois que, ou por descuido ou por qualquer outro motivo culpável, ocultara um pecado na confissão, embora já houvesse feito três confissões gerais. A chaga era velha e por isso, perigosa. Os olhares do santo penetraram-lhe a alma, e Geraldo, compadecido, não achou mais sossego em seu coração. Teve uma vez ensejo de dizer, a sós, algumas palavras à irmã; sem rebuços manifestou-lhe o que sabia. A infeliz caiu em si, arrependida da sua grave falta, e tratou de pôr em ordem o mau estado da sua alma.

Nada impressionava tantos os moradores de Muro como a humildade sincera e a modéstia do santo, que apesar das distinções de que era alvo, nunca desmentiu o irmão leigo e o esmoleiro da Congregação do Santíssimo Redentor. O santo facilmente poderia sentar-se à mesa com as melhores famílias da cidade; atormentavam-no com os convites, mas o irmão os recusava sempre, preferindo misturar-se com os mendigos; e de fato aparecia regularmente à porta do seminário, onde com os pobres recebia um pouco de sopa com um pedaço de pão.
Logo após a sua estada em Muro, passou o santo aqueles perigos de viagens, que nos foram transmitidos em todos os seus pormenores por um dos seus contemporâneos.

Demos a palavra ao relator, Cônego Serio: “Era em 1751 ou 1752, pois que não posso precisar a data. Eu estava em Carbonara, na casa de meu pai que lá exercia o importante cargo de governador, e era muito relacionado com o médico Antônio de Dominico. Esse doutor, dotado de excelentes qualidades, costumava oferecer hospedagem a todos os missionários e religiosos que passavam por Carbonara.
Uma vez ao meio-dia veio ter comigo afim de convidar-me a fazer companhia ao Irmão Geraldo, que lá se hospedara, afirmando-me que eu me sentiria feliz em travar conhecimento com o servo de Deus, e que este teria imenso prazer de se encontrar com um sacerdote.
Aceitei gostosamente o convite e pusemo-nos, ambos, a caminho.

Ao entrar no quarto o médico exclamou alegremente: “Coragem, Irmão Geraldo! o tempo está chuvoso, estais ensopado e nesse estado não podeis pôr-vos a caminho; trouxe-vos um companheiro, para não ficardes só; entretende-vos com ele enquanto se prepara a mesa!”
— “Agradeço-vos a atenção, meu caro doutor, respondeu Geraldo, mas tenho pressa; esta tarde ainda tenho de estar em Melfi; a obediência o exige”.
— “Mas, meu caríssimo Geraldo, repliquei, é preciso saber interpretar a ordem do superior; se o superior que vos deu essa ordem, aqui estivesse, não vos deixaria sair com essa chuva. Depois da mesa veremos como se comporá o tempo e poremos tudo em ordem!” Geraldo terminou a discussão com as palavras: “Espero que faça bom tempo e partirei”.

Comecei então palestra e fiz-lhe perguntas sobre o Pe. Giovenale e o Pe. Cafaro, que fora meu confessor (1750) no seminário. As respostas de Geraldo satisfizeram-me totalmente; pusemo-nos à mesa e palestramos cordialmente. Eu e o doutor procuramos prolongar a mesa para impedir a viagem do irmão. Ele mesmo deixou-nos entrever a esperança de hospedá-lo aquela noite.

Ao chegar porém a hora da partida, interrompeu a conversa e declarou decididamente que havia de partir. “Não pode ser, declaramos, seria uma imprudência da nossa parte, deixar-vos sair com essa chuva torrencial; tendes de atravessar o Lausento, o Ofanto e a ponte de pedra d’Oglio; o caminho é longo e a hora já vai muito adiantada”.

Geraldo levantou-se e disse: “Por amor de Deus tende dó de mim e não insistais mais; o Pe. Fiocchi espera-me esta noite no palácio episcopal de Melfi. Não temo o Lausento; meu Raposo é valente e atravessa as torrentes. Quanto ao Ofanto, seguirei a es-trada e alcançarei a ponte, caso não cesse a chuva e eu encontre cheio o rio; se o tempo melhorar, tomo o caminho mais curto. Tende a santa paciência, não me detenhais. Eu vos digo “o tempo se mudará antes de eu deixar a casa!”

Em seguida foi ver se o seu cavalo tinha recebido a ração. Suas últimas palavras pareceram-nos tão esquisitas que nós dissemos: “Vamos ver se realmente o tempo se muda com sua partida. Deixemo-lo partir, mas demos-lhe um companheiro que vá com ele até o Lausento e o Ofanto, caso ele escolha o caminho mais curto”.

Entretanto Geraldo estava já pronto para a viagem; o doutor disse-lhe: “Irmão, se quiserdes ir, ide já porque a tarde está caindo, e lá não chegareis senão duas ou três horas após o pôr do sol; far-vos-ei acompanhar de um empregado até o Lausento. Estou certo de que voltareis; a chuva é violenta e tudo está coberto d’água”. Geraldo montou a cavalo e despediu-se.

Dois homens receberam ordem de acompanhá-lo até o Ofanto. Até aqui eu sou testemunha ocular e posso atestar que, mal Geraldo abandonou a casa, a chuva cessou e o sol apareceu, causando espanto ao doutor que disse: “Não achais que ele é verdadeiramente um santo? Realizou-se à risca a afirmação de que a chuva passaria logo depois da sua partida; e a obediência do irmão é assombrosa!” Eu tinha a mesma opinião do doutor e retirei-me louvando a Deus.

No dia seguinte contou-me o doutor que os dois companheiros de Geraldo, por ordem deste atravessaram o Lausento sem novidade. Chegando ao Ofanto, encontraram-no transbordado, arrastando nas ondas possantes árvores. Os homens aconselharam Geraldo a não atravessá-lo, porque isto seria expor-se a uma morte certa. Ele respondeu que seu cavalo sabia nadar; fez o sinal da cruz dizendo ao animal: “Vamos em nome da SS. Trindade”, e resoluto atirou-se ao rio. O animal afundou-se logo na água, aparecendo apenas a cabeça. A torrente era tão forte que o irmão pareceu perdido. Os companheiros gritaram assustados: “Nossa Senhora, acudi-o”, e o cavalo nadava. Mal chegara ao centro do rio, quando uma árvore colossal, em grande velocidade se precipita ameaçando levar consigo cavalo e cavaleiro. Os dois homens, testemunhas do perigo, julgaram tudo perdido. “Uma árvore, uma árvore, Irmão Geraldo!” gritaram ao mesmo tempo.

Ele respondeu: “Não temais, em nome da SS. Trindade ela passará longe de mim”, e fez tranqüilamente o sinal da cruz. A árvore desviou-se para um lado. Pouco depois estava Geraldo na outra banda, donde gritou aos homens assustados: “Agora podeis ir; adeus, não temais”.

Geraldo reconheceu milagroso o modo como escapou à morte nessa ocasião; mas atribuiu-o à obediência, por cuja causa se expôs ao perigo. Conversando uma vez com o bispo Amato de Lacedogna sobre a força da obediência, aduziu esse fato como prova da sua afirmação.

Alguns meses mais tarde, nas últimas semanas da quaresma de 1753, encontramos Geraldo em Corato, cidade da província de Bari. Alguns sacerdotes e leigos dessa cidade haviam feito os exercícios espirituais em Iliceto, onde travaram conhecimento com o santo e apreciaram tanto a sua santidade, que se puseram a falar dele em Corato, despertando nos amigos e conhecidos o desejo de vê-lo e falar-lhe.

Pediram ao Pe. Fiocchi que o mandasse por algum tempo a essa cidade. Embora, a princípio, o superior não se mostrasse disposto a satisfazer o pedido que já recusara a outros, por não ser essa propriamente a atividade de Geraldo, por fim resolveu conceder permissão a Geraldo de passar uns dias em Corato. O superior não teve que se arrepender porque Geraldo correspondeu em Corato à todas as expectativas.

Já a sua viagem para lá foi ricamente abençoada e distinguida por um milagre estupendo. No caminho de Andriá para a supradita localidade encontrou Geraldo um homem a olhar tristemente para o seu campo e a queixar-se em alta voz. O servo de Deus parou e perguntou pela causa da sua aflição.
“Ah! meu padre, disse o camponês, mesmo que a soubésseis, não me poderíeis ajudar”. — “Como, meu amigo, então Deus não poderá ajudar”. — “Isso sim — mas ve-de o meu campo; os ratos reduziram-no a um deserto; minha família vai morrer de fome!”

Compadecido, Geraldo benzeu o campo com o sinal da cruz. Num momento a multidão dos ratos desapareceu completamente, constatando o camponês infinidade desses animais mortos e espalhados pelo campo. Cheio de alegria lançou-se aos pés de Geraldo, que lhe disse: “Não a mim, mas a Deus é que deveis agradecer”. Dito isso montou a cavalo e retirou-se procurando assim fugir a novas manifestações de gratidão.

O camponês pôs-se a examinar o campo — os ratos jaziam, aos milhares, sem vida. — Incapaz de se conter correu atrás do santo gritando: “Esperai, homem de Deus, esperai!” Este porém apressou-se e sumiu-se. O camponês chegou à cidade, pouco depois do santo, narrou em todos os lugares o acontecido, afirmando que um grande santo havia chegado a Corato.

Geraldo recebera ordem de se hospedar na casa de um tal Felix Papaleo. Como ele nunca estivera em Corato teve de perguntar pela moradia de Felix; não querendo porém chamar muito a atenção, perguntando na rua, deu rédeas ao animal e continuou seu caminho.
O cavalo andou ainda um pedaço na estrada e, de repente, voltou-se para um lado e foi entrando no adro de uma casa. As pessoas que acorreram perguntou Geraldo: “Não me podeis indicar onde mora Feliz Papaleo?” “É aqui mesmo”, foi a resposta. O santo apeou-se agradecendo a Deus e a seu bom anjo da guarda.

Entretanto espalhara-se pela cidade a notícia do milagre da extinção dos ratos; o povo afluía em massa à casa de Papaleo para conhecer o taumaturgo. Todos regozijaram-se com a chegada dele e agradeceram aos que haviam chamado.
O desejo de tirar proveito da estada do servo de Deus impeliu grandes e pequenos à casa da Papaleo, que se tornou o lugar mais procurado na pequenina cidade. Padres e leigos, ricos e pobres iam diariamente ter com Geraldo, ou para se edificar com as suas virtudes e palestrar com ele, ou para lhe comunicar algum sofrimento oculto e procurar alívio, ou enfim para pedir conselhos acerca da sua consciência.

A vida de Geraldo na casa de Papaleo pouco se diferenciou da de Iliceto; comia pouco, dormia sobre a terra nua, flagelava-se cruelmente à noite e mostrava-se sempre humilde, devoto, paciente, afável, cheio de cativante simplicidade e mansidão. Aos seus ensinamentos uniu o melhor exemplo e inflamou os moradores de Corato com as chamas do amor divino.

Para relatar apenas um caso, Geraldo quis que se fechasse uma janela, que dava para a rua, e se afixasse lá um crucifixo. “As irmãs que se quiserem salvar — disse ele — só devem olhar para Jesus Crucificado”. O santo porém nesse ponto só encontrou ouvidos de mercador; as irmãs não estavam dispostas a fazer o sacrifício. Mas qual não foi o seu espanto quando de manhã encontraram a janela completamente murada! Quem o teria feito? Impossível ter vindo alguém ao convento à noite e executado o trabalho, sem barulho algum.

Atribuíram aos anjos a execução do desejo manifestado por Geraldo. Seja como for, o fato causou profunda impressão no convento e auxiliou muito o andamento da reforma, que o próprio Deus aprovou com milagres assombrosos. Uma vez em uma dessas palestras, enquanto falava do amor de Deus aos homens e da sua morte sobre a cruz, uma alegria indizível apoderou-se da sua alma, que sentia tão vivas saudades do céu, que lhe não foi possível reprimi-las. Seu peito procurava respiração, seu rosto inflamou-se, os olhos voltaram-se para o céu e as mãos seguravam os balaustres da grade de ferro; o santo suspirava parecendo não conter a violência dos seus sentimentos. Passados alguns minutos, voltou a si, tranqüilizou-se e pediu água. Tomou algumas gotas e banhou-se com o resto para acalmar o incêndio do amor divino.
Um outro fato, cuja recordação durou longos anos, prende-se à pensionista Vicencia Palmieri. A moça, filha de rica família napolitana e herdeira de considerável fortuna, suspirava pela volta ao mundo; não tinha sinal algum de vocação à vida religiosa. Geraldo que ouvira falar da jovem Palmieri, quis vê-la e falar-lhe. A moça foi ter com o santo e manifestou-lhe o enfado que sentia à solidão da cela e à vida presa e oculta por paredes intransponíveis. O irmão ouviu-a calado, e depois disse-lhe: “Quereis, filha, abandonar esta casa? Não, aqui é o vosso lugar; aqui sereis religiosa”.

Vicencia respondeu afirmando ter outro ideal para sua vida. “Bem, replicou o santo, mudareis a vossa resolução, tornar-vos-eis religiosa neste convento e aqui vivereis edificando a todos”. E de fato, quando chegou a mãe para buscá-la, Vicencia não quis acompanhá-la e pediu para entrar no noviciado. Foi admitida, fez a profissão e levou uma vida santa, como Geraldo o predissera. Faleceu quase aos cem anos de idade, merecendo nos últimos momentos a aparição de São José que a consolou e confortou.

Também as beneditinas lucraram imensos benefícios espirituais com a estada de Geraldo em Corato. O servo de Deus esteve lá diversas vezes e sua palavra cheia de unção e fogo produziu incalculáveis frutos de salvação.
A piedosa abadessa do convento, depositando grande confiança no santo, manifestou-lhe os desejos e esperanças do seu coração. querendo libertar-se do cargo, que lhe causava tantos cuidados, pediu ao santo que rogasse ao Senhor que atendesse as suas orações e lhe tirasse dos ombros o pesado ônus tão cheio de responsabilidade.

“Sereis atendida em breve, disse Geraldo, Deus afastará de vós essa cruz, mas impor-vos-á uma outra que tereis de carregar até o fim”. A abadessa foi exonerada pouco depois, mas um horrível cancro manifestou-se-lhe em um dos pés, causando-lhe dores cruéis até o fim da vida, dores que ela suportou com admirável paciência e resignação.

Foi na igreja das beneditinas que o senhor quis exaltar o seu servo de modo a aumentar extraordinariamente a veneração dos moradores de Corato para com o santo irmão leigo.
Em 1753 a Sexta-feira Santa caiu a 20 de abril. À tarde desse dia saiu, como de costume, uma procissão pela rua, levando uma devota imagem de Jesus Crucificado. Ao chegar o préstito perto do convento das beneditinas, Geraldo meditava profundamente na Sagrada Paixão. À vista da imagem o santo foi arrebatado aos ares e nessa posição permaneceu longo tempo, os olhos fitos no crucifixo. Os presentes, diante desse espetáculo maravilhoso, encheram-se de santo respeito para com o jovem que se merecera tão assinalados favores do céu.
Passados os dias feriados da Páscoa, Geraldo declarou aos moradores de Corato a ordem que tinha de voltar para Iliceto. Os amigos quiseram detê-lo, alegando não ter chegado nenhum próprio nem carta chamando-o. Geraldo porém replicava sempre: “Fui chamado, devo ir”.

E, de fato, nesse tempo em que Geraldo começou a ficar inquieto e declarou dever voltar, o Padre Fiocchi — como ele mesmo disse ao cônego Gióve — lhe havia dado ordem mental de regressar.
Sobre a atividade abençoada do santo em Corato, possuímos uma breve relação feita por uma testemunha ocular, Padre Francisco Xavier, de Melfi, que então passara uma temporada naquela cidade. Os biógrafos do santo, Pe. Landi e Pe. Tannoia, conservaram-nos a seguinte carta dirigida ao Pe. Fiocchi, reitor de Iliceto. É datada de 24 de abril e reza assim:

“A divina Providência levou o vosso Irmão Geraldo a Corato para a salvação de grande número de almas. Ele com seu bom exemplo edificou a população inteira e operou estupendas conversões. Homens e senhoras de alta posição rodeavam-no; uma palavra sua era bastante para compungi-los e como-vê-los. É-me impossível entrar em pormenores a respeito.

V. Revma. não pode calcular o número de sacerdotes e homens distintos que o visitavam, nem a ânsia com que o acompanhavam em toda a parte; levavam-no em triunfo como a um santo caído do céu; muitos, só à noite se separavam dele. Cada uma das suas palavras era como uma seta que traspassava os corações; muitas vezes só se ouviam soluços entre os assistentes.

E não só o povo foi por ele incentivado ao amor de Deus; também um convento, até então pouco edificante, resolveu aceitar a reforma devido às suas admoestações. Bastava uma palestra com ele para as religiosas desistirem das vaidades e se submeterem humildemente e docilmente à superiora.

Todos os moradores de Corato estão enlevados com o Irmão Geraldo; a cidade inteira foi por ele santamente abalada, de sorte que cerca de vinte ou mais sacerdotes e leigos se estão aprontando para ir a Iliceto e fazer o santo retiro; já pediram a missão para novembro.
Espero ter em breve ocasião de vos beijar a mão e relatar tudo de viva voz”.
“Desde esse tempo, diz o Pe. Landi, a cidade de Corato afeiçoou-se à Congregação do SS. Redentor de sorte que se tornou ativa e intensa a comunicação dela com o convento de Iliceto. Apesar da não pequena distância iam anualmente a Iliceto cerca de quarenta homens para os exercícios espirituais. — A missão correu magnífica até hoje — Pe. Landi escreveu em 1780 — dois dos nossos padres fazem lá anualmente uma semana de pregações sempre com grande sucesso”.

O nome de Geraldo permaneceu em ótima recordação; sua conduta edificante, nos poucos dias da sua estada lá, produziu, mesmo nos anos posteriores, notáveis frutos.

“Geraldo durante sua estada na casa da família Papaleo — atesta o Pe. Camilo Ripoli no processo da beatificação — tornou-se conhecido em toda a cidade; admiravam nele o modelo consumado da virtude e da penitência, o homem eminente pelo dom dos milagres e intuição dos corações, e veneravam-no como um santo. Sua recordação permaneceu saudosa na cidade e contribuiu para eu entrar, em 1798, na Congregação do SS. Redentor”.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Nos planos da Providência, Geraldo não devia apenas distinguir-se pelo brilho das virtudes dentro do convento, mas quanto possível a um simples irmão leigo, ser um salvador de almas e verdadeiro apóstolo em não insignificante parcela da sua pátria.



CAPÍTULO IX 
O esmoleiro 

Nos planos da Providência, Geraldo não devia apenas distinguir-se pelo brilho das virtudes dentro do convento, mas quanto possível a um simples irmão leigo, ser um salvador de almas e verdadeiro apóstolo em não insignificante parcela da sua pátria. Esse desejo de atividade apostólica despertou-se em sua alma desde a infância. Já temos visto como ele trabalhou na conversão dos pecadores nos primeiros anos de sua vida religiosa; porém então não eram muitas as ocasiões que para isso se lhe ofereciam. Depois da sua profissão a coisa tornou-se outra.

Favorável ocasião para isso teve o nosso santo no costume de os redentoristas napolitanos levar consigo às missões um irmão leigo na qualidade de ecônomo, que tinha o ofício de prestar aos padres os serviços domésticos e de fazer diversos negócios fora de casa.
Como Geraldo possuía em alto grau as qualidades requeridas para esse mister, recebeu não raras vezes a incumbência de acompanhar os missionários. Que ocasião excelente para o exercício de seu zelo apostólico!
Sem transgredir os limites, indicados por seu ofício e modéstia, o santo realizou e conseguiu mais pelo exemplo de suas virtudes e piedosos colóquios do que muitos pregadores. Ele era, diz uma testemunha de sua operosidade, o mais ativo colaborador dos sacerdotes, mormente na instrução do povo por ele procurado. Achou meios de chegar-se ocultamente aos extravios para os ganhar para a virtude, que conseguia quase sempre, de sorte que os missioná-rios costumavam dizer: “O trabalho e o exemplo de Geraldo produzem mais resultado do que mil missões e pregações”.

Quando algum confessor não se podia arranjar com algum pecador nem abrandar-lhe o coração com conselhos e pedidos, mandava-o ao Irmão Geraldo, que, quase sempre, em pouco tempo o reenviava instruído e convertido.
O que sacerdotes zelosos e doutos não conseguiam, o indouto irmão liqüidava com poucas palavras. Em geral falava calmamente com o pecador; em caso de necessidade, porém, sabia manejar o azorrague e discorria com severidade, efetuando as mais admiráveis conversões.
“É Deus que operava por meio do Irmão, afirmava um missionário, nós só tínhamos que admirá-lo e procurar imitá-lo”.
Também fora das missões, como em novenas, tríduos e outros trabalhos semelhantes, os padres apraziam-se em ter a Geraldo por companheiro. Cada qual contava certo com o resultado de seu trabalho, sempre que podia ter ao lado o Irmão Geraldo.

Não eram entretanto as missões e outros trabalhos semelhantes, que constituíam a ação mais abençoada e profícua de Geraldo.
Mais vasto campo de ação abria-se quando a penúria do convento o constrangia a pedir esmolas.
Por ocasião da fundação de Iliceto Santo Afonso escreveu ao Pe. Rossi: “Munamo-nos de coragem, a nossa vida lá será sempre a de indigentes”. E essa profecia realizou-se.
As tristes condições de miséria, em que se começou a fundação de Iliceto, não melhoraram; a penúria crescia dia a dia, e não se podia esperar auxílio de outras casas, porque elas também mal possuíam o necessário para se manter.
Os superiores viram-se pois na dura necessidade de recorrer à generosidade de benfeitores; mandavam para isso diversos irmãos esmolar em vários lugares com a autorização dos bispos e dos vigários.

Entre os irmãos não havia nenhum mais apto para essa delicada e escabrosa ocupação do que o nosso santo. Sua edificante modéstia, a mistura suave de afabilidade, simplicidade e austeridade, que lhe eram próprias, sua prudência no trato com o mundo, enfim sua fama de santidade recomendavam-no para esse ofício; podia-se com fundamento esperar dele não só o fim próximo do peditório, mas também aquela unção que ele sabia imprimir à sua atividade, a exemplo de São Francisco de Assis e São Félix de Cantalício.

Para Geraldo era o exercício desse ofício a melhor ocasião de desenvolver em todos os sentidos a sua caridade apostólica.
Nos três anos seguintes percorreu vários povoados, aldeias e cidades, distribuindo ricos tesouros de graças celestes em paga das pequenas esmolas que recebia.
Não conhecemos muito pormenores das viagens abençoadas do nosso santo esmoleiro; entretanto o pouco que sabemos é bastante para formarmos uma idéia mais ou menos adequada da sua atividade e nos enchermos de assombro diante dela.
Primeiro diremos algo em geral da vida do santo em suas peregrinações, deixando para mais logo a descrição de sua operosidade em lugares determinados.
O religioso obrigado a entrar em contato constante com o mundo, deve ser perito na arte de conservar sempre o espírito recolhido da cela e de se não mundanizar no barulho e rumor do século.

Geraldo possuía essa arte em grau elevado; vivia da mesma for-ma dentro como fora do convento: era sempre o mesmo irmão simples, pobre e amável. Contemplando-o em suas viagens de aldeia em aldeia, ao lado da sua cavalgadura, pobremente vestido, recolhido, amavelmente saudando a todos, trocando algumas palavras com quem o apostrofava, abençoando as crianças que lhe iam beijar as mãos, parando em cada igreja para rezar um pouco e pedindo esmola com incomparável modéstia e humildade, podia-se reconhecer imediatamente o homem da oração e dos carismas divinos.

As duras mortificações praticadas em casa, o santo as prosseguia em suas viagens. O voto feito de executar sempre o que julgasse mais perfeito, tornava-se sempre mais exato: nem as viagens penosas, nem as dificuldades do peditório dispensavam-no do rigor do voto.
Jejuava também fora do convento; e sempre que tomava algum alimento, misturava-o com ervas amargosas. Quando tomava algum descanso, à noite, desprezava os leitos e dormia no chão; e para que ninguém o notasse desarranjava a cama de manhã. Quando, às vezes, não lhe era possível alcançar a casa dos benfeitores e amigos da Congregação, dormia ao relento; em casa inteiramente estranha nunca se alojava.

Geraldo caminhava ao lado do seu jumento; cavalgar parecia-lhe luxo e comodidade. Às vezes, quando os superiores se lembravam de prescrever-lhe a equitação, Geraldo obedecia; aliás a cavalgadura ia mais fresca e folgada. Encontrando, de caminho, alguém com peso às costas a seguir a mesma estrada, não sossegava enquanto não lhe tirava o fardo para pô-lo no seu jumento, mesmo que se tratasse apenas de uma pequena distância. Aos confrades, que às vezes o acompanhavam, cedia sempre a sela marchando ele ao lado.

Virtude característica no nosso Geraldo era a extraordinária modéstia em toda a sua conduta. Freqüentemente encontrava-se com pessoas do outro sexo; nunca porém perdeu coisa alguma da decência delicada, que lhe era própria. Fizera-se escrúpulo em rezar uma Ave Maria em louvor da Imaculada sempre que, em virtude do seu ofício, se encontrava com mu-heres, propósito esse que sempre executou conscienciosamente. Evitava, quanto possível, falar a sós com essas pessoas; mesmo quando era necessário dirigir-se a muitas ao mesmo tempo, guardava sempre a maior discrição, embora se entretivesse sem o menor acanhamento. Conservava os olhos sempre baixos não tanto por sua causa, mas pelo bom exemplo que devia dar.

A sua presença produziu sempre profunda impressão. Grandes e pequenos e até povoações inteiras recebiam-no com verdadeiro entusiasmo. Se todos porfiavam em dar-lhe generosas esmolas, de sorte que, como Geraldo se exprime, “as mulheres da sua terra arrancariam os seus brincos e os homens os seus tesouros, se ele os não impedisse” — contudo mais ávidos eram todos em receber dele as esmolas espirituais.
Edificação especial causava a todos o seu espírito de oração. Viam-no a cada momento livre diante do SS. Sacramento, não raramente em êxtase. Em suas viagens, os viandantes notavam que Geraldo, em seu espírito, seguia caminhos diversos dos que seus pés trilhavam.
Porém não era somente com o exemplo das suas virtudes que remunerava as esmolas recebidas; pagava-as ricamente com uma outra moeda, ainda mais preciosa. Terminado o peditório transformava-se em apóstolo.
De todos os lados recorriam a ele assaltando-o com pedidos e perguntas; uns queriam suas orações, outros desejavam conselhos, consolo e instrução. À tarde achava-se quase sempre rodeado de gente; e ninguém se arrependia dessa santa ousadia, pois Geraldo regozijava-se sempre que lhe era dado comunicar a outrem os dons recebidos de Deus. O assunto usual da sua palestra era: obrigação de levar uma vida verdadeiramente cristã, a fugida do pecado, a fidelidade no cumprimento dos deveres do próprio estado, a recepção freqüente dos santos sacramentos, o amor a Jesus Cristo, a devoção a Nossa Senhora e semelhantes.

O irmão era tão hábil em consolar os outros, que alguém afirmou “ter Geraldo levantado o ânimo a todos os que sofriam”. Reanimava as almas aflitas apontando-lhes o exemplo de Jesus paciente, e conseguia fazê-las carregar a cruz com resignação e até com alegria. Não suportava discórdias, inimizades e semelhantes escândalos; restituía a paz às famílias, que lhe ficaram devedoras dessa felicidade, aliás perdida talvez para sempre.

Em geral não deixava passar ocasião de impedir pecados e corrigir pecadores.
Ao viajar um dia por San Menna, notou que seu cavalo tinha perdido as ferraduras. Dirigiu-se a um ferreiro, que em sua avareza quis explorar a simplicidade do irmão. Terminado o trabalho exigiu pagamento exagerado. Sem lesar o voto de pobreza, unicamente para satisfazer a ganância do ferreiro, Geraldo não podia concordar com a injusta exigência. Santamente irado mandou o cavalo que restituísse as ferraduras; o animal deu um salto, sacudiu os pés e despregou as ferraduras. O homem perdeu a fala de tamanho susto; recuperou-a só quando Geraldo, montado em seu cavalo, havia desaparecido. Caindo em si e reconhecendo a sua falta, correu atrás gritando: “Geraldo, Geraldo, parai, esperai um pouco”. Era tarde; o irmão ia longe e não voltou.

Uma outra vez encontrou junto à ponte de Bovino um cocheiro, que blasfemava horrendamente. O carro atolara debaixo da ponte e os animais não o podiam puxar para fora; o carro e os animais estavam em grande perigo. As blasfêmias penetraram como punhaladas no coração do santo. “Cessai de blasfemar”, gritou Geraldo ao cocheiro. — “Cessarei se me salvardes o carro e os animais, que irão ao fundo”, foi a resposta. “Bem — replicou o santo e, dirigindo-se aos animais como sinal da cruz — mando-vos em nome da SS. Trindade que puxeis para fora o carro”. Palavras não eram ditas, o carro tornou-se leve e os animais puxaram-no sem esforço para fora do rio. O cocheiro ficou estupefato. Geraldo aproveitou-se da disposição do homem para completar a sua vitória. Repreendeu-o, admoestou-o a abandonar o mau costume de blasfemar e concluiu com as palavras: “De hoje em diante nada mais de blasfêmias; se vos suceder no futuro desgraça semelhante a esta, lançai ao carro este meu lenço e Deus vos há de socorrer”. O cocheiro não tardou em ter ocasião de verificar a verdade dessa predição. Achando-se uma vez em apuros semelhantes àquele, disse consigo mesmo: “vamos ver se o Irmão é de fato um santo” e lançou ao carro o lenço de Geraldo que levava sempre consigo — repetiu-se o milagre de acordo com a predição do santo.

O nosso esmoleiro empreendeu de fato uma campanha gloriosa contra o pecado. Geraldo fazia, por assim dizer, caça formal aos pecadores, nada descurando para a conversão deles. A atração da sua caridade é que agia, mais que tudo, sobre os corações. Um outro fator talvez mais poderoso ainda nas conversões era a penetração que exercia sobre as consciências.
Para abrir brecha nos corações empedernidos tomava singulares posições de assalto. Encontrou-se um dia, não longe de Iliceto, com um jovem aventureiro que o fitou e examinou de alto a baixo. O traje de Geraldo era pouco recomendável; uma capa velha e remendada pendia-lhe dos ombros, a batina curta em mau estado, um chapéu velho e usado cobria-lhe a cabeça. Não admira que o moço teve dificuldade em discriminar a classe, à qual poderia pertencer o santo. A idéia, que se formou, foi de estar diante de um cigano.

Quem sabe, pensou ele, o homem poderá ser-me útil. Aproximando-se de Geraldo perguntou-lhe:
“Ser-me-á permitido acompanhá-lo? Julgo serdes um feiticeiro”.

Embora pouco lisonjeira, a apóstrofe agradou a Geraldo, que desejava aproximar-se do jovem para colocá-lo no bom caminho. Deu-lhe uma resposta evasiva; o aventureiro porém viu em suas palavras uma afirmativa e prontificou-se a servi-lo. “Se procurais algum tesouro, disse, tomai-me como auxiliar”.

 — Mas, replicou Geraldo, tendes coragem e inteligência? — “Naturalmente, afirmou o aventureiro, não sabeis quem eu sou; ouvi o que eu já tenho feito”.

O estranho pôs-se a enumerar com grande pose as suas extravagâncias; entre outras disse que há seis anos não se aproximava dos sacramentos.

“Pois bem, disse Geraldo aparentemente satisfeito, o tesouro que procura será vosso, achá-lo-emos logo”. Isso encorajou ainda mais o pecador, que continuou a relatar novos crimes, enquanto que o irmão forjava o plano de prendê-lo em sua rede.

Assim chegaram a uma espessa floresta. Geraldo entrou primeiro; o companheiro seguiu-o pensando que iria começar a escavação do tesouro.

Chega-dos ao centro disse Geraldo: “Aqui estamos” e estendeu a sua capa no chão, convidando o jovem a aproximar-se dele. Tremendo aceitou o convite e, na sua grande superstição, temeu ter que ver o demônio. Geraldo mandou-o ajoelhar-se e pôr as mãos; olhou para o céu e disse solenemente ao aventureiro: “Prometi-vos que acharíeis um tesouro e cumpro minha palavra; mas o tesouro não é deste mundo; é o tesouro do paraíso; se o quiserdes ver, aqui está”.

Tirou do peito o crucifixo. Todo perplexo o jovem pôs-se a considerá-lo; por essa não esperava ele: “Contemplai-o bem, continuou o santo, este é o tesouro que tendes perdido há tantos anos, comutando-o por coisas miseráveis do mundo”.

Com vivas cores mostrou ao pecador a miséria de sua alma, pôs-lhe ante os olhos a detestabilidade dos seus desvarios e con-jurou-o com toda a insistência a voltar-se para Deus. Não foi em vão; o aventureiro transformou-se, arrependeu-se de coração. Vendo Geraldo a transformação completa produzida por suas palavras, abraçou-o ternamente e levou-o consigo.

O convertido, entre lágrimas e soluços, acompanhou o irmão ao convento sem relutâncias. Lá acabou de encontrar o tesouro perdido. Com uma confissão sincera reconciliou-se com Deus, gozando, em seguida, a paz da graça e vivendo com o bom cristão conforme os avisos que Geraldo lhe dera.

Assim como o servo de Deus se servia das suas excursões para salvar almas da lama do pecado, da mesma forma e com o mesmo afã procurava ganhar amigos para a vida perfeita. Com grande habilidade movia virtuosas donzelas a abandonar o século para tomar o véu. A força persuasiva desenvolvida nessas ocasiões, era um dos seus mais fortes carismas. Os conventos das Carmelitas de Ripacandida, das Beneditinas de Atella e das freiras de Saragnano tiveram considerável reforço de novas religiosas devido aos esforços e zelo do nosso santo. Isto deu-se sobretudo com o convento de Foggia, que recebeu como postulantes duas filhas de Constantino Capucci, que já conhecemos, e mais doze moças pertencentes a essa família.

Deus comprazeu-se nesse zelo de Geraldo apoiando-o repetidas vezes com milagres estupendos. Conta-se, por exemplo, que diversas donzelas, de caminho para o convento, sobrevindo-lhes violenta pancada de chuva, não se molharam por se haverem protegido estendendo o manto que Geraldo lhes dera.
Coisa mais admirável ainda sucedeu às filhas de Capucci, quando da casa paterna se dirigiram ao convento de Foggia. Em companhia do pai e do santo chegaram a um rio que transbordara, tornando impossível a passagem. Geraldo não se perturbou; deu às águas a ordem que Josué deu outrora às ondas do Jordão. — Eis, as águas dividiram-se deixando os viandantes atravessar o rio a pé enxuto. O pai das duas moças, homem sóbrio e instruído, referiu-se sempre com admiração a esse acontecimento até a sua avançada idade, de sorte que não é possível duvidar razoavelmente dele.

As excursões do santo eram uma quase ininterrupta série de milagres de toda sorte. Para mencionar apenas mais um, estava Geraldo em Venosa na residência do Cônego Calvini, quando uma pobre mãe lá apareceu com um menino de pernas tortas; apresentou-lhe o filho, pedindo-lhe tivesse compaixão do pequeno e da mãe e orasse a Deus por eles. “Não é nada, disse Geraldo com sua costumada simplicidade, as pernas estão curadas”; tocou-as em seguida elas endireitaram-se instantaneamente.

Em outro lugar bateu o santo à porta de uma senhora muito pobre; pediu pão, mas a mulher alegou a sua extrema pobreza, dizendo que não tinha para si nem mais uma fatia. A pobre possuía apenas um pouco de farinha que acabava de chegar do moinho. Geraldo mostrou-se admirado com a desculpa da mulher. “Como, exclamou, não tendes nada? então a vossa caixa não está cheia de pães?” — “Está vazia, não há nem um pedaço dentro”, replicou a mulher, e para convencê-lo, conduziu-o até o lugar do depósito e mandou abri-la. Geraldo fê-lo e, ó prodígio, havia pão em grande abundância. Um grito foi a expressão de espanto e da alegria da mulher diante daquele milagre. É escusado dizer que a pobre ofereceu ao irmão daquele pão prodigioso com todo o respeito e generosidade.
Um outro milagre semelhante narra-o o Irmão Antônio de Cosimo, que sucedeu a Geraldo, muitos anos depois nos lugares onde este esmolara:
“Esmolando na Basilicata, diz ele, cheguei em Ferrentina a uma casa, onde encontrei uma velha cega por nome Lucrécia, a quem apostrofei: ‘Não quereis dar uma esmola para o convento de Iliceto?’ Querendo saber quem eu era, respondi: ‘Sou um irmão leigo de Iliceto’, ao que a cega exclamou cheia de alegria: ‘Ó Irmão Geraldo, meu caro Irmão Geraldo, permiti que vos beije as mãos’. Ao ouvir que o Irmão Geraldo já era falecido há muitos anos, começou a chorar e a soluçar: ‘Ele morreu! Geraldo morreu! Meu Deus, ele era um grande santo’.

Contou-me então que Geraldo lá chegara num ano de má colhei-ta, para esmolar. Ela porém desculpou-se dizendo não possuir mais de três alqueires de farinha, que devia chegar para o sustento da família e dos cama-radas durante a semana toda. A nova colheita estava muito longe; era-lhe por impossível dar esmolas. ‘Isso não faz mal, respondeu Geraldo, dai agora à Nossa Senhora uma esmola maior do que o costumado alqueire e vereis que a Mãe de Deus aumentará a sobra, de sorte que esta dará para o sustento da família até a próxima colheita’. — ‘Se for assim, replicou Lucrécia, tirai quanto quiserdes’. O restante da farinha, continuou a contar a mulher comovida e chorosa, deu de fato até a colheita, como Geraldo havia predito. Isso parece incrível, disse ela, mas é a realidade e eu tenho a Geraldo na conta de um verdadeiro santo, sim, é um grande santo porque do contrário não faria os milagres que fez”.
Uma outra testemunha conta: “Em toda parte onde Geraldo aparecia como esmoleiro, conquistava-se a fama de um homem de Deus, um anjo de pureza, um taumaturgo, de sorte que essa reputação e estima continuaram até depois de sua morte”.
Em conseqüência das suas excursões abriu-se ao santo um novo campo de atividade, que julgamos bom mencionar neste lugar, a saber: o seu apostola-do epistolar.

Quem uma vez travou relações com o nosso irmão, experimentou a força da sua palavra, doutrina e consolo, e sentiu o espírito de sabedoria, que o animava; continuava a querer gozar sempre essa felicidade e prosseguir essas relações com o extraordinário conhecedor do seu coração. De todos os lados Geraldo recebia cartas pedindo conselhos, consolação, esclarecimentos, sendo-lhe assim necessário pegar de uma pena para não abandonar a obra começada, deixando de lado os seus “penitentes”, como se exprime o Pe. Tannoia.

As cartas do santo são o espelho límpido da sua alma cândida e seráfica. Ortografia, estilo e concatenação de pensamentos traem o indouto irmão leigo, o conteúdo porém revela o mestre da vida espiritual. São pérolas preciosas em uma ostra informe.
A maior parte delas perdeu-se; as restantes são dirigidas, em sua maioria, às Virgens consagradas a Deus; daremos em outro lugar desta biografia o lado edificante delas. Algumas cartas, das quais só restam fragmentos, são endereçadas a homens e senhoras no século. Queremos, no fim desta capítulo, mencionar para utilidade do leitor e prova da esclarecida sabedoria e solícita caridade do santo, alguns tópicos desse singular e abençoado apostolado. Começamos com a breve mas linda carta de Geraldo a um homem desconsolado à beira do desespero; é uma admoestação à oração e à confiança na Providência divina.
“Recebi vossa prezada carta. Se fordes fiel a Deus, ele vos há de amparar. Deus sabe quanto eu sinto os vossos sofrimentos. Queira o Espírito Santo esclarecer-vos sobre o grande dever que temos de sofrer por amor d’Aquele que tanto padeceu por nós. Meu irmão em Cristo, tende paciência em vossas tribulações, pois que Deus as permite para o vosso bem; ele quer que, caindo em si, a alma se salve. Só uma coisa é necessária: suportar tudo com paciência e resignação à vontade divina; isso contribuirá para a vossa salvação. Coragem, que vencereis a tentação! Tende fé, que conseguireis tudo do meu Deus”.
Semelhantemente escreve a uma pessoa que, não havendo conseguido uma colocação, ficou extremamente desconsolada.

“Tende paciência. Não conseguistes logo o que procuráveis, porque, talvez, Nosso Senhor vos quer humilhar. Deus costuma chamar a atenção das almas por meio de sofrimentos e amarguras, para que elas compreendam o que quer dizer ofender a Deus. Nesse caso o melhor é deplorarmos, sem cessar, os nossos pecados pedindo ao Senhor que prolongue os nossos dias para termos tempo de chorar e sofrer por ele. Porque quereis desesperar? Os vossos sofrimentos nada são em comparação dos que mereceis pe-los vossos pecados. Não seria muito pior, se estivés-seis agora no inferno? Meu filho, tomai cuidado, o inimigo é astuto e se não fordes mais fiel a Deus, ele achará meios de precipitar-vos na desgraça. Enchei-vos de coragem e confiai no Senhor; ele dar-vos-á força para as vossas angústias. Há pouco recomendei-vos ao Senhor N; infelizmente ele ainda não está em condições de satisfazer o vosso desejo. Entregai todo o negócio a Deus, que vos ajudará na medida que o servirdes fielmente”.

Finalmente, mencionemos ainda a carta que Geraldo, à guisa de diretor espiritual, escreveu ao Pe. Caetano Santorelli de Caposele. Esse sacerdote pertencia à família do médico Santorelli, muito dedicada ao santo, mormente nos últimos tempos. O sacerdote dirigia-se ao santo em seus grandes escrúpulos por conhecer a sua alta competência. Geraldo respondeu-lhe a carta seguinte:

Jesus e Maria!

A graça do Espírito Santo habite constantemente na alma de V. Revma. e a SS. Virgem vos guarde. Amém.

Eu vos escrevo muito às pressas, Revmo. Senhor. Com viva satisfação recebi a vossa missiva e agradeço-vos a caridade demonstrada àquele servo de Deus. Deus vos há de pagar como espero.

Agora ouvi-me com toda a atenção. O que vos quero dizer, digo-o em nome da SS. Trindade e no de minha Mãe Maria Santíssima; fazei que seja esta a última carta que vos escrevo nesse sentido.

Quanto aos escrúpulos da vida passada, sei que tendes já examinado, mais de uma vez, a vossa consciência com todo o cuidado; por isso eu vos digo: não penseis mais nisso! Todos os vossos temores e dúvidas são apenas um ardil do espírito infernal que vos quer perturbar a paz do coração. Não ligueis  importância à suas insinuações, afugentai-as como verdadeiras tentações e conservai a paz interior para progredirdes no caminho da perfeição.

Quanto aos temores a respeito da administração do sacramento da penitência, digo-vos com toda a verdade: também isso não é nada, apenas uma tentação. O demônio quer demover-vos desse ofício, para o qual fostes destinado, desde a eternidade, para o vosso maior proveito espiritual.

 Cuidado para não cairdes nessa tentação! — falo-vos em nome de Deus. Se abandonásseis esse ofício, teríeis grande dano em vossa vida espiritual, e Deus teria de diminuir a recompensa que vos preparou desde a eternidade.

 Abandonar esse ofício seria não querer fazer a vontade divina, pois — eu vô-lo repito — é vontade de Deus que trabalheis com zelo na vinha do Senhor.

Os erros que lá cometeis não vos devem desanimar; basta que tenhais a vontade seria de nunca ofender a Deus; quanto ao resto não vos inquieteis. A respeito da ciência — Deus vô-la deu suficiente para o desempenho desse ofício.

A visita que me quereis fazer em companhia do sr. Nicolau (é provavelmente o médico Santorelli), parece-me irrealizável agora, porque, como me diz o superior, tenho de partir para Pagani. Agradeço-vos a caridade que, sem eu o merecer, tendes para comigo.

Orai por mim, pois que necessito de orações. Seja sempre bendita a bondade de Deus, que me alenta  em todas as minhas tribulações. Recomendações a todos da vossa casa.

Abraçando-vos in Cor de Jesu e beijando-vos reverentemente as mãos bem como as do sr. Nicolau, permaneço de V. Reverendíssima muito indigno e mísero servo e irmão em J. Cristo.
GERALDO MAJELLA, C.Ss.R.