Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

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Caminhada para o Céu

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Essa criança privilegiada amava tanto a oração que podia passar horas a fio a meditar.




A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA  

CAPÍTULO I  - A Infância 

Na Basilicata, província do reino de Nápoles, nas encostas dos Apeninos ostenta-se em magnífica paisagem a cidadezinha de Muro. Uma série de colinas defende-a das tempestades ásperas do Norte, enquanto que ao Sul, se estende ridente e fértil planície. Na época, de que nos ocupamos nesta biografia, contava certa de 7.000 habitantes e era sede de um bispado e residência de respeitável número de religiosos de ambos os sexos.

No decorrer dos séculos, saíram dessa encantadora cidade homens de valor, que se tornaram glória e adorno dela pelo brilho da piedade, fama de erudição e louros colhidos nos campos de batalha. Porém criança alguma lá nascida, se distinguiu tanto e em grau tão extraordinário pela santidade e poder taumaturgo como a de cuja vida queremos agora dar um resumo. Essa criança viu a luz do dia a 6 de abril de 1726, sendo batizada no mesmo dia na igreja catedral pelo arcipreste Felix Coccicone. 
O berço de Geraldo foi modestíssimo. Seus pais, o alfaiate 

Domingos Majella e Benedicta Gadella, embora ricos dos dons celestiais e acatados por todos os conterrâneos pelo brilho de acrisoladas virtudes, eram destituídos dos bens da terra; com o trabalho de suas mãos e suor de seu rosto tinham de sustentar os quatro filhos que Deus lhes dera: Brígida, Anna, Izabel e o nosso Geraldo. 

Deus porém tomou a si, com prodigalidade especial, o cuidado do menino, desde o início de sua vida, distinguindo por assim dizer com o selo de suas graças especiais e extraordinárias os primeiros movimentos e passos desse anjo terrestre. 
Todos compraziam-se em contemplar com alegria o seu rosto sempre amável e jovial. As primeiras palavras que balbuciou foram os santíssimos nomes do Redentor e de sua benditíssima Mãe, os primeiros movimentos de suas mãos foram o sinal da cruz sobre a fronte, os lábios e o peito. 
Aos quatro anos praticava os exercícios de piedade com compreensão superior a sua idade, não perdendo porém com essa precocidade o encanto de meninice. Não gostava dos brinquedos infantis; todo o seu divertimento consistia em levantar altarzinhos que adornava de flores e imagens, imitando as cerimônias da igreja. Aprazia-se em cantar hinos piedosos e em genuflectir com alegria infantil ante as imagens dos santos da Igreja. Quando conseguia obter restos de cera, a ele fornecidos por um seu parente que exercia o cargo de sacristão da catedral, fabricava velas que acendia em seu altarzinho. Às vezes reunia grupos de crianças, com as quais fazia procissões, ensinando-lhes, a seguir, orações e lindos cânticos. 
Essa criança privilegiada amava tanto a oração que podia passar horas a fio a meditar. Repetidas vezes encontraram-no a um canto da casa paterna todo absorto em Deus, alheio às coisas da terra e como que a pairar em um mundo superior. Quando se dirigia à igreja em companhia de sua mãe, permanecia silencioso, modesto e devoto — sempre de joelhos — causando a todos admiração e edificação como se fosse um anjo do paraíso. O próprio Deus amava Geraldo, que aos seis anos de idade mereceu receber do céu sinais do agrado divino. 
Nas vizinhanças da cidade de Muro acha-se a pequena igreja de Nossa Senhora de Capotignano, muito visitada pelos fieis apesar das dificuldades da estrada pedregosa que para lá conduz. A imagem venerada no altar-mor representa a Santíssima Virgem com o Menino Deus nos braços. O pequeno Geraldo teve logo conhecimento desse santuário popular e sentiu-se irresistivelmente atraído por ele. Um dia foi Geraldo sozinho até lá para desabafar o seu piedoso coração diante da Mãe de Deus e de seu Filho. 
Mal se aprofundara na oração, quando lhe pareceu que a criança e a Mãe tomavam vida sobre o altar, estendendo-lhe o Menino o braço em atitude de quem convida.

 Pouco depois, celestemente amável, e com o sorriso nos lábios, desce a brincar com ele. Após curto intervalo entrega-lhe um pãozinho fino e branco como a neve e desaparece. Geraldo satisfeito corre para casa e triunfante mostra à mãe o presente recebido. “Donde tens esse pão?” “Foi, respondeu ele, o filho duma formosa senhora que m’o deu”. A  mãe desistiu de mais perguntas supondo que Geraldo tivesse recebido o presente do filho de alguma família rica. 

A experiência feita não deixou sossegar o menino, que daquele dia em diante começou a multiplicar as suas visitas à igreja de Nossa Senhora de Capotignano como que atraído pela Criança dos braços da Virgem; e realmente foi-lhe dado ver repetidas vezes a Criança e receber de suas mãos o presente do pão. Esse fato, repetido tantas vezes, não deixou de despertar a curiosidade da mãe e das irmãs. Um dia de manhã, quando Geraldo se dirigia apressado à igreja, a mãe e a pequena Anna seguiram-no e puderam assim ser testemunhas oculares daquela cena misteriosa e encantadora. 

Ao que parece, Geraldo recebeu aquele pãozinho não só do Menino, mas também da Santíssima Virgem — ao menos ele se exprimiu mais tarde, de um modo que deixava entrever isso. Visitando com sua mãe a igreja, apontou a imagem de Maria com o Menino dizendo: “Minha mãe, eis a nobre senhora que mais vezes me deu o pão, e a Criança com a qual brinquei”. 
Semelhante graça foi concedida ao pequeno Geraldo também no jardim do arcipreste de Cillis. Estando uma vez a orar com um grupo de crianças diante de uma cruz por ele colocada, como de costume, no ramo de uma amendoeira, a copa da árvore tornou-se resplendente irradiando-se a claridade também para fora do jardim. Os outros viram apenas o esplendor da árvore, mas Geraldo contemplou, por entre a claridade, a bela Criança divina que baixou por entre os ramos e a ele se dirigiu apresentando-lhe o pão branco, delicioso ao paladar. Ao chegar em casa, como Geraldo não quisesse tomar a refeição costumada, a mãe o recriminou, mas ele explicou o caso com simplicidade dizendo: “Minha mãe, eu já comi, foi o menino que me deu o pão”. 
Ao assistir a santa Missa, via Geraldo muitas vezes o Menino Deus, nas mãos do celebrante, admirando-se sempre de o padre quebrar em pedaços e consumir a hóstia. Uma vez chegou a dizer com candura infantil ao sacerdote: “Que bela coisa fizestes... devorastes hoje uma criancinha”. 
Naquele tempo Geraldo ainda não sabia bem quem era a criança que vira tantas vezes e que o atraía com tanta força. Vinte anos mais tarde disse à sua irmã Brígida, com a simplicidade que lhe era peculiar: “Agora sei que a criança que me dava o pãozinho, na minha infância, era o Menino Jesus; naquele tempo eu supunha que fosse uma criança qualquer”. “Então, replicou Brígida gracejando, volte outra vez a Muro para visitar a Madona de Capotignano e encontrar o belo Menino”. “Não, disse Geraldo, agora já não preciso ir a Muro para encontrar a Madona e o Menino; agora os encontro em toda a parte”. 
Todos esses sinais evidentes de predileção divi-na inspiraram aos pais de Geraldo o desejo de dar esmeradíssima educação à criança que haviam recebido de Deus qual tesouro precioso e inestimável. 
Benedita, convencida que seu filho fora formado só para o céu, nada descurou para secundar o desenvolvimento dos germens da virtude em seu coração. 
Na idade de sete ou oito anos, Geraldo foi mandado à escola, onde lecionava um parente da família por nome Donato Spicci. Lá aprendeu bem depressa a ler, escrever e expressar-se com facilidade, tornando-se em breve tempo o modelo de seus condiscípulos e predileto do mestre. Spicci denominava-o “suas delícias”, e amava-o com ternura de um pai. Ao perito professor não passou despercebido o talento didático do menino, eis porque quase sempre lhe confiava o encargo de ensinar aos menores os rudimentos das ciências e de repetir com eles a lição. 
Geraldo, longe de se ensoberbecer com essas distinções, era sempre o mesmo menino simples e dócil, pronto a obedecer aos mais leve aceno de seus pais. Em virtude de sua admirável comunicação com o céu, desenvolveu-se nele, bem cedo, o desejo da mortificação do corpo e o amor aos pobres; jejuava freqüentemente a pão e água, e tomava tão pouco alimento, que todos se admiravam de ele não defi-nhar de fraqueza; às vezes passava dias inteiros em jejum completo, esquecido da alimentação. Quantas vezes não acontecia a mãe encontrar intacta a comida quando voltava do trabalho! Geraldo costumava dar aos pobres as minguadas porções e o pão que a mãe às vezes lhe preparava especialmente. Todavia jamais se recusava tomar alimento quando nesse sentido recebia ordem de seus pais; na mortificação,  como em tudo o mais, não cedia à teimosia — sinal seguro do bom espírito que o animava. Temia aborrecer a seus pais, e não descansava enquanto não reparasse o mal, caso acontecesse às vezes magoá-los contra a sua vontade e sem culpa sua. 

Que Geraldo nutria terníssimo amor para com a SS. Virgem deduz-se facilmente do que temos narrado até aqui. Já nos é sabido que o santíssimo nome de Maria foi uma das primeiras palavras nos lábios do pequeno protegido do céu. O amor à Mãe de Deus era-lhe, por assim dizer, inato, cresceu-lhe com a idade, e desenvolveu-se em ardente veneração mormente desde o dia em que a Madona de Capotignano começou a agir de modo tão atraente sobre a sua alma. A recitação do rosário e outros exercícios de devoção à Rainha do céu tornaram-se-lhe bem depressa familiares e caros; as festas de Maria, para as quais se preparava sempre por diversos exercícios de piedade e atos de mortificação, eram-lhe dias de alegria que transparecia em seu semblante a ponto de causar admiração a todos os seus. Em retorno também a SS. Virgem redobrava as provas sempre crescentes do amor para com seu fiel e dedicado servo. Já em seus mais tenros anos visitou Geraldo, pela primeira vez, Caposele, onde mais tarde, como religioso iria receber de Maria as mais assinaladas graças e onde terminaria a sua carreira. Para lá levou-o sua mãe ou qualquer outro parente em visita ao santuário, no qual Maria é venerada sob o título de Mater Domini, isto é, Mãe do Senhor. A piedosa criança lançou-se de joelhos ante a sagrada Imagem e, mal pronunciara as primeiras palavras de saudação à sua Rainha, caiu em profundo êxtase na presença dos circunstantes. 

Era como se Geraldo estivesse a contemplar a Mãe de Deus em sua formosura celestial. Seria talvez o gozo antecipado das ale-grias e consolações que Maria tem preparado para os seus servos fiéis e perseverantes? Ter-lhe-ia naquele momento garantido o seu socorro e proteção, com os quais Geraldo contou a sua vida inteira? Não o podemos saber porque o servo de Deus guardava inteira reserva sobre coisas dessa natureza a não ser que a obediência o constrangesse a falar, ou que a sua simplicidade o traísse. 
Se a SS. Virgem arrebatava o coração do nosso Geraldo nas mais vivas emoções da alegria e amor, com mais eficiência e em grau maior conseguia-o o SS. Sacramento do altar. Geraldo corria à Missa com mais avidez do que as outras crianças aos seus brin-quedos prediletos. À elevação da hóstia inclinava-se e assim permanecia por longo tempo. Quando à comunhão do sacerdote a sagrada hóstia lhe desaparecia dos olhos, prorrompia em prantos, tão grande era a saudade e avidez que tinha do alimento sagrado. Um dia, quando Geraldo contava cerca de oito anos, assistindo à missa na catedral, viu os fiéis aproximar-se da mesa santa da comunhão. Dominado do desejo de igual felicidade, levanta-se e, como que arrebatado por uma atração divina, chegou-se ao altar onde se ajoelhou ao lado dos outros para receber o pão dos anjos. O padre porém passou adiante, como se costuma fazer com as criancinhas, que, ignorantes, se colocam na mesa sagrada. Triste e banhado em lágrimas, voltou Geraldo para casa e, não podendo curtir sozinho a sua dor, narrou-a a diversas pessoas amigas e, entre outras, a uma tal Manoela Vetromile que o amava como filho e que procurou consolá-lo de sua aflição. Deus mesmo quis consolar o aflito menino. Na noite seguinte, viu Geraldo o arcanjo São Miguel por ele tão venerado, o qual lhe apresentou a sagrada partícula que o sacerdote lhe negara no dia anterior. Na manhã seguinte Geraldo narrou singela-mente o ocorrido à sua protetora Vetromile, exclamando com viva satisfação: “Ontem o padre me não quis dar a santa comunhão, esta noite o arcanjo São Miguel me alimentou com a sagrada hóstia”. 

Aos dez anos pôde Geraldo, com o consentimento do seu confessor, fazer como de costume, a sua primeira comunhão na igreja. Esse dia foi para ele de suma alegria. O seu coração inocente, santificado pelas mortificações e inflamado do amor divino, recebeu a Jesus com as melhores disposições e por isso o Hóspede divino não só o enriqueceu da plenitude de suas graças mas também lhe deu a gozar toda a doçura do alimento espiritual. Após a santa comunhão viram o pequeno Geraldo imóvel como em êxtase, deliciando-se todos na visão de seu rosto trans-figurado durante todo o tempo da longa ação de graças. Desde então permitiu-lhe seu diretor espiritual receber a comunhão de dois em dois dias. Para melhor se preparar para esse ato de piedade, costumava ele purificar-se no santo tribunal da penitência e, não querendo terminar a ação de graças sem algum sacrifício, flagelava-se, depois dela, com cordas no-dosas. 
Mais ou menos na época de sua primeira comunhão coube ao santo um daqueles golpes, que embora comuns na vida humana, causam profunda dor, como se nunca fossem esperados. A morte levou a Domingos, pai de Geraldo, deixando a família em desoladora situação. A viúva, constrangida a procurar algum emprego para o filho, afim de conseguir o pão para si e para os seus, colocou-o numa alfaiataria, onde devia aprender o ofício de seu pai e ser o esteio da família. Com isso esvaiu-se o sonho que acalentava a Geraldo, de fugir do meio do mundo e entrar em um convento, onde pudesse, desimpedidamente, entregar-se ao espírito que nele operava, porquanto não sentia gosto em levar vida afastada da casa de Deus. Obediente como era submeteu-se prontamente à vontade de sua mãe, na certeza de que Deus tudo disporia para o seu bem. 
O procedimento do santo na oficina de Martinho Pannuto — assim se chamava o mestre — foi exemplar em todo sentido. Pannuto admirava o seu aprendiz e amava-o como um filho. Geraldo aprendia com facilidade, trabalhava com aplicação mostrando-se sempre dócil e atento. Nada porém perdeu de sua vida interior e recolhimento de espírito. Enquanto suas mãos manejavam a agulha, o seu espírito concentrava-se em Deus e nas coisas divinas. Mais de uma vez deu-se o fato de ficar o trabalho parado e inter-rompido por causa dos seus arroubos celestiais. O mestre, muito piedoso, não levava a mal tais interrupções; ao contrário permitia-lhe toda a liberdade em seus exercícios de piedade, e regozijava-se em ter um santo por aprendiz. Em pouco tempo convenceu-se que pela aplicação redobrada de Geraldo ao trabalho, recuperava facilmente o tempo perdido por aquelas interrupções. Distinguia sempre a Geraldo que se mostrava pronto para o serviço e amigo da mortificação. Pannuto trabalhava muitas vezes até alta hora da noite, tendo sempre a seu lado, nessas ocasiões o fraco rapazinho, que quando o mestre abandonava a oficina, se acomodava sobre a terra nua nas noites que não podia voltar para casa. Geraldo não queria utilizar-se do leito reservado para essas eventualidades; quando Pannuto lhe chamava a atenção, respondia que para ele, aprendiz, melhor fi-cava o chão do que o leito. 

Bem outros sentimentos do que Pannuto, nutria para com Geraldo, o sócio de seu mestre. Para esse homem cruel e malvado a piedade do Servo de Deus era como um espinho na garganta e despertava em seu coração amarga aversão e ódio. Qualquer parcela de tempo, que Geraldo empregava na oração ou passava na igreja, era para ele uma diminuição de trabalho e um crime; cobria-o de injúrias taxando-o de indolente. Não ficava porém só nisso: enfurecido muitas vezes dava-lhe bofetadas e pontapés. Geraldo suportava tudo com grande paciência e dizia consigo: “Meu Deus, meu Deus, faça-se a vossa vontade”, por vezes, sedento de sofrimentos, dizia ao tira-no: “Batei, batei mais, que tendes razão para isso!” Nunca lhe passou pela idéia um pensamento de queixa, embora o pudesse fazer livremente encontrando no mestre, que o estimava, um poderoso protetor; antes, pelo contrário, procurava ocultar-lhe to-dos esses acontecimentos desagradáveis. Sucedeu uma vez entrar Pannuto no momento em que o monstro o prostara por terra com seus maus tratos. O mestre exigiu esclarecimentos sobre o ocorrido e interpelou o sócio. Não podendo este justificar-se e contando com o silêncio do aprendiz, respondeu la-conicamente que Geraldo mesmo poderia dizer o que lhe acontecera. Interrogado pelo mestre, Geraldo, cujo coração era nobre e reto, disse singelamente: “Mestre, cai da mesa”. Desta forma falando a verdade, mas não a verdade completa, satisfez ao mestre e poupou ao criminoso. Tanta generosidade não bastou para enternecer o coração de seu inimigo. Continuaram as crueldades. Mostrando-se, um vez, Geral-do contente e sorridente com uma bofetada recebida do sócio da oficina, este com fúria satânica bateu-lhe fortemente com um metro de ferro que tinha na mão. Tão veemente foi a dor, que o santo quase perdeu os sentidos; lançou-se aos pés do seu perseguidor dizendo-lhe com toda calma: “Perdôo-lhe por amor de Jesus Cristo”, e continuou o trabalho como se nada sucedera. O sorriso de Geraldo nesse mau trato não era sinal de escárnio como poderia parecer, e como de fato supôs maldosamente o inimigo do rapaz. Era efeito de uma reflexão, rara em tais ocasiões, mas digna de um santo. O próprio Geraldo achou ocasião para dar disso a devida explicação. Ao voltar uma vez de sua igreja predileta de Capotignano, foi recebido pelo sócio da oficina com injúrias desumanas; calou-se e sorriu. O sorriso irritou ainda mais o monstro: “Tu te ris, disse, hás de me dar agora mesmo a razão do teu sorriso!” “Eu me rio — respondeu Geraldo — porque é a mão de Deus que me bate”. 

Não se sabe quanto tempo duraram esses tormentos para o pobre aprendiz. Deus que queria provar o seu servo e prepará-lo para dons mais eleva-dos, fez cessar a seu tempo todos esses maus tratos. Pannuto, que bem conhecia o rancor de seu companheiro contra o aprendiz, sem todavia poder demiti-lo, chegou enfim a tomar essa resolução. Uma vez o mestre seguiu o nosso Geraldo até a igreja, para mais de perto observar o seu procedimento; esperava certamente edificar-se com o aprendiz, mas a realidade excedeu a sua expectativa e comoveu-o profundamente. Depois de haver orado longo tempo, o rapaz prostrou-se por terra, beijou o pavimento da igreja e arrastando-se de joelhos passou a língua no chão até a proximidade do altar; lá reconcentrou-se em fervorosa oração até cair em êxtase e ficar imóvel, todo absorto em Deus. Comovido até as lágrimas, Pannuto voltou para casa com a convicção inabalável de que o seu aprendiz fruía os favores extra-ordinários do céu, e não consentiu mais ter em casa o homem cruel que só tratava o amigo de Deus com o desprezo que se consagra à escoria da humanidade. 
A paciente resignação aos maus tratos do sócio da oficina, não foi o único exemplo de virtude heróica de Geraldo na casa de Pannuto. O filho deste, José Antônio, narrou, mais tarde, um outro episódio, em que a mansidão do santo rapaz se manifesta com não menor brilho e resplendor. Uma tarde, Geraldo se apressava da vinha de Pannuto, onde estivera trabalhando, para o santuário de Capotignano que não era muito distante. Ao regressar à cidade, tomou caminho através dos campos, indo parar infelizmente em uma sebe espinhosa, onde alguns passarinhos construíram seus ninhos. Um caçador de atalaia estava ansioso para lhes fazer fogo, quando as aves, assustadas pela chegada de Geraldo, levantaram o vôo. Indignado sai o caçador de seu esconderijo, avança contra Geraldo e dá-lhe uma tremenda bofetada. Embora geralmente a surpresa nesses casos faça os homens comuns perder a paciência e a mansidão, Geraldo permaneceu calmo; lembrado do conselho evangélico apresentou a outra face. O caçador enfurecido, que naquele momento não se lembrou do Evangelho, tomando aquele ato de humildade por um atrevido escárnio, enraiveceu-se ainda mais e continuou a torturar a sua vítima. Felizmente apareceu o filho de Pannuto e com explicações conseguiu tranqüilizar o caçador encolerizado. Este, reconhecendo  o seu erro encheu-se de admiração pelo rapaz e tornou-se um dos mais zelos panegiristas do virtuoso aprendiz de alfaiate.

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