Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

domingo, 28 de abril de 2013

Minha filha, tudo é sem valor, menos amar a Deus. Por isso peço-vos que vos desapegueis de todas as paixões e apegos mundanos, e vos unais intimamente a Deus.


 

A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA

 CAPÍTULO XXIV 

A cela em que se faz a vontade de Deus 

A cela, em que vamos agora entrar para assistir aos últimos combates e vitórias do santo, pode com direito ser denominada escola de paciência cristã, resignação e caridade. Geraldo foi toda a sua vida um valoroso imitador de Jesus Crucificado; nessa imitação fiel distinguiu-se ainda mais em sua última enfermidade, que suportou com calma a paz de um modo admirável.
Seus sofrimentos agravaram-se muito já nos primeiros dias. A hemoptise tornou-se sempre mais forte e repetida; admiraram-se de que ele ainda tinha sangue para perder sem exalar o último suspiro; a fronte cobria-se de suor constante, o coração pulsava com força como se quisesse saltar fora. Mandou colocar diante do leito um grande crucifixo e a imagem da SS. Virgem; à vista dessas duas fontes de força e consolo não lhe era possível desanimar. O cumprimento da vontade divina era, de então em diante, a sua única paixão, que suplantava em intensidade o ardor da febre e lhe tornou caro o sofrimento.

Uma vez apresentou-se-lhe o tentador para o perturbar e fazer vacilar, prometendo-lhe saúde e longa vida; Geraldo exclamou resoluto: “Retira-te, besta miserável; só quero a vontade de Deus; ordeno-te que me não tornes a molestar”.
Tão grande era a sua satisfação no cumprimento da vontade divina, que, não podendo contê-la, manifestava-a aos que o visitavam. Mandou afixar à porta da cela um cartaz com a inscrição em letras garrafais: “Aqui se faz o que Deus quer, como Deus quer e enquanto Deus quiser”.

Em uma visita o Pe. Cajone interrogou-o se estava resignado em tudo à vontade de Deus, ao que Geraldo respondeu: “Sim, meu padre; imagino-me que esta cama é para mim a vontade de Deus, e que estou preso à vontade divina. Creio e espero que eu e a vontade divina já somos uma só coisa”.

O mesmo dizia aos confrades que dele se compadeciam. “Estou executando a vontade divina e quero morrer para me unir a Deus”. Muitas vezes exclamava: “Sempre tenho desejado fazer a vossa santíssima vontade, ó meu Salvador!”
Esse mesmo sentimento de conformidade com a vontade divina transparece da resposta dada pelo servo de Deus a Santorelli, que lhe perguntava o que mais desejava, se viver ou morrer. “Nem viver nem morrer, disse, só quero o que Deus quer; gosto de morrer porque desejo a união com Deus, mas de outro lado não gosto porque nada ainda tenho sofrido por Jesus”.

A sinceridade dessas suas palavras, ele a demonstrou repetidas vezes em sua última enfermidade. Um dia o padre reitor encontrou-o em ânsias de morte; seu rosto estava lívido como um cadáver. Um olhar ao Crucifixo pareceu comunicar-lhe nova vida; seus traços animavam-se, suas faces cobriram-se de sangue. O reitor quis saber o movimento interior que o transformara daquela forma. Geraldo suspirando disse: “Meu Pai, grande, muito grande é o desejo que tenho de me unir a Deus”.

Como lhe era forte o desejo do sofrimento e sincera a convicção de que nada ainda havia sofrido, aspirava por vida mais longa em que mais pudesse padecer. Isso revela a oração que sempre tinha nos lábios: “Sofro, meu Deus, porque não sofro. Sofrer, ó Jesus, e não morrer!” A força para essa conformidade e heroico desejo do sofrimento, tirava-a dos seus colóquios ininterruptos com o Crucificado.

Sempre que possível, pedia que o levassem a uma cadeira em frente ao crucifixo, onde ficava a meditar uma ou duas horas na Paixão do Redentor. Os seus colóquios ardentes, muitas vezes em voz perceptível, eram extremamente edificantes: “Jesus, estou sofrendo muito, mas é por vós que por amor de mim morrestes na cruz; o sofrimento é sempre pouco quando se sofre por amor de vós” — “Ó meu Deus, morrestes por mim e eu quero morrer para vos agradar”.
Todos os visitantes enchiam-se de respeito para com o paciente sofredor. O Cônego Camilo Bozzio, um dos que mais frequentavam a sua cela, exprime-se na sua relação escrita: “Durante a sua longa e dolorosa enfermidade eu o visitava diariamente e via como, de tempo em tempo, ele se absorvia totalmente em Deus em arroubo extático; mesmo quando voltava a si não afastava de Deus o seu espírito”.

“Nunca, continua o relator, pude notar em seu exterior sinais de perturbação, nem jamais ouvi uma queixa de seus lábios; convenci-me de que ele aspirava, em seus sofrimentos, à igualdade com o Crucificado. Quer-me até parecer que, em conseqüência da união de sua alma com Deus, o corpo não padecia na proporção da violência da febre que o devorava. Ele tinha como certo que nenhuma oração é por Deus atendida tão depressa como a que se faz pedindo sofrimentos. Deus concede, dizia ele, graças úteis à salvação da alma; para que essas graças sejam devidamente apreciadas, Deus espera às vezes muito tempo até concedê-las, o que não se dá quando se implora a graça do sofrimento”.

“Não passava dia algum, diz Tannoia, sem Geraldo receber visita de sacerdotes e gentis homens das vizinhanças; todos desejavam de seus lábios uma palavra de animação e pasmavam-se diante da sua imperturbável conformidade com a vontade de Deus”.
E Geraldo, apesar da sua fraqueza, não deixava de distribuir conselhos e admoestações conforme as necessidades de cada um.
O servo de Deus entretanto não atendia só aos que o procuravam pessoalmente, mas consolava por cartas os que o não podiam visitar por qualquer motivo.
Das cartas escritas por Geraldo já no limiar da eternidade possuímos apenas uma, dirigida a Izabel Salvadore, sobrinha do arcipreste, a qual reza assim:
“Jesus e Maria!

Bendita seja a SS. Trindade e nossa querida e divina Mãe Maria Santíssima.
Mui prezada irmã em Jesus Cristo. Só Deus sabe o estado em que me acho, não obstante tomo a liberdade de vos escrever de próprio punho. Podeis disso deduzir o quanto vos ama Nosso Senhor; porém mais ainda ele vos amará, se fizerdes o que peço por vós em minhas orações.
Prezada filha. Não podeis avaliar o quanto me interesso por vós e desejo a vossa salvação eterna. O divino Salvador quer que eu me dedique de modo especial aos vossos interesses espirituais.
Amo-vos, como a todas as criaturas que Deus ama; sabei entretanto que, se alguma criatura me amasse fora de Deus, eu a detestaria em nome de Deus, porquanto as nossas afeições devem ser puríssimas; devemos amar a todos em Deus e nunca fora dele.
Mas vamos ao que importa. Eu vos digo: se fizerdes o que vos tenho pedido tantas vezes, agradareis a Deus Nosso Senhor e também a mim.
Minha filha, tudo é sem valor, menos amar a Deus. Por isso peço-vos que vos desapegueis de todas as paixões e apegos mundanos, e vos unais intimamente a Deus. A vossa principal aspiração seja: pertencer inteiramente ao Senhor. Como isso é belo; sabem-no as almas que o experimentaram; procurai, também vós, experimentá-lo, e dar-me-eis razão.
De que adianta amar o mundo, que só produz amarguras e aflições. O vosso coração pertence a Deus d’ora em diante, nada nele habite senão Deus. Se notardes que qualquer paixão nele se quer aninhar, dizei: O meu coração já me não pertence, porque o dei a meu divino Redentor; nenhum outro nele terá lugar; para longe tudo que não é de Deus. A esposa deve ser cheia de zelo pelo seu esposo divino e por isso fugir em suas ações de toda vaidade. Deve velar sobre seu coração para ser de fato o templo, a casa, a morada de Deus. Sim, é esse o nome de um coração que se consagrou inteiramente ao Senhor.
Orai por mim; mais do que nunca necessito agora de orações! O vosso muito indigno servo e irmão em Jesus Cristo.
Geraldo Majella, do SS. Redentor.
* * *
A enfermidade do irmão progredia a olhos vistos; acharam bom dar-lhe em forma solene de viático a comunhão, que recebia diariamente. Não estando o reitor em casa, o ministro, Padre Buonomano, levou ao doente o SS. Sacramento. Geraldo ergueu-se no leito e com devoção aguardou o momento da santa comunhão. Com a sagrada partícula voltou-se ao Pe. Buonomano ao santo dizendo: “Eis aqui Nosso Senhor, vosso pai e em breve o vosso juiz. Excitai a fé, meu irmão, e exprimi-lhe os sentimentos do vosso coração”.

Assim convidado Geraldo dirigiu com humildade e confiança as seguintes palavras: “Senhor, sabeis que tudo tenho feito e dito em vossa honra. Morro contente, porque espero não haver procurado coisa alguma senão a vossa honra e santíssima vontade”.
Depois da santa comunhão Geraldo pediu a seus confrades que o deixassem só; precisava entreter-se, a sós, com seu Jesus.
Na manhã seguinte, 6 de setembro, Geraldo piorou consideravelmente.
Aos outros sofrimentos sobreveio-lhe a disenteria e um suor que o enfraqueceu extremamente. Já há dias que se não alimentava porquanto não podia ingerir coisa alguma. Pensaram já em dar-lhe a extrema-unção, quando repentinamente o seu estado melhorou.

No mesmo dia chegou uma carta do Pe. Fiocchi, seu diretor espiritual, com a ordem de não mais vomitar sangue e sarar. Geraldo leu a carta e colocou-a sobre peito.
Santorelli, visitando os doentes, chegou ao leito de Geraldo, que com todo recolhimento empunhava a carta, e perguntou-lhe: “Que é isso?” — “Uma ordem do Pe. Fiocchi, respondeu Geraldo; ele quer que não mais vomite sangue”. — “Bem, bem, replicou o médico, e que tencionais fazer?” Geraldo não respondeu; volveu-se ao enfermeiro dizendo: “Irmão, por favor, tirai essa escarradeira”, dando a entender que já não queria vomitar sangue. Vendo porém Santorelli que a disenteria não cessava, disse ao santo: “Que adianta não vomitar sangue, quanto ao outro mal não tenho aviso”.

Santorelli foi ter com o Pe. Gonzilli e pediu-lhe, convencesse o Irmão Geraldo que com a ordem dada o Pe. Fiocchi não queria só meia cura, mas o restabelecimento completo. O Pe. Gonzilli foi ao doente e disse-lhe: “Irmão, é assim que cumpris ordens! e não tendes escrúpulo? o Pe. Fiocchi não quer apenas que deixeis os vômitos, mas que com saúde vos levanteis do leito”. — “Se é assim, replicou Geraldo, humildemente, quero obedecer-lhe também nisso”.

Quando à tarde Santorelli renovou a visita, o irmão recebeu-o com as palavras: “Doutor, amanhã devo levantar-me!” O médico sorriu-se. “Sim, devo levantar-me amanhã, repetiu Geraldo; se me quiserdes dar alguma coisa para comer, estou pronto a tomá-la”. Santorelli hesitou a princípio, mas por fim deu-lhe licença para se levantar. Naquele momento chegou um mensageiro de Oliveto com um cesto cheio de pêssegos, enviado pela família Salvadore. Vendo-os sobre a mesa observou o médico: “Se me prometerdes cumprir as ordens do Pe. Fiocchi, permito-vos provar alguns destes pêssegos”. — “Sim, replicou Geraldo, a obediência deve ser cumprida e Deus glorificado”, e comeu três pêssegos. Com isso o santo sentiu-se mais forte e ficou com outra aparência. A hemoptise não se renovou mais, a febre cessou e a enfermidade parecia extinta. Geraldo levantou-se com desejo de recomeçar os seus trabalhos.

Não sem temor voltou Santorelli no dia seguinte para ver o seu doente. Não o encontrando na cela perguntou por ele; Geraldo, apoiado numa bengala, passeava no jardim. O médico exclamou: “É um milagre da obediência!” O santo também estava convencido do milagre, porquanto não ignorava a proximidade da sua morte. Ele mesmo disse em confiança ao doutor: “A festa da Natividade de Maria teria sido o dia da minha morte e da minha entrada no céu; pedi porém ao Senhor que adiasse o meu falecimento para o dia seguinte por causa do grande número de romeiros que aqui afluem nessa ocasião; minha morte seria então pesada à comunidade.

A ordem do Pe. Fiocchi adiou ainda mais o desenlace”. A um conterrâneo seu, que se achava como carpinteiro em Caposele, disse o mesmo com as palavras: “Meu bom conterrâneo, o dia da minha morte seria na festa da Natividade da SS. Virgem, mas Deus acrescentou mais uns dias à minha existência”.
Nesse dia, destinado para a grande viagem, Geraldo apareceu no refeitório; supunham todos que ele haveria de recuperar novamente a saúde.
Poucos dias depois entrou na pátria celeste uma alma santa e muito cara ao servo de Deus: Maria Celeste Crostarosa, falecida em Foggia a 14 de setembro. Geraldo teve a consolação de ver a sua entrada no céu na mesma hora da morte e ficou tão comovido que não pôde ocultar o seu contentamento. Um irmão leigo, ao notar essa alegria extraordinária em Geraldo, perguntou-lhe pela causa dela: “Sabeis, irmão, disse exultando de prazer, hoje em Foggia a alma de Maria Celeste voou para o céu; foi receber a recompensa do seu amor a Jesus e Maria”.

Embora fosse grande a sua satisfação, interrompeu a narração com um suspiro que exprimia a saudade do céu, a ele por enquanto fechado. A princípio não deram crédito às palavras de Geraldo a respeito da morte de Crostarosa; notícias chegadas de Foggia confirmaram-nas integralmente.
Ainda um outro fato desse tempo mostra que Deus manifestava ao nosso santo a morte dos seus amigos distantes.

Heriberto Caifi de Oliveto, parente da família Salvadore, contratado para trabalhar no convento de Caposele, perguntou ao arcipreste se tinha recados para lá, mas não recebeu nenhum a não ser lembranças e desejos de boa viagem. No dia seguinte de manhã dirigiu-se Caifi a Caposele, onde foi recebido por Geraldo. Quis entregar-lhe as lembranças de Salvadore, quando o santo lhe disse: “Nosso bom arcipreste está de luto; seu pai acaba de falecer”. — “Não é possível, replicou Caifi, deixei o ancião em ótima saúde; ainda ontem à tarde estava alegre, sentado junto dos seus; foi ele que mais insistiu para eu não esquecer as lembranças a Caposele”.

Geraldo não mudou de parecer afirmando que “o ancião morrera repentinamente de uma síncope”. — “Então devo voltar a Oliveto para prestar-lhe as últimas honras, disse Caifi: “Sim, ide e dizei ao arcipreste que se console porque seu pai nem tocou o purgatório”. Caifi encontrou sem vida o velho Salvadore e toda a casa em luto, que se mitigou e converteu em júbilo pela afirmação do Irmão Geraldo.

A morte, afugentada pela obediência de Geraldo, não concedeu paz, mas só pequena trégua; a melhora do santo era apenas a glorificação da obediência. Geraldo exprimiu-o claramente quando alguns confrades se congratularam com ele. “Deus fez isso, disse, só para a sua glória e para mostrar o que pode a obediência; apesar disso morrerei logo e entrarei na eternidade”.
Em princípio de outubro seu rosto tornou a empalidecer-se como antes, voltou novamente a febre e o enfraquecimento do corpo provou que a antiga moléstia dele se apoderara novamente. Geraldo não se agastou com isso, pois a sede que tinha do sofrimento atingia seu auge. O desejo da identificação com Jesus, que dourara os elos da corrente de sua vida, excitou-o a pedir a graça de participar das dores internas que Jesus sentiu na hora da morte. Essa súplica heróica foi atendida, e Geraldo se afundou num mar de amarguras.

Um dia entrou Santorelli quando Geraldo, entretido com o Crucificado, suspirava em alta voz: “Senhor, auxiliai-me neste purgatório”. O doutor perguntou-lhe porque suspirava, ao que Geraldo respondeu: “Meu caro doutor, pedi ao Senhor me fizesse descontar aqui todos os meus pecados e ele atendeu-me. Sofro um verdadeiro purgatório; consola-me o pensamento de comprazer assim a Jesus Cristo”. “Sofro e suporto um verdadeiro martírio, disse-lhe em outra ocasião, sinto-me num estado tal, que não tenho força para falar”.

O mesmo expressou ao sacerdote Geraldo Gisone, que mais tarde entrou na Congregação e que fora consultar o santo a respeito da sua vocação. Ao despedir-se disse a Geraldo: “Orai por mim, porque sofro muito”. — “Ah! se soubésseis o quanto sofro — replicou o irmão; é preciso sofrer, meu caro, é preciso sofrer”. — “Mas que sofreis vós?” perguntou o sacerdote. “Acho-me, respondeu Geraldo, nas chagas de Jesus, e estas estão em mim; padeço sem cessar todos os tormentos e dores que Jesus sofreu em sua dolorosa Paixão”.
O santo porém não demonstrava impaciência nem desgosto; só poucas vezes, quando lhe perguntavam como passava, respondia que aquilo não tinha importância alguma.

E realmente todas aquelas dores ainda lhe pareciam poucas. “Sofro muito, é verdade, ó meu Jesus, mas padeço por vós que por mim morrestes na cruz. É tudo muito pouco, sim, muito pouco”. Era-lhe usual a exclamação: “Sofro, meu pai, sofro!” ou: “Oh! quanto sofro porque não sofro!” — “Irmão Geraldo, costumava perguntar-lhe o médico de manhã, sofrestes muito à noite?” Geraldo respondia sempre acanhado: “Mas eu nada sofro!” ou: “Eu sofro, porque não sofro nada”.
O que mais o incomodava era o pensamento de causar trabalho aos seus confrades.  

Santorelli mandara que, à noite, um irmão velasse para dar remédio ao doente nas horas marcadas. Ao ouvir isso Geraldo exclamou chorando: “Senhor doutor, isso é que me faz sofrer!” e repetiu essas palavras com sinais de descontentamento.
Também o fato de a comunidade fazer orações por ele, contrariava à sua humildade. “Sou um ser inútil, dizia, e não mereço tantas caridade”.
As despesas com os remédios eram-lhe como uma pedra sobre o coração. Santorelli encontrou-o muito abatido; Geraldo pediu que lhe apresentasse a soma das despesas dos remédios; ele tencionava escrever nesse sentido aos parentes a fim de aliviar um pouco a pobre casa de Caposele.

“Repeli esses pensamentos”, disse-lhe Santorelli para tranquilizá-lo. Geraldo replicou: “Meu Senhor, que vantagem tenho eu causado à Congregação e porque tantas despesas?” Essa delicadeza colocava em seus lábios palavras de gratidão; mostrava-se grato, por qualquer serviço, a seus superiores e outros irmãos.
Admiração causava também a sua indiferença a respeito dos remédios e sua assombrosa obediência ao médico e ao enfermeiro. Enfraquecido como estava não podia, ele mesmo, tomar os remédios; sempre que o irmão lhe dava, ele os recebia sem a menor repugnância. Sentia às vezes nojo ou desejo de vômito, mas procurava reprimi-los. “Meu Deus, exclamava, ajudai-me que já não tenho força”. Qualquer palavra, alusiva à obediência, movia-o a fazer o que parecia impossível e a reprimir a natural repugnância.

Em lhe faltando a voz, pedira ao Irmão Estevam Perduto lhe recitasse os atos de conformidade, caridade e contrição, que repetia em voz baixa. Esse irmão perguntou-lhe um dia, se não sentia temor ou tentações. Geraldo respondeu: “Tudo fiz pelo amor de Deus, que sempre tive diante dos olhos; procurei sempre andar em sua presença; como nunca desejei coisa alguma senão sua santa vontade, agora morro em paz”.

Provavelmente a 14 de outubro recebeu o santo a visita do abade Prospero d’Aquila de Santo André, que o médico chamara de Oliveto. O abade foi acompanhado de um rapaz do sítio, a quem prometera mostrar um santo; o pequeno entrou na cela de Geraldo com o coração a tremer. Apesar da natural curiosidade, não teve coragem de transpor os umbrais do quarto e ficou atrás da porta, de sorte que Geraldo não o podia ver. Conhecendo porém o caso por uma luz sobrenatural, mandou chamar o rapaz, que acanhado e medroso entrou no quarto e contemplou o “Santo”.

Pouco depois, tomando alento, girou os olhos pela cela e, vendo a um canto um piano, interessou-se por ele, pois que nunca vira semelhante coisa em sua vida. Geraldo mandou-o sentar-se ao piano e tocar uma peça. Enorme foi o embaraço do menino, que pediu desculpas alegando sua ignorância completa em matéria de música. Geraldo insistiu e o menino sentou-se ao instrumento, pôs no teclado os dedos rudes e rijos para dar alguma nota qualquer. Ninguém esperava outra coisa senão um conjunto horrível de notas desafinadas. Entretanto já o primeiro toque nas teclas produziu harmonioso acordo, e o menino ignorante tocou admirável e comovente sinfonia, que encheu de assombro os assistentes. Quando mais tarde perguntaram ao menino qual fora o seu sentimento na ocasião, respondeu que não sabia o que lhe acontecera, mas ao tocar nas teclas sentira uma força inexplicável que movia os seus dedos sobre o teclado. Esse instrumento foi readquirido pela família Santorelli e conservado com todo o cuidado, de sorte que em 1843 ainda se achava em perfeito estado.

A 15 de outubro, festa de Santa Teresa, as forças de Geraldo estavam já completamente esgotadas: “Meu caro doutor, disse de manhã a Sartorelli, recomendai-me à Santa Teresa e recebei por mim a santa comunhão”. Ele a recebeu como viático com a devoção e ternura de um serafim, que se abisma na essência divina. Após a comunhão pediu lhe apresentassem o corporal, sobre o qual repousara o SS. Sacramento, colocou-o sobre o peito, onde o conservou até o derradeiro suspiro, como sinal do seu amor a Jesus.

Permaneceu tranqüilo o dia inteiro; à tarde perguntou quantas horas era. “Seis”, foi a resposta. “Ainda seis horas de vida”, replicou Geraldo. Pouco depois apareceu Santorelli, que o achou muito enfraquecido mas não próximo da morte; pelo contrário, o doente parecia-lhe melhor do que de manhã; por essa razão desculpou-se quando Geraldo lhe pediu ficasse com ele, alegando diversas visitas que tinha a fazer a outros doentes.
Arrependeu-se entretanto quando, ao voltar no dia seguinte, ouviu que Geraldo falecera; compreendeu então, infelizmente tarde demais, o motivo porque Geraldo o queria conservar consigo na véspera.

Às 7 horas da tarde chegou de Oliveto um próprio com uma carta do arcipreste, que recomendava a seu santo amigo um negócio importante. Esse sacerdote, tendo resolvido levantar uma capela em honra a Nossa Senhora da Consolação, mandou construir um forno de cal que, por fraco, ameaçava ruir com consideráveis prejuízos. O arcipreste, recordando-se do contrato feito com Geraldo, enviou-lhe o próprio, pedindo-lhe recomendasse a Deus o seu negócio.
O padre ministro, que recebeu a carta, leu-a em silêncio no quarto do doente sem lhe comunicar o conteúdo. Geraldo porém, dirigindo-se ao próprio disse: “Coragem, o forno não sofrerá nada!” À leitura da carta deu a entender com movimentos de cabeça, que faria a oração desejada; mandou buscar, depois, um pouco de pó do sepulcro de Santa Teresa, deu-o ao portador com a ordem de espalhá-lo sobre o forno, afirmando novamente que ele ficaria intacto. O futuro confirmou a verdade das suas palavras.

Na medida que se aproximava a hora da dissolução Geraldo preparava-se para a chegada do Juiz eterno. Apesar da inocência batismal, que nunca manchara, parecia-lhe estar carregado de pecados e implorava com suspiros a misericórdia divina: “Ajudai a preparar-me, pedia ao irmão enfermeiro, morrerei esta noite e quero recitar o ofício dos defuntos pela minha alma”.
Poucas horas antes da morte sentou-se no leito e começou o salmo Miserere, pronunciando devotamente cada palavra. Em cada verso intercalava um ato de contrição repetindo as palavras: “Tibi soli pec-cavi et malum coram te feci: a peccato meo munda me. Pequei contra vós, Senhor, cometendo o mal em vossa presença: purificai-me do meu pecado”. Ao peso da dor suspirava e chorava. Pelas 8 horas exclamou diversas vezes: “Ó meu Deus, onde estais? fazei que eu vos veja”.

Dirigindo-se aos presentes pediu-lhes o auxiliassem a unir-se a Deus. O Irmão Carmine, percebendo a sua inquietação, perguntou-lhe se tinha alguma dúvida de consciência. “Vós me falais de inquietação?” respondeu o moribundo. “Meu caro Geraldo, disse Carmine pouco depois, sempre fomos amigos, lembrai-vos de mim quando estiverdes com Deus”. — “Como poderia eu esquecer-vos?” respondeu Geraldo.

Como o médico achava que a morte ainda não estava tão próxima, só o Irmão Xavier permaneceu com o santo depois da oração da noite feita pela comunidade.
Entre as 10 e 11 horas Geraldo pareceu perder os sentidos. Voltando a si, ficou inquieto e tímido exclamando: “Depressa, irmão, afastai de mim esse miserável! que querem esses dois?” Talvez tenham sido esses últimos sustos, com que o demônio o inquietou.
Pouco depois serenou-lhe o rosto e com alegria o santo repetiu mais vezes as palavras: “Eis a Madona! oh! veneremo-la sempre”, e ajoelhando-se na cama caiu em êxtase.

As duas últimas horas de sua vida Geraldo as passou em contínua união e colóquio com o céu. Os seus olhos permaneciam fixos no Crucificado ou na imagem de Maria; seus lábios proferiam as mais ternas jaculatórias como: Ó meu Deus, perdão, perdão! eu me arrependo!” e outra vez: “Meu Deus, quero morrer para vos agradar; quero morrer para fazer a vossa vontade”. Quando já não tinha voz, o movimento dos seus lábios mostrou que ele continuava os seus protestos de amor a Deus.

Cerca de meia hora antes da morte, pediu água. O Irmão Xavier, secundando-lhe os desejos, foi buscá-la mas demorou-se a voltar por estar fechado o refeitório, sendo preciso primeiro mandá-lo abrir. Ao voltar encontrou o santo voltado para a parede e supô-lo adormecido; porém, momentos depois, notou que ele voltara a si. Geraldo deu um profundo suspiro. Percebendo-o nas últimas, correu a despertar o ministro, que não tardou. Geraldo estava para exalar o derradeiro suspiro; enquanto o padre lhe dava a última absolvição, a santa alma desligou-se dos laços do corpo.

Era uma hora e um quarto na madrugada de 16 de outubro de 1755. Geraldo estava nos seus trinta anos de idade, e aos seis de vida religiosa.
Logo após a morte Geraldo apareceu a uma pessoa piedosa e amiga, envergando o hábito da Congregação e, pouco depois, uma segunda vez, porém em veste mais rica, resplandecente de glória. Animou-a a sofrer muito por Jesus Cristo dizendo: “Grande recompensa dá Deus pelos pequenos sofrimentos que se suportam por amor dele”.

Também ao Pe. Pedro Paulo Petrella, com quem convivera em Iliceto, apareceu Geraldo logo depois da morte, mostrando-lhe um raio da glória que gozava no céu.
O Pe. Ministro, logo que verificou a morte do irmão, despertou a comunidade, para que todos rendessem graças a Deus e à SS. Virgem por todos os favores concedidos ao finado. O sentimento geral era que Geraldo já se achava no céu. Após essa ação de graças foram todos ao quarto do santo irmão, pois queriam proceder à sangria. O Pe. Ministro tomou o braço do santo dizendo: “Irmão Geraldo, fostes sempre tão obediente, mando-vos em nome da SS. Trindade e da SS. Virgem, que nos deis uma prova da vossa santidade”. Aberta a veia jorrou sangue vivo, que apararam em vasilhas; com ele umedeceram mais tarde panos, que foram distribuídos entre os amigos e devotos do santo.
O perfume delicioso da cela de Geraldo, não cessou com a sua morte, ao contrário tornou-se mais penetrante, difundindo-se por toda a casa.

Ao amanhecer o Irmão Carmine quis dar os costumados dobres fúnebres, mas, sem saber como, pôs-se a repicar festivamente os sinos. Um padre, notando o equívoco, correu a avisá-lo, mas o irmão desculpou-se dizendo que alguma força interna a isso o constrangia. Esse sinal, compreendido pelo povo, levou ao convento imensa multidão.

A câmara ardente foi armada na igreja. “O caixão, diz Tannoia, estava assediado de pobres e ricos, leigos e coristas. Um narrava alguma predição do santo realizada literalmente, outro contava como Geraldo lhe penetrara a consciência, um outro gloriava-se de haver o servo de Deus endireitado a sua vida. Os pobres, entristecidos pela perda de seu pai, enchiam de gemidos a igreja e a casa. Não contentes com essas externações de veneração e amor, retalharam a batina do santo e cortaram-lhe os cabelos. Para o cadáver não ficar completamente despido foi necessário postar ao redor do caixão, para impedir o avanço do povo”.
Na manhã de 16 de outubro recitou-se o ofício fúnebre em presença do clero e do povo de Caposele. O Pe. Garzilli cantou a missa e o ministro fez o elogio fúnebre arrancando lágrimas aos assistentes. O cadáver ficou exposto na igreja o dia inteiro; as visitas aumentavam-se sempre, porquanto a notícia da morte de Geraldo divulgara-se rapidamente em todas as direções; de perto e de longe acorreram os amigos e veneradores, para lhe prestarem as últimas honras. Nunca se vira tanta aglomeração de povo em Caposele; com seus lenços enxugavam o suor que miraculosamente umedecia o rosto do servo de Deus; cada qual queria levar uma lembrança.

Entre outras pessoas aproximou-se também da câmara ardente uma tal Rosa Sturchio, grande veneradora de Geraldo a quem consultara em várias ocasiões. Debulhada em lágrimas pedia, de joelhos, a Geraldo lhe desse de lembrança uma relíquia qualquer; e eis, subitamente desprega-se da boca do santo um dente que lhe cai aos pés. Ninguém ousou disputar-lhe aquele presente, que a piedosa senhora conservou qual precioso tesouro.

Naturalmente grande era o desejo de transmitir à posteridade os traços fisionômicos do santo; na falta de um pintor procuraram uma pessoa que confeccionava pequenas estátuas e sabia, por meio de máscaras de cera, tirar o retrato dos cadáveres. Tiraram dois desses retratos, um para a casa e outro para a família Salvadore. Mais tarde lembraram-se de mandar fazer uma pintura do santo e entregaram a um artista a máscara existente no convento. Por mais que se esforçasse o pintor, não conseguia reproduzir a fisionomia do santo — não era possível retratar o servo de Deus. O Pe. Cajone recorreu novamente à conhecida obediência do irmão. “Meu caro Irmão Geraldo, orou ele, vedes que não conseguem tirar-vos o retrato; fazei que o consigam”. A seguir o pintor pôs-se a trabalhar, e o retrato agradou a todos. O santo acha-se lá representado tal qual foi visto em Oliveto na casa do arcipreste em arroubo extático, empunhando uma das mãos o crucifixo e a outra repousando sobre o peito.

Quanto ao exterior do santo, era de estatura alta e de compleição franzina; devido às suas contínuas mortificações era como um esqueleto coberto de pele. Seu rosto era oblongo, pálido, e durante os êxtases, rubro como a chama. A fronte alta e larga, a cabeça volumosa e por isso muitas vezes objeto de hilaridade para os seus companheiros de infância. O seu temperamento era vivo e irascível; a sua mansidão e tranqüilidade eram fruto da sua virtude. A energia física e assiduidade nos trabalhos pesados, por ele demonstrada mormente no claustro, contrastava com sua fraqueza física e parecia ser um dom do céu. Todo o seu exterior desprendia um brilho superior que comunicava ao santo dignidade e majestade.
* * *
Sexta-feira, 17 de outubro, trinta e cinco horas após o desenlace, procedeu-se ao sepultamento do santo. O Pe. Buonamano fez nova sangria da mesma forma como a primeira; tornou a jorrar sangue fresco e rubro; os membros estavam ainda flexíveis e corria o suor maravilhoso em que se molhavam lenços e outros panos.  
Na convicção fundada de que o falecido seria em breve elevado às honras dos altares, mandou Buonamano protocolar oficialmente pelo tabelião os milagres operados logo após a morte do santo. Além dos padres Buonamano e Strina e mais dez irmãos leigos, fizeram sob juramento o seu depoimento mais dez pessoas de Caposele.  

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O santo visitou-a e disse-lhe: “Isso não é nada”. A enferma estava curada, conforme constatação do médico, seu irmão. Além desse milagre relata-se ainda a cura de uma parturiente desenganada dos médicos, e um êxtase que se deu na igreja diante de todo o povo.




A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO XXIII 

Último ofício e última excursão 

O último quartel de vida do servo de Deus foi consagrado a uma obra de obediência e de caridade, a qual, por ser oposta ao temperamento tranqüilo e reconcentrado de Geraldo e contrária ao seu desejo da solidão, revelou ainda com maior brilho o seu bom espírito.

Sendo a casa de Caposele uma fundação nova, era ainda muito estreita e mal acabada e por isso impunha-se a ultimação das obras logo que para isso houvesse os necessários recursos.

Ao voltar de Nápoles a Caposele Geraldo encontrou a construção em andamento e a casa cheia de pedreiros e carpinteiros, estando o material da construção esparramado por toda parte; o dia inteiro ouvia-se o barulho e a vozeria dos operários. O santo, regressando da capital rumorosa, esperava encontrar a solidão e a paz, porém só achou ocasião para oferecer ao Senhor o sacrifício, que para ele não era pequeno.

A construção em si não era o único sacrifício que Deus exigia dele. O Pe. Cajone resolveu nomeá-lo inspetor das obras confiando-lhe o cuidado dos operários, dos carros necessários, do pagamento e de outras coisas semelhantes. Essa incumbência pouco se harmonizava com o estado da alma de Geraldo naquela época, e muito menos ainda com a sua saúde; aceitou-a, porém, com prontidão e bem depressa se adaptou ao serviço, desempenhando-o ardorosamente.

Via em tudo isso a vontade de Deus; não se contentou só com a vigilância e ordens gerais; ele mesmo pôs mão à obra; andava de um lado para outro, determinando e aconselhando conforme julgava necessário. Entre os operários era ele o primeiro a começar e o último a abandonar o serviço. Ora cavava a areia, ora inspecionava a olaria, ora percorria a vila em procura de material para a obra. Permanecia em pé dia e noite, esquecido de suas necessidades corporais e de suas dores, reprimindo o desejo e a saudade, que sentia, de meditação perante o tabernáculo.

Também aqui não faltaram milagres. Um dia o reitor achou-se em apuros por ocasião do pagamento dos operários: “Como pagaremos o pessoal, disse a Geraldo, o sábado está chegando e então?” “Ah, exclamou o inspetor das obras, fazei um requerimento a Nosso Senhor no SS. Sacramento”. O requerimento foi feito e entregue a Geraldo para o despacho. O santo foi à igreja com o papel e colocou-o sobre o altar; bateu singelamente à porta do tabernáculo dizendo:

“Querido Jesus, aqui está um requerimento nosso, despachai-o!” Para extorquir a resposta, permaneceu a noite inteira de sexta-feira para sábado na igreja em oração diante do altar e conjurava o divino Mestre auxiliasse a casa. Ao amanhecer tornou a bater no sacrário, e pouco depois ouviu o som da campainha na portaria, onde encontrou duas sacolas com dinheiro, que tirou o superior dos sérios apuros. Donato Spicci, que então se achava no convento, pediu algumas moedas desse dinheiro caído do céu e levou-as a Muro.

Até os elementos pareciam respeitar, às vezes, o zelo e a obediência do Santo. Geraldo teve uma vez de ir à vila por causa da construção. No momento da saída, formou-se medonho temporal e a chuva começou a cair a cântaros; a atmosfera estava carregada despejando raios e fazendo roncar os trovões.
Isso não impediu o santo de cumprir a ordem recebida. O Pe. Cajone, ao saber do caso, mandou um portador atrás de Geraldo com ordem de fazê-lo voltar. Mas — ó prodígio — o santo caminhava em plena estrada, enxuto no meio do aguaceiro torrencial. Não obstante Geraldo voltou, obedecendo à ordem do seu superior.

Uma outra vez achava-se o santo, a negócio, em casa da família Ilaria quando viu um peru exibindo-se vaidosamente na rua. Geraldo que sempre se elevava a Deus à vista das criaturas: como flores, pássaros e outros animais, lembrou-se da Onipotência divina à vista do peru. Cheio de santa alegria exclamou: “Vem cá, criatura de Deus, vem cá!” O peru, como se compreendesse aquelas palavras, abriu as asas e saltando aproximou-se de Geraldo, que o acariciou aos seus pés.  

Casos semelhantes deram-se repetidas vezes; as aves voavam para ele e sentavam-se em suas mãos como se tranqüilas repousassem em seus ninhos.
Uma palavra sua era bastante para amansar animais ferozes. Estava uma vez Geraldo à janela do colégio em companhia de seu antigo mestre Vito Mennona, quando pela rua passou um rapaz a cavalo; este não podendo governar o animal que se espantara, corria perigo eminente de ser cuspido da sela num barranco muito íngreme. “Está perdido” foi o grito de todos. O santo estendeu a mão para o cavaleiro com a oração: “SS. Virgem, acudi!” e voltando-se para os circunstantes disse: “Ele vai cair, mas não se machucará”. Às palavras de Geraldo o animal parou bruscamente diante do abismo, o rapaz foi ao chão mas sem lesão alguma.
Geraldo achava-se em plena atividade na construção quando o arcebispo de Conza visitou o convento, como ficou relatado no capítulo antecedente.

Para auxiliar os padres, deu-lhes 300 ducados e numa circular concitou clero e povo da diocese a auxiliarem a construção do convento de Caposele, e pediu ao Pe. Cajone que enviasse alguns dos seus religiosos às paróquias afim de arrecadarem as esmolas. O Pe. Cajone pensou logo no Irmão Geraldo, que já havia demonstrado grande habilidade para esses trabalhos delicados e todos estavam certos de que Geraldo seria um dos encarregados. A sua saúde, porém, fez o superior desistir dessa resolução; era alto o verão, o calor excessivo, e alguns lugares a ser visitados eram insalubres nessa estação do ano. Era pois de temer que o irmão já muito fraco sucumbisse ao exaustivo trabalho.

Nessa indecisão o Pe. Cajone mandou chamar o irmão e consultou-o a respeito da sua saúde. O santo respondeu com sinceridade e declarou-se pronto a executar a ordem, se esta lhe fosse dada. Sem proferir palavras, o Pe. Cajone colocou-lhe a mão sobre a cabeça dizendo interiormente. “Em nome da SS. Trindade quero que sares e vás arrecadar as esmolas”. Geraldo sorriu-se olhando para o reitor: “Porque vos rides?” perguntou. “V. Revma., respondeu Geraldo, parece não falar e fala; quereis que eu sare e vá esmolar. Pois bem, ficarei são e sairei ao peditório; sim, meu padre, eu quero obedecer a sarar”. Diante disso o Pe. Cajone deu-lhe ordem expressa de angariar as esmolas.

Geraldo esteve logo pronto e partiu, na segunda metade de julho de 1755.
Uma das primeiras paróquias por ele visitadas foi Senerchia, cuja igreja estava em construção, para a qual uma floresta vizinha devia fornecer o necessário madeiramento. Possantes castanheiras, já derrubadas, não podiam ser transportadas ao local por falta de meios. Ao ouvir do embaraço, disse o irmão:

“Não receeis, a igreja é de Nosso Senhor, e Deus providenciará para que ela seja construída”. Dito isso foi à floresta, ajoelhou-se e rezou; levantando-se da oração pediu uma corda, amarrou-a ao tronco maior, que não podia ser movido por várias juntas de bois, e exclamou: “Criatura de Deus, em nome da SS. Trindade, ordeno-te que me acompanhes”. Diante da turma admirada arrastou o tronco até o lugar da construção e com tanta facilidade como se a árvore fosse um pequeno cálamo. Em seguida concitou o povo a imitar o seu exemplo; a força misteriosa do santo comunicou-se a todos; com facilidade puxaram os outros troncos até o local da construção.

Além desse milagre relata-se ainda a cura de uma parturiente desenganada dos médicos, e um êxtase que se deu na igreja diante de todo o povo.
Senerchia conservou grata recordação do santo, venerando-o como um grande santo e invocando-o depois da sua morte, como padroeiro e protetor.
“Não há uma pessoa em Senerchia, atestou mais tarde uma senhora de lá, que não tenha escolhido o venerável irmão para protetor especial; temos o costume de acrescentar às nossas orações um Padre-Nosso e Ave-Maria em agradecimento à SS. Trindade pelos grandes dons concedidos a seu servo. Cada qual invoca-o em suas necessidades; como nossa família é possuidora de um dente do servo de Deus, todos vêm procurar, a cada passo, essa relíquia, para tocá-la em pessoas gravemente enfermas”.

De Senerchia seguiu Geraldo a Oliveto, onde se devia hospedar com o arcipreste Angelo Salvadore. O irmão participara-lhe sua chegada em uma carta que assim termina: “V. Revma. deseja conhecer este pobre pecador; Deus realizou o seu desejo”. Ao ler estas palavras ficou pasmo, porque de fato, desde há muito tempo desejava conhecer o santo, sem todavia ter comunicado a ninguém o seu desejo. Quando Geraldo chegou, abraçou o sacerdote, dizendo-lhe ao ouvido: “Lestes as últimas palavras da minha carta?” Salvadore fingiu não saber a que palavras o santo se referia e disse: “Sim, notei a expressão Vosso indigno servo e admirei-me da vossa humildade”. — “Não é isso, não”. — “Também não é isso”. — “Que então?” — Geraldo disse abertamente e sem rodeios: “Vós desejáveis vêr-me, e agora o Senhor me enviou a vós”.

Chegada a hora da refeição, Geraldo que se ausentara, não compareceu. O arcipreste dirigiu-se ao quarto do irmão, parou à porta e olhou pelo vão da fechadura. O santo estava em êxtase elevado nos ares numa altura de meio metro. Profundamente comovido retirou-se em silêncio; passado algum tempo tornou a fazer o mesmo exame e encontrou o irmão na mesma posição. Ninguém mais pensou em comer; o arcipreste contou o ocorrido aos seus, que comovidos não puderam conter as lágrimas. Quando Geraldo, voltando a si, saiu do quarto, estava todo inflamado de amor divino e dirigindo-se ao sacerdote, como se nada houvesse sucedido, disse: “Continuai no vosso sistema de vida, eu não quero ser pesado à família”.

Essa boa impressão, que o santo causou ao arcipreste Salvadore, logo no princípio, aumentou-se consideravelmente nos dias seguintes.  
O primeiro êxtase de Geraldo visto por Salvadore, excitara a piedosa curiosidade de todos os moradores da casa, tornando-se a vida do santo um estudo formal para todos da casa. Só assim foi possível descobrir o que Geraldo sempre sabia ocultar: seu jejum quase absoluto, suas vigílias que mal lhe permitiam duas horas de repouso, suas flagelações sangrentas, e outras mortificações. Tudo servia de edificação; a presença de Geraldo era para todos da casa uma pregação séria e eficaz.

Também em outras casas teve Geraldo ocasião de operar o bem, sacudindo as almas.
O padre Tannoia e outros relatam a esse respeito dois fatos que impressionavam vivamente a todos.
Um dia notou Geraldo uma grande multidão de povo agrupado em torno de um infeliz que se debatia como um louco afugentando de si os que dele se queriam aproximar. O santo chegou-se sem temor e perguntou: “Quem és?” — “Sou o demônio”, foi a resposta. “Em nome da SS. Trindade ordeno-te que deixes esta criatura”, disse o santo; com as palavras: “Sairei, mas caro me pagareis” perdeu o espírito mau todo o poder sobre o corpo do infeliz.

Uma vez viu Geraldo uma criancinha diante de uma casa e assustou-se exclamando: “Que monstro cresce em Oliveto!” Essas palavras causaram assombro, porquanto ninguém percebeu-lhes o sentido. O futuro comprovou a veracidade daquela exclamação. Michelângelo — assim se chamava a criança — mal chegado à adolescência, por seus crimes mais pareceu um demônio do que um homem. Na idade de quinze anos quis violentar sua própria irmã; repreendido pelo pai, procurou tirar-lhe a vida e chegou ao ponto de o pai ter de defender-se. Mais apressado do que o filho desfechou um tiro contra o monstro, como Geraldo denominara a criança anos antes.

De Oliveto foi Geraldo a Contursi, onde se demorou apenas um dia. Em fins de julho encontramo-lo em Auletta. Passando pela praça pública deu com um homem desconhecido e apostrofou-o: “Meu filho, como podeis viver em paz? Cometestes em tal ocasião uma culpa grave e ainda não a confessastes. Fazei-o depressa”. O pobre homem ficou assustado com a repreensão do irmão desconhecido, caiu-lhe aos pés, prometeu corrigir-se, foi ter com um sacerdote e fez a sua confissão, mudando de vida e permanecendo fiel a seus propósitos até o fim.
José Maria tinha uma filha que sofria horríveis convulsões. Geraldo achava-se uma vez na casa dele, quando a filha foi vítima desse acesso. A pedido dos pais o santo fez o sinal da cruz sobre ela e a enfermidade desapareceu para sempre.

Em outra casa de Auletta mostraram-lhe uma menina, paralítica de nascimento, a qual não podia fazer o menor movimento. A esse mal acrescia ainda extrema indigência na família. Pediram a Geraldo a recomendasse ao Senhor: “Não é nada, disse ele, a menina está boa”, chamou a pequena que, levantando-se do leito, lhe foi beijar as mãos. Foi tão grande a sensação causada que o povo gritava nas ruas: “Milagre, milagre” apontando para o santo. Aglomerando-se o povo, Geraldo ocultou-se na casa do sacerdote Abbondati; o povo porém seguiu-o gritando sempre: “O santo, onde é que está o santo”. Como o alarme não parecia querer cessar, Geraldo recorreu à fuga; pela porta de trás escapuliu-se, sem ser visto, para a vizinha vila Vietri da Potenza, onde chegou cansadíssimo por haver corrido muito.

Em Vietri encontrou-se com uma moça de má reputação, que a sorrir, pediu ao irmão uma efígie de Maria. Este deu-lha com as palavras: “Tratai de pôr em ordem os vossos negócios e recomendai-vos à SS. Virgem, porque tendes poucos dias de vida!” E de fato, a moça de aparência sadia, mal chegou em casa foi atacada de ardente febre. Felizmente lembrou-se do irmão, mandou chamar um padre, confessou-se arrependida e morreu três dias após o encontro com o santo.
De Vietri dirigiu-se Geraldo a São Gregório, onde se hospedou com o arcipreste Robertazzi, que o não conhecia. Lá, onde chegou provavelmente a 14 de agosto, esperava passar uns dias sossegado na solidão e colher talvez desprezo e zombarias. Ao entrar em seu quarto exclamou com a face em terra: “Divino Salvador, agradeço-vos o terdes-me libertado de tamanho pesar. Aqui ninguém me conhece; agradeço-vos, Senhor”. Essa libertação, porém, não durou muito. Não se esconde aquele a quem Deus quer pôr no candelabro.  

O suspiro de Geraldo em seu quarto foi ouvido pelo arcipreste, chamando-lhe a atenção para a piedade do irmão. O dia seguinte confirmou-lhe o conceito que fizera do seu hóspede. Enquanto se entretinha com Geraldo, recebeu a visita de um senhor que tomou parte na conversa. Geraldo propôs um caso de moral dizendo ao arcipreste: “Se alguém interiormente resolveu cometer um adultério e, tocado da graça, não o realizou, estará acaso obrigado a manifestar na confissão a resolução tomada, embora não a haja realizado?” O arcipreste chocou-se com aquela pergunta, intempestiva que não quadrava com o assunto da palestra, mas deu a resposta, que os teólogos costumam dar nesse caso. Pouco depois o visitante, prestes a sair, chamou o sacerdote à porta e disse-lhe admiradíssimo: “Tendes um santo em casa! O caso proposto pelo irmão deu-se comigo momentos antes; obcecado pelo demônio resolvera-me cometer o crime, mas não o cometi; eu vô-lo confesso para confusão minha e honra desse santo homem!” O arcipreste encheu-se de veneração e estima para com o santo irmão, ao reconhecer o motivo da estranha pergunta.

Até então envidara o santo todos os esforços para se desempenhar da sua difícil missão, apesar da saúde combalida, que não o auxiliava. Na residência do arcipreste de São Gregório teve uma forte hemoptise seguida de febre tão violenta, que lhe não foi possível continuar a viagem. O médico declarou sem importância a moléstia e prescreveu apenas uma sangria. Geraldo porém viu na enfermidade um mensageiro da morte. Já uns meses antes anunciara claramente a Santorelli a aproximação do fim de sua vida: “Doutor, disse jovialmente, não sabeis de certo que morrerei este ano; a tuberculose pulmonar dará conta de mim”. — “Como sabeis isso, irmão?” perguntou Santorelli. — “Pedi essa graça a Nosso Senhor, respondeu Geraldo, e ele prometeu atender-me”. — “Mas porque de tuberculose?” replicou o médico. “Porque assim morrerei mais desamparado, disse Geraldo; embora em nossa comunidade haja grande caridade para os doentes, sei que morrendo dessa moléstia, menos cuidarão de mim”.
Ainda em data anterior a essa, predissera já ao Irmão Januário Rendina a sua morte próxima; também a este declarara haver suplicado ao Senhor a graça de morrer tuberculoso.

Velozmente aproximava-se a hora em que sua oração iria ser atendida pelo céu.
Diante da declaração do médico de São Gregório, de que a sua enfermidade não era grave, Geraldo continuou o seu giro. A 22 de agosto, sexta-feira, foi a Buccino, onde no mesmo dia à tarde teve nova hemoptise; os dois médicos consultados optaram novamente pela sangria. No dia seguinte reenviaram-no a Oliveto, onde o ar menos áspero mais condizia com o seu estado de saúde. Apesar da pequena distância entre essas duas povoações, Geraldo sentiu-se extremamente enfraquecido, mormente em conseqüência das sangrias, que lhe fizeram perder muito sangue. O santo submeteu-se a essa viagem unicamente em obediência aos médicos que lhe haviam prescrito mudança de ar.

À tarde chegou à casa do seu amigo, o arcipreste Angelo Salvadore, donde comunicou ao superior a enfermidade, que o prostrara. A carta, modelo de simplicidade, calma e conformidade com a vontade de Deus, tem a data de 23 de agosto e reza assim:
“Venho participar a V. Revma. que na igreja de São Gregório fui acometido de violenta hemoptise. Um médico, a quem consultei ocultamente, notando que eu não tinha febre nem dor de cabeça, declarou repetidas vezes que o sangue vinha da garganta e não dos pulmões, assegurando-me não ter a doença gravidade alguma. Fez-me então a sangria, que muito me abateu. Ontem à tarde fui a Buccino; juntamente na hora em que me ia acomodar, sucedeu-me o mesmo que em São Gregório, quando tive acesso de tosse. Dois médicos, chamados à pressa, entre outras coisas prescreveram-me a sangria. Desta vez abriram-me as veias do pé. A segunda hemoptise não me causou mais dores do que a primeira. Também esses médicos declararam que o sangue não provinha dos pulmões, mas ordenaram-me a seguir sem tardar para Oliveto, o que fiz na manhã seguinte, isto é hoje, para assim mudar de ar e ter possibilidade de consultar o Dr. José Salvadore, que é um médico célebre. Aqui chegando não o encontrei, mas o arcipreste, seu irmão, garantiu-me que ele chegará ainda esta tarde. Peço a V. Revma., queira dizer-me o que tenho de fazer. Se quiserdes que volte logo para casa, fa-lo-ei imediatamente; se porém fordes de opinião que devo continuar a coleta, estou pronto a obedecer. Meu peito parece-me agora em melhor estado do que em Caposele; não tusso mais como antes.
Termino. Peço-vos que me deis ordem terminante, e tudo irá bem. Sinto perturbar V. Revma.; entretanto, caríssimo Pai, não vos incomodeis, isso não é nada. Recomendai-me a Deus, para que me conceda a graça de fazer sempre sua santíssima vontade e merecer o seu beneplácito”.

Essa carta, levada por um portador próprio a Caposele naquela tarde, alarmou não pouco o Pe. Cajone, que deu ordem ao irmão permanecesse, até segunda ordem, na casa de Salvadore, cuja família sentiu-se feliz de poder hospedar alguns dias o amável e modesto irmão. Para Geraldo aqueles dias foram menos de descanso do que de oração e glorificação do Eterno.

Geraldo teve ocasião de mandar um portador a um tal Lourenço de Mossi em Caposele para tratar de um negócio. O próprio ao chegar, encontrou seu pai atacado de febre em estado desesperador. O filho aproveitou o ensejo de escrever ao santo, pedindo recomendasse o seu pai enfermo à SS. Virgem. E eis — no momento em que Geraldo leu a carta de Lourenço em Oliveto, o doente restabeleceu-se em Caposele.  

O Irmão Francisco Fiore recebeu ordem de ir cuidar de Geraldo em Oliveto, mas quando lá chegou, sentiu tamanha febre que não pôde ter-se em pé nem subir ao andar onde estava o santo. O médico José Salvadore, chamado às pressas, subiu para avisar Geraldo da chegada e da desventura do recém-vindo. A notícia da doença do Irmão Francisco impressionava um tanto a Geraldo, que, contendo-se, disse ao médico: “Fazei-me o favor de dizer ao Irmão Francisco em meu nome, que por obediência sacuda a febre, se levante e venha, porque os nossos negócios estão marcados e eu não tenho tempo de tratar de um doente”. O médico sorriu diante dessa ordem escusando-se.

“Fazei o que vos disse” tornou a pedir Geraldo. Para não contradizê-lo, o médico deu ao doente o recado que lhe parecia “irrealizável”. O Irmão Francisco, ao recebê-lo, sentiu-se bom, levantou-se são e foi ter com Geraldo, que o censurou: “Que é isso, disse-lhe, nós viemos fazer a coleta e vós vos deixais prender pela febre! por obediência, mandai-a embora, e que ela não volte mais”. “Obedecerei”, respondeu o Irmão Francisco. — “Não quereis tomar-lhe o pulso, sr. doutor?” disse Geraldo dirigindo-se ao médico. A febre desaparecera completamente.
Como ele e seu irmão, o arcebispo, se mostrassem admirados, disse Geraldo: “Talvez vos estranhais disso, não é um milagre, é apenas o efeito da obediência”.
Por essa mesma ocasião a irmã de Salvadore, por nome Rosa, guardava o leito ardendo em febre.  

O santo visitou-a e disse-lhe: “Isso não é nada”. A enferma estava curada, conforme constatação do médico, seu irmão.
Diante de tantas experiências felizes o arcipreste Salvadore pôde atrever-se a recomendar ao irmão taumaturgo um doente digno de compaixão, por cuja cura muito se interessava: era o Padre Domingos Sassi que, atormentado de escrúpulos, foi tomado de profunda melancolia chegando ao ponto de levar lamentável existência devido a idéias fixas que o prostraram. O pobre alienado, encerrado em seu quarto, chorava e por ninharias prorrompia em imprecações, embora sua vida anterior tivesse sido exemplar.

Já sete anos sofria o infeliz sem poder celebrar nem receber a santa comunhão. A família, que tudo fizera para o restabelecimento do enfermo, vendo baldados os recursos médicos, recorreu ao céu. Diversas vezes fizeram-se romarias aos mais célebres santuários da Consoladora dos aflitos, porém tudo em vão. Também ao Pe. Cafaro se dirigiram e levaram o doente a Caposele, na esperança de que esse santo missionário lhe restituiria a saúde; porém também ele orou em vão durante vários dias. Deus que havia reservado ao nosso santo a cura do pobre sacerdote, inspirou aos irmãos Salvadore o recurso a Geraldo. “Que posso eu fazer!” disse o humilde irmão modestamente e, sem o arcipreste saber, foi ter diretamente com o enfermo. A primeira impressão do santo foi desfavorável. Domingos prorrompeu, como de costume, em gritos e imprecações, com o que o santo pouco se incomodou; fez-lhe sobre a fronte o sinal da cruz, e este tornou-se manso como um cordeiro. No quarto havia um piano; Geraldo mandou-o tocar e ambos cantaram juntos a ladainha de Nossa Senhora. A casa inteira acorreu ao ouvir a voz do sacerdote e rejubilou de alegria ao vê-lo de bom humor.

Domingos restabeleceu-se tão radicalmente que no dia seguinte teria já podido celebrar a santa missa, se Geraldo não tivesse julgado melhor esperar mais dois dias. Na tarde do segundo dia disse ele aos membros da família Salvadore: “Amanhã Domingos vai celebrar a missa e terei prazer em ver todos receber a santa comunhão”. Essa proposta foi aceita com satisfação geral, porquanto todos desejavam ardentemente contemplar ao altar o sacerdote que há sete anos não celebrava, e receber de suas mãos o divino Jesus.
A 28 de agosto os parentes e amigos do sacerdote reuniram-se para acompanhá-lo à igreja; faltava só Geraldo; esperaram ainda um pouco, mas como ele não chegava, foram buscá-lo no quarto; Geraldo estava ajoelhado em profunda contemplação e uma das mãos empunhava o crucifixo e a outra descansava sobre o peito; tinha o rosto pálido, os olhos semicerrados e a respiração quase imperceptível. O arcipreste, o seu irmão e vários outros contemplaram-no sem se atreverem a perturbar-lhe o recolhimento e retiraram-se em silêncio. Mais tarde voltaram novamente e o santo, terminado o êxtase, preparava-se para assistir à solenidade: “Esta noite dormi pouco, e agora de manhã fui subjugado pelo sono”, disse ele querendo desculpar a sua demora.

Entretanto reunira-se na igreja imensa multidão, desejosa de assistir à missa do sacerdote curado miraculosamente. Domingos celebrou-a com a assistência do arcipreste, edificando a todos por sua devoção e exata observância das rubricas, o que ninguém esperava devido à longa interrupção da celebração do santo sacrifício. O Irmão Geraldo e toda a família Salvadore comungaram como fora combinado.
Desde então o Pe. Domingos celebrou todos os dias regularmente a santa missa. Ao toque do sino que anunciava a celebração do santo sacrifício, diziam: “Vamos ver o milagre do Irmão Geraldo”. Para evitar a recaída, o santo — e isto é tão admirável como a própria cura — deu ao arcipreste plenos po-deres para, em seu lugar, mover o padre a celebrar a missa. Mais tarde sempre que este fazia alguma dificuldade para a celebração, bastava o arcipreste dar-lhe ordem em nome do servo de Deus, para desaparecerem todas as dúvidas.

A cura de Sassi não foi o único fato miraculoso ocorrido na casa do arcipreste Salvadore. Um belo dia o irmão deste, por nome Felippe, entrou no quarto de Geraldo para se aconselhar com ele; encontrou-o em oração diante de uma cruz, os olhos voltados para o céu e o santo elevado nos ares. Surpreendido fechou a porta e estava para se retirar quando ouviu a voz de Geraldo: “Felippe, sei o motivo da vossa vinda. Não tenhais escrúpulo disso, confiai na Providência”. Essas palavras, fruto de uma luz sobrenatural, surtiram naturalmente o efeito esperado.

Também o pequeno sobrinho do arcipreste, por nome João, ocasionou um fato maravilhoso. O pequeno, tendo caçado um passarinho, levou-o para casa radiante de alegria. O santo tomou-o nas mãos, entreteve-se um tempo com ele e por fim restituiu-lhe a liberdade sem se lembrar do descontentamento, que havia de causar ao pequeno. Ao ver os lamentos e choro da criança, Geraldo dirigiu-se à janela, por onde saíra o passarinho e disse: “Avezinha, volta porque o menino chora e lamenta a tua libertação; volta, meu passarinho”. Qual criminoso roído de remorsos, a avezinha voou para Geraldo, que a entregou ao menino.

A veneração da família Salvadore para com o santo irmão cresceu dia a dia. O amor, o respeito e a confiança porém do arcipreste foi tanta que não só o chamava “Anjo em carne humana” e o exaltava como “homem cheio de amor de Deus e dos homens”, mas esforçou-se ainda por conquistar-lhe a confiança; propôs-lhe um contrato em que ambas as partes se comprometiam ao auxílio mútuo de orações em vida e depois da morte. O santo concordou gostosamente. Conserva-se até agora esse contrato escrito, que reza textualmente:
“Em nome da SS. Trindade, da SS. Virgem e de toda a corte celeste.

O Irmão Geraldo obriga-se:  
1.º - a recomendar-me ao Senhor de modo especial em suas orações, para podermos juntos gozar um dia no céu;
2.º - auxiliar-me por meio de oração, vocal ou mental, em todas as minhas necessidades espirituais e temporais, onde quer que ele se ache;
3.º - a impetrar-me a graça de exercer santamente o meu ministério, de santificar os que me forem confiados, de me fazer fugir de todo pecado e de me purificar das minhas imperfeições;
4.º - a pedir a Deus pelo bem espiritual e temporal de minha casa, e pela paz e tranqüilidade de Oliveto, minha terra natal;
5.º - a prestar-me assistência espiritual enquanto viver e depois de entrar na eternidade;
6.º - a impetrar para meus penitentes perfeita obediência.
Eu, Angelo Salvadore, que este contrato escrevi, obrigo-me a seguir fielmente todas as inspirações da graça e a orar e mandar orar a divina Majestade pelo venerável Irmão Geraldo”.
À margem da folha acha-se a assinatura do servo de Deus. “Eu, Geraldo Majella do SS. Redentor, obrigo-me a tudo o que está escrito, em virtude da santa obediência, para o tempo e a eternidade”.
* * *

O estado de saúde de Geraldo não melhorava apesar do repouso; pelo contrário, piorava sempre  mais; à hemoptise unia-se ainda a febre, prenúncio seguro da morte próxima.
Querendo Geraldo morrer no meio dos seus confrades, despediu-se da família Salvadore, com a qual estivera oito dias, e aprontou-se para voltar a Caposele.
Antes de deixar Oliveto visitou ainda uma família que lhe era muito cara, a de Angelo Pirofalo. Na hora da despedida disse: “Olhai às vezes para a direção de Caposele! enquanto virdes na janela um pano branco, estarei vivo; quando ele desaparecer, será o sinal da minha morte”.

Oliveto dista de Caposele algumas horas de caminho, de sorte que se não pode distinguir, a olhos nus, as janelas do convento, embora situado sobre uma colina. Não obstante sucedeu o que Geraldo dissera. A família Pirofalo avistou sempre ao longe o sinal misterioso, que desapareceu com a morte de Geraldo.
O servo de Deus deixou também a essa família uma outra lembrança, que mais tarde recordou vivamente a sua grande santidade: o lenço que ficou sobre a sua cadeira. A filha de Pirofalo chamou-lhe a atenção para o objeto, querendo entregar-lh’o, mas Geraldo disse: “Deixa-o ficar, talvez te seja útil um dia”. E de fato. A moça tendo-se casado, achou-se em sério perigo por ocasião do primeiro parto, invocou todos os seus padroeiros, sem todavia obter alívio; por fim lembrou-se da relíquia, que possuía de Geraldo. Mandou-a buscar; ao contato do lenço desapareceram as dores e a criança nasceu risonha e feliz.

O Irmão Geraldo partiu de Oliveto a 31 de agosto de manhã e chegou ao meio-dia em Caposele “tão enfraquecido, diz Tannoia, que já não tinha aparência humana” — “No primeiro instante, escreveu o Pe. Cajone, tive de fazer força para conter as lágrimas”. Geraldo teve logo de guardar o leito.  
   

segunda-feira, 15 de abril de 2013

“Cada palavra de seus lábios penetrou, como uma seta, os corações inflamando-os de amor a Jesus e a Maria”.

A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA





 CAPÍTULO XXII 

Ainda alguns trabalhos apostólicos 

Muito a contra gosto o Pe. Margotta deixara partir de Nápoles o nosso santo, e por isso aguardava a primeira oportunidade para reavê-lo perto de si. Esta parecia ter chegado três meses depois, quando se podia prudentemente supor extinta a sensação causada por Geraldo em Nápoles e afastados os incômodos por ela produzidos.

Santo Afonso, que só por esse motivo afastara o santo de Nápoles, concordou com o desejo do Pe. Margotta, e deu ordem a Geral-do de se dirigir novamente à capital pelos fins de fevereiro de 1755. O Pe. Margotta foi pessoalmente buscar o irmão em Caposele e levou-o primeiro a Calitri, sua terra natal, onde tinha negócios a tratar.

Geraldo, sendo pouco conhecido em Calitri, podia lá esperar sossego e lazer para os seus exercícios de piedade e boas obras. E de fato, nos primeiros dias, tudo correu de acordo com os seus desejos. Enquanto Margotta punha em ordem os seus negócios, ele permanecia em oração diante do tabernáculo. Admiravam-lhe o recolhimento e a devoção, mas como nada supunham nele de extraordinário, não o molestaram.
Um dia porém chegou uma senhora de Bisaccia, onde o santo era conhecido. Tendo ouvido falar da chegada de Geraldo a Calitri, essa senhora, que lá tinha um parente gravemente enfermo, quis valer-se do poder taumaturgo do santo em favor dele. Os dois redentoristas hospedaram-se na casa do arcipreste Berilli. Lá foi ela perguntar pelo santo; ao ouvir que não estava em casa, esperou a sua volta.

Geraldo não tardou; a mulher caiu-lhe aos pés e conjurou-o a restituir a saúde ao enfermo. O santo ouviu-a, consolou-a e despachou-a garantindo-lhe que seu parente recuperaria a saúde.
O pessoal da casa estranhou a novidade; o pedido confiante da mulher e o procedimento do irmão eram-lhe inexplicáveis; falaram disso ao Pe. Margotta com ar de zombaria e pouco caso. “Vós vos rides, disse Margotta, porque não conheceis os carismas desse irmão”, e contou-lhes diversos episódios das virtudes e milagres da vida de Geraldo.

Essa notícia alastrou-se como fogo em Calitri, pondo fim ao descanso do santo; começaram as visitas dos pobres, aflitos e curiosos. Vendo em tudo isso o dedo de Deus, não hesitou Geraldo em fazer em Calitri o que fazia em outras cidades, exercendo da manhã até à noite todas as obras de misericórdia corporal e espiritual.

João Cioglia, excelente e estimado cirurgião, foi o primeiro a experimentar a caridade e a força taumaturga de Geraldo. Havendo ele enfermado gravemente e tendo sido desenganado pelos médicos, os parentes recorreram a Geraldo; o Pe. Margotta deu-lhe ordem de não se opor ao pedido. O santo visitou o cirurgião, fez-lhe sobre a fronte o sinal da cruz e no  mesmo instante Cioglia sentiu-se bom. As pessoas presentes assombraram-se com o milagre, mas Geraldo disse com simplicidade: “Estais vendo o que pode a obediência”.

Da mesma forma curou um outro homem, a quem Margotta o enviou expressamente, enternecido pelas lágrimas dos parentes. O resultado dessa visita de Geraldo, porém, não foi somente a cura instantânea do enfermo, mas também a resolução de fazer ele uma boa confissão e reconciliar-se com Deus.

Arcanda Rinaldi achava-se de visita na casa Berilli, onde se hospedou Geraldo, quando foi atacada de violenta enxaqueca. Vendo o chapéu do irmão em um canto do quarto, pensou: “Quero ver se esse homem é santo”; e pôs o chapéu na cabeça; as dores desapareceram como por encanto.

Devido a esse fato a família Berilli fez questão de obter algum objeto do uso do santo. Notando que os sapatos do irmão estavam já muito usados, mandaram fazer-lhe um par novo e guardaram o velho. E esses sapatos foram de grande utilidade como pre-ciosa relíquia. Um rapaz da casa atormentado por indizíveis dores intestinais sarou instantaneamente ao contato dos sapatos de Geraldo. Quando muito tempo depois voltaram as dores, o enfermo gritou: “Trazei-me depressa os sapatos de Geraldo” e também desta vez operou-se o milagre. Esses sapatos adquiriram em Calitri verdadeira celebridade, eram tidos na conta de remédio universal passando de do-ente a doente e operando, ao seu contato, curas maravilhosas. Também em Calitri Geraldo trabalhou com sucesso na salvação de muitas almas.

Uma piedosa senhora, Maria Cândida Strace, ao ouvir da santidade de Geraldo, quis ter com ele um colóquio sobre coisas espirituais; tinha enorme peso sobre o coração e não se atrevia a comunicá-lo a ninguém. Ao aproximar-se do servo de Deus perdeu a coragem e calou-se. O santo interrompeu-a com as palavras: “Como não quereis falar, eu falarei por vós”; disse-lhe tudo quanto lhe oprimia o coração e deu-lhe os necessários conselhos. Mais tarde a senhora declarou ter-lhe Geraldo manifestado coisas, que só Deus podia saber.

Mentor solícito — infelizmente sem resultado — foi o santo para um homem distinto, Nicolau Xavier Berilli, que desperdiçava o tempo nos prazeres terrenos: bons amigos, que se interessavam por sua alma, chamaram para ele a atenção de Geraldo, que lhe fez uma visita. Esforçou-se para incutir ao rico pensamentos sérios, mormente o de fazer em Caposele o santo retiro. Berilli ouviu atentamente a Geraldo, mas objetou a impossibilidade de fazer o retiro.

Apertado pelos argumentos do santo, disse enfim: “Lá irei em outubro”. — Ah, disse tristemente o irmão, quereis lá ir em outubro? não quereis mais esse mês”. E assim foi; o homem, então em perfeita saúde, foi atacado, em agosto, de violenta febre que em poucos dias o levou ao túmulo.
É escusado dizer que o convento das beneditinas de Calitri não lhe passou despercebido. O desejo que as irmãs tinham de conhecê-lo, deu motivo para uma visita, que aliás lhe foi imposta pelo Pe. Margotta. O exterior do santo causou nas monjas tanta impressão, que tiveram desejo de lhe falar com toda franqueza; sua santidade e sabedoria emprestaram tal unção às suas admoestações, repreensões e conselhos, que até os mais fracos e teimosos espíritos os receberam de boa vontade. As religiosas disseram a uma voz: “Cada palavra de seus lábios penetrou, como uma seta, os corações inflamando-os de amor a Jesus e a Maria”.

Uma noviça, aborrecida da vida solitária, andava com ideia de voltar ao mundo. Geraldo mandou chamá-la e disse-lhe algumas palavras sobre a excelência da vida religiosa, porém com tanto fogo e energia, que a moça dali saiu transformada, com a resolução firme de se tornar uma santa religiosa.
Uma outra monja, atormentada de escrúpulos, inconsolável até então, recuperou a paz depois de um colóquio com Geraldo.

Para despertar novo fervor na comunidade Geraldo, em suas palestras com as monjas, entremeava sempre avisos sobre a observância regular e recomendava-lhes com insistência a digna recepção dos sacramentos. As monjas não foram surdas às suas admoestações; só num ponto quiseram resistir-lhe. O locutório era muito mal colocado; a grade dava para o adro da igreja, o que, além de outros inconvenientes, podia facilmente ocasionar falta de respeito devido ao lugar sagrado. O santo, desaprovando aquilo, chamou a atenção da abadessa intimando-a a tomar as necessárias providências.

A abadessa observou que não podia fazer aquilo por autoridade própria necessitando da aprovação das suas subalternas. As religiosas, em suas confabulações, não chegaram a resultado nenhum. A teimosia das religiosas desagra-dou muito a Geraldo, que se queixou ao Pe. Margotta dizendo não poder compreender como uma bagatela, cujo sacrifício era tão agradável ao Senhor, podia causar tanta dificuldade.

Margotta aconselhou-o a dirigir às irmãs algumas palavras sérias a esse respeito, em uma visita após o meio-dia. Geraldo seguiu o conselho e o resultado foi que as monjas se declararam prontas a fazer cessar aquele inconveniente. Geraldo quis começar imediatamente a mudança do locutório, mas a hora já não o permitiu; ficou para o dia seguinte. Entretanto mudou-se a opinião das volúveis irmãs; no recreio da noite falou-se no assunto e surgiram tantas dificuldades, que se abandonou a resolução tomada, deixando para outra ocasião a sua realização. Geraldo viu em espírito a volubilidade das monjas e encheu-se de tristeza.

Interrogado por Margotta respondeu: “Estou inquieto por causa das religiosas”. Na manhã seguinte foi ao mosteiro, mandou chamar a abadessa e perguntou-lhe se estava em pé a resolução tomada. A abadessa respondeu com expressões vagas, traindo grande embaraço; afirmou que se não tinha objetado nada de positivo em contrário. Geraldo interrompeu-a: “Como, não se objetou nada contra? e uma irmã falou isto, outra aquilo contra, e enquanto uma apresentava um motivo a outra já se excogitava um novo. Pois bem. Não falemos mais nisso. Não quisestes ontem a mudança, nunca mais a efetuareis” e retirou-se.

Sua última palavra foi uma profecia. Mais tarde foi impossível mudar a grade por mais que nisso se pensava. Só depois da morte de todas as irmãs que não quiseram obedecer a Geraldo, é que o defeito se corrigiu.
Entretanto terminara Margotta os negócios que exigiam a sua presença na terra natal. Em fins de fevereiro (1755) ou princípios de março foi com o santo a Nápoles, onde se reproduziram os milagres e obras de caridade da primeira estada de Geraldo na capital.

Para não se repetirem as dificuldades de outrora, Geraldo procurou desviar-se das ruas mais movimentadas, tomando seu caminho pelos becos mais afastados e sossegados. Se isto tinha alguma vantagem, não deixava também de ter os seus inconvenientes.

Em um desses becos, já na primeira estada de Geraldo em Nápoles, duas prostitutas atreveram-se a perturbá-lo com zombarias e gargalhadas. Geraldo suportou tudo com paciência; mas nem a paciência do santo nem o tempo da sua ausência corrigiram o atrevimento das meretrizes. Desta vez esperaram-no à entrada da viela e fecharam-lhe o caminho postando-se diante dele. Uma empunhava um pandeiro e a outra uma guitarra. Puseram-se a dançar indecorosamente, acompanhando a dança com gestos inconvenientes. Diante disso Geraldo encheu-se de santa cólera; parou e disse em tom sério: “Não quereis acabar com isso? quereis então ver os rigores dos castigos divinos?”

Mal Geraldo pronunciara a ameaça, uma das meretrizes, como que tocada do raio, caiu por terra exclamando: “Madona, eu morro”. Sem movimentos foi ela transportada para casa por uns homens que acorreram ao ouvir o grito.
A cólera de Geraldo, sentiu-a também um vagabundo, que, contando com a compaixão do público, fingia-se de aleijado para receber esmolas; apresentava-se todos os dias com um pé embrulhado em farrapos, caminhando em muletas. Os transeuntes davam-lhe ricas esmolas. Geraldo já de há muito se afligia com aquilo porquanto detestava sumamente a hipocrisia. Aconselhou-o repetidas vezes a deixar o vício, e a trabalhar para ganhar decentemente a vida.

O malandro pouco se incomodou com os avisos recebidos e continuou o seu negócio desavergonhadamente. Geraldo perdeu a paciência; encontrando-o novamente repreendeu-o e por fim arrancou-lhe as falsas ataduras do pé. “Velhaco, se não quiseres condenar-te, cessa de enganar o próximo”. O menti-roso atemorizou-se, largou as muletas e fugiu.

Geraldo tornou-se mais cauteloso em Nápoles nesta segunda vez, quanto a seus carismas sobrenaturais, que procurava ocultar aos olhos dos homens. Estava ele entretendo-se com um seu amigo de Caposele à porta da igreja do Espírito Santo, quando duas damas dele se aproximaram: “Irmão Geraldo, disse-lhe uma banhada em lágrimas, vinde curar minha pobre filhinha”.

Por mais que Geraldo quisesse esquivar-se, não teve coração para recusar o seu pedido. Para desviar de sua pessoa as atenções do público, quis aparecer à cabeceira da criança doente, como enviado de outrem. Eis porque disse: “Irei, mas primeiro pedirei permissão”. Desde então só procedeu dessa forma, atribuindo tudo à força da obediência; assim esperava afastar de si a admiração do público.

A afluência de visitantes não foi menor do que da primeira vez. Leigos de toda as condições, sacerdotes, homens de destaque e diretores de almas foram procurar os seus conselhos.
Possuímos uma carta de Geraldo dessa data, a qual nos mostra a consideração em que era tido como conselheiro, mesmo para seus confrades e sacerdotes venerandos da Congregação. O Pe. Francisco Garzilli, homem espiritual de setenta anos de idade, sentia-se torturado de escrúpulos; recorreu a Geraldo em busca de conselho e conforto. O santo respondeu-lhe literalmente o seguinte:
“A graça de Deus encha o coração de V. Revma. e a SS. Virgem Maria vos conserve. Meu caro padre. Alegro-me pelo modo com que a Majestade Divina vos trata, e espero inabalavelmente que Deus vos dará completa vitória. Não temais. Coragem, o Senhor está convosco e não vos abandonará. Tendes dúvidas a respeito das vossas confissões. Esse temor é uma mortificação que Deus vos impõe. Afirmais que tendes motivo para temer. É claro, porque do contrário não ficaríeis angustiado.

Deus procede assim com os seus amigos e prediletos: deixa-os pensar que tudo é conseqüência de sua negligência. Se pudésseis crer que tudo isso vem de Deus, não haveria já torturas nem sofrimentos, mas tudo vos seria um paraíso neste mundo. Porém, mesmo que cometamos alguma pequena falta, lembremo-nos que também os santos não foram anjos sobre a terra. Confiai e esperai em Deus, meu caro padre, e recomendai-me, eu vô-lo peço, a Jesus Cristo e a SS. Virgem, que nos abençoem a ambos”.

A amizade do Padre Pepe, conquistada por Geraldo em Nápoles da primeira vez, não se alterou nem diminuiu; Geraldo privava sempre com esse distinto sacerdote. Prova disso temos numa carta do santo datada de 8 de março de 1755, à Sóror Maria Celeste Crostarosa em Foggia, na qual ele declara ter-se dirigido, para o bem do convento, ao Padre Pepe e conseguido considerável número de indulgências a lucrar-se pelas irmãs em diversas festas do ano.

Como recompensa da sua caridade pede o favor indicado no fim da mesma com as palavras: “Guardai esta folha, para que dela se possam servir também as que vierem depois de vós. Lembro-vos a obrigação de orardes por mim e aplicardes as indulgências também por minha alma quando eu morrer. Peço também a todas as superioras que vos sucederem, recebam uma ou outra comunhão pelo descanso de minha alma; de modo especial peço à superiora, que presidir à comunidade por ocasião da minha morte, mandar todas as irmãs oferecer por mim, durante oito dias, todas as comunhões e indulgências que puderem lucrar nesses dias. Não me esquecerei de vos recomendar ao Senhor para que sejais santas. Amém”.

Estas palavras foram consideradas pelas irmãs como um testamento do santo; recordaram-se dele no convento após a sua morte e guardaram essa carta com todo o respeito; diversas vezes usaram dela como relíquia, colocando-a sobre os enfermos. Em 1840 a Irmã Rafaela Pitasse, que sofria dores de olhos, tomou a carta do santo irmão, passou-a pelos olhos e ficou instantaneamente curada.

Também a segunda estada de Geraldo em Nápoles não foi de longa duração. Após a festa de Pentecostes, que em 1755 caiu a 18 de maio, foi Geraldo chamado de Nápoles para Caposele, para acompanhar os padres na missão de Calitri, pregada muito provavelmente de 25 de maio a 8 de junho. De acordo com essa determinação o santo deixou a capital na semana de Pentecostes e foi a Calitri.
“Operou maravilhas nessa missão, diz Tannoia, dando diariamente provas de seu dom de profecia e intuição dos corações. Levou aos confessores inúmeros pecadores convertidos e predispostos para a absolvição.
Os missionários hospedaram-se na casa da família Berilli. O irmão ocupado, um dia, na cozinha esbarrou casualmente num grande vaso com óleo, que se quebrou, derramando o azeite pelo chão. A filha da casa deu um grito e não deixou de dizer ao irmão palavras pesadas. A mãe, ouvindo aquelas palavras, foi à cozinha e censurou a menina; notificada do ocorrido correu a buscar lã para chupar o óleo derramado.

Entretanto Geraldo tomou os pedaços do vaso quebrado, e, quando a mulher voltou, estava o vaso intacto e inteiro, mais cheio de azeite do que antes. Mãe e filha assombraram-se, e Geraldo retirou-se para agradecer a Deus o tê-lo tirado do embaraço. — Momentos depois, encontraram-no no quarto, de joelhos, imóvel com os olhos erguidos para o céu.
Esse fato foi atestado por diversas pessoas da cidade e pela menina que foi testemunha ocular, e que mais tarde tomou o véu no mosteiro de Calitri.

Após a missão, provavelmente a 9 de junho, Geraldo voltou a Caposele, não para descansar, mas para se dedicar a novos trabalhos para a glória de Deus e a salvação das almas.

Não tardou a encontrar ocasião para desenvolver o seu zelo.
A 19 de junho chegou a Caposele para uns dias de descanso o arcebispo de Conza José Nicolai, grande amigo da Congregação. Em sua companhia achava-se, como secretário, um leigo, natural de Roma, homem apreciado pelo arcebispo pela habilidade nos negócios e querido em toda a sociedade por sua jovialidade; em sua presença desfaziam-se as preocupações; seus gracejos espontâneos e seu constante bom humor comunicavam vida à palestra; suas maneiras gentis e fidalgas prendiam a todos. Em Caposele conquistou logo todos os corações; também Geraldo sentiu simpatia por ele e deu-se-lhe a conhecer quanto lh’o permitia a sua grande modéstia; procurou até entrar em intimidade com ele, ouvindo suas conversas, às vezes prolongadas, rindo-se com os seus gracejos e respondendo-os com bom humor.

A amizade de Geraldo, porém, tinha um escopo especial. Iluminado por Deus viu que aquele homem aparentemente tão contente, não estava nada bem porquanto a sua consciência se achava em péssimo estado. Tratava-o com deferências para assim ganhar-lhe a confiança, pois julgava condição essencial para a conversão uma reciprocidade na amizade. E assim foi.
Um dia em que o secretário se achava excepcionalmente jovial, abraçou-o cordialmente e apertou-lhe contra o coração. Essas manifestações de carinho tiveram força misteriosa; o pecador começou a inquietar-se e a sentir remorsos de consciência; dali em diante procurou mais freqüentemente a companhia do santo depositando nele especial confiança.
Geraldo resolveu dar o passo decisivo; levou o secretário à capela doméstica e lançou-se-lhe aos pés. Obstupefato o secretário fitou o santo, sem saber o que aquilo significava. Não tardou porém a sabê-lo: “Meu amigo, começou Geraldo com voz comovida, não posso compreender a vossa alegria, vivendo vós assim na inimizade de Deus. Podeis acaso negar que sois casado e que abandonaste vossa esposa em Roma? Como podeis dar-vos como solteiro?

Como vos atreveis a iludir uma infeliz mulher?” Geraldo descobriu-lhe então toda a sua má vida, designando-lhe exatamente o tempo em que abandonara a Deus.
O pecador estava como que aniquilado diante do irmão. Caiu de joelhos, confessou sua má vida e seus crimes e pediu ao irmão o auxiliasse a voltar ao caminho da virtude.
Geraldo animou o pecador contrito à confiança em Deus e aconselhou-o a pôr imediatamente em ordem a sua consciência e a entender-se para isso com o Padre Fiocchi que se achava então em Caposele. Pálido de susto foi o secretário ter com o referido padre e contou-lhe detalhadamente como o irmão lhe descobrira toda a sua vida. “Só Deus ou o demônio, disse, poderia ter-lhe revelado o meu estado; mas como me sinto arrependido e contrito, isso não pode ser obra do demônio”.

— O Padre Fiocchi concordou com a conclusão do secretário arrependido, ouviu-o de confissão e orientou-o na reparação dos seus grandes delitos, impondo-lhe o dever imediato de procurar sua legítima esposa.
Ao entrar novamente na igreja para a santa comunhão o secretário ficou devendo mais um favor assinalado ao nosso santo. Na porta da igreja, Geraldo perguntou-lhe para onde ia: “Vou comungar”, respondeu o secretário. “Mas, replicou o irmão, esquecestes este pecado na confissão, tornai a confessar-vos e então podereis ir tranqüilo à mesa da comunhão”. O penitente obedeceu e teve depois a consolação de comungar na convicção de estar inteiramente reconciliado com Deus.

Essa transformação interior devia necessariamente manifestar-se exteriormente. Os seus sentimentos traíram-no logo em todo o seu procedimento; o homem outrora tão expansivo tornou-se sério, silencioso e reconcentrado; viram-no muitas vezes derramar lágrimas e soluçar. É escusado dizer que isso causou estranheza geral. O arcebispo que nada suspeitava, chamou-o e perguntou-lhe pela causa de tão estranha transformação. A resposta foi além de uma torrente de lágrimas a palavra da samaritana, a quem Jesus revelara os pecados ocultos: “Vinde ver o homem, que me disse tudo o que tinha feito”, confessou sinceramente ao arcebispo o estado anterior da sua alma e narrou-lhe o modo como Geraldo o arrancou às sombras da morte em que se achava, despertando em sua alma pensamentos e sentimentos, que antes desconhecia por completo.

A santidade de Geraldo não era desconhecida ao arcebispo; esse fato porém aumentou-lhe consideravelmente o respeito e veneração para com ele. Pediu que lhe contassem circunstanciadamente os prodígios de Geraldo e procurou tirar também proveito da sabedoria celeste do irmão. — Em suas palestras com o servo de Deus, não poucas vezes chorou de comoção e contentamento. Embora de natural retraído desfez-se na hora da despedida em provas manifestas de afeição ao santo, recomendando-se às suas orações. O irmão confundido com tantas atenções respondeu: “Excelência, eu preciso de toda a misericórdia divina para salvar a minha alma; peço-vos que vos lembreis de mim ao altar”.

O secretário, ao voltar à residência do arcebispo, causou estranheza geral. “Que é isso, perguntou-lhe um dia o diretor do seminário, já vos não vejo no bom humor de outrora, e não me posso explicar o motivo”. — Naturalmente, respondeu este, não sabeis o que se passou comigo em Caposele! Ah! meu amigo, não sou solteiro, como pensais, e o Irmão Geraldo pôs-me ante os olhos o estado deplorável da minha alma”. O arcebispo não o reteve mais muito tempo, enviou-o a Roma com uma carta de recomendação a Mons. Casone, seu parente.
Também lá narrou o convertido o que se dera com ele no convento dos redentoristas de Caposele, e o que o chamava a Roma; isso conquistou ao santo veneradores e admiradores também na capital do mundo católico. Além disso o manteve piedosa correspondência epistolar com o santo até a morte deste.

Em um colóquio com um cardeal de Roma relatou-lhe Mons. Casone, entre outras coisas, o ocorrido com o secretário do arcebispo de Conza. O cardeal, admirado, manifestou desejo de conhecer o Irmão Geraldo, escreveu expressamente ao arcebispo pedindo-lhe mandá-lo a Roma; mas quando a carta chegou, o santo já não estava entre os vivos.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Brilhavam os carismas extraordinários do santo irmão em luz tanto mais esplendorosa como o sol de um belo dia antes de se pôr projeta.



A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO XXI 

Os carismas celestes em seu esplendor 

A estada de Geraldo em Caposele, diz Tannoia, foi uma cadeia de milagres e magníficas virtudes. 

A vida terrestre do santo declinava-se para o seu término; sua saúde estava extremamente enfraquecida; todas as manhãs vomitava sangue, e ele, em sua extraordinária paciência, não o comunicava a ninguém. Sua vida austera e trabalhos contínuos contribuíam para a destruição do organismo. 

Em Caposele como em Iliceto Geraldo era sempre pronto a socorrer e ajudar a todos. Embora o serviço da portaria lhe tomasse quase todo o tempo, trabalhava na alfaiataria ou ajudava os outros irmãos leigos nos serviços domésticos. Diante de sua vontade férrea que não fugia das mortificações, jejuns, flagelações, vigílias e outros exercícios de penitência, seria um milagre se seu corpo fraco e doentio não caminhasse depressa para a dissolução. 

Enquanto as forças corporais diminuíam sensivelmente brilhavam os carismas extraordinários do santo irmão em luz tanto mais esplendorosa. Como o sol de um belo dia antes de se pôr projeta, os mais deslumbrantes raios sobre a terra e atrai os olhares de todos pelos esplendor purpurino de que se circunda, justamente no momento em que está para se esconder no horizonte, assim a alma de Geraldo parecia ter reservado para o último tempo os mais belos raios da sua magnificência. 

Todos os carismas celestes, que tantas vezes tivemos ocasião de admirar, mostram-se agora em redobrado esplendor, apresentando novas modalidades; a sensação do amor infinito que o Senhor concretizou no mistério do altar, o terno e filial recurso a Maria, fonte das graças, o conhecimento das verdades da fé, o poder sobre a natureza, a intuição dos corações, tudo isso encontramos, em grau eminente, no nosso santo no último período da sua vida. 

Sempre mais ardente tornou-se o seu amor ao SS. Sacramento e a ânsia de receber a santa comunhão. Mais freqüentes tornaram-se as visitas a Jesus Sacramentado e mais íntimos e ternos os seus entretenimentos com o Prisioneiro dos tabernáculos . As horas silenciosas da noite, que Geraldo gostava de passar aos degraus do altar, foram ainda mais aproveitadas, e durante o dia parecia ele disputar aos seus trabalhos momentos que pudesse empregar na visita ao SS. Sacramento. À vista da hóstia consagrada caía em êxtase, ou esquecia-se do mundo não podendo já conter os seus soluços e outras manifestações de intenso júbilo. 

Como isso perturbava a comunidade, o Pe. Cajone chamou-o à ordem. Geraldo não se desculpou; tomou a mão do reitor, colocou-a sobre o peito como que a dizer: “Vede, meu padre, se é possível outra coisa”. Cajone sentiu a forte palpitação do coração de Geraldo admirando-se de como podia ele suportar tão violentas pulsações. 

Aludindo a esse fogo interno, disse uma vez Geraldo a Santorelli: “Se estivesse no topo de uma alta montanha, incendiaria o mundo com os meus suspiros”; colocando o médico a mão sobre o coração do santo, notou que ele pulsava como se quisesse saltar fora do peito. 

Esse fenômeno manifestava-se geralmente na hora da santa missa, mormente quando fazia, a um canto, a sua ação de graças após a comunhão. Ficava como que preso na igreja, sem poder sair, dizendo entre suspiros: “Dulcíssimo Jesus, não vos separeis jamais de mim; chamais-me louco! ah! eu não o sou; vós é que o sois! Vós um Deus infinito aqui permaneceis encerrado dia e noite; e que podeis ganhar de uma tão miserável criatura? E eu, quanto não posso lucrar em vossa companhia, ó meu Redentor?” 

Aludia Geraldo nesses desabafos às palavras de Jesus, que, como outrora também agora lhe dirigira chamando-o de louco. Passando o santo, uma manhã, perto do tabernáculo sorriu alegremente, como o notou Cajone que se achava na igreja. “Porque rides assim?” perguntou-lhe o reitor. “Jesus disse-me que sou louco, respondeu o Irmão, e eu disse que ele o é ainda mais porque me ama tanto”. 

Para não prejudicar os seus trabalhos Geraldo passava, às vezes, como uma flecha diante do altar. A Santorelli que lhe perguntara o motivo porque se apressava tanto diante do Santíssimo, respondeu o santo: “Que posso eu fazer, já mais de uma vez Jesus pregou-me uma peça, tenho medo que me torne a pregar outra”. 
Santorelli teve ocasião de se convencer pessoalmente desse temor do santo. Uma vez caminhou com Geraldo pelo centro da igreja; o santo ajoelhou-se diante do Santíssimo para uma breve visita, e Santorelli afastou-se. Ainda não era este chegado à porta da igreja quando ouviu um grito penetrante. Virou-se para trás e viu Geraldo sem sentidos estendido no chão. Também outras pessoas acorreram alarmadas e rodearam o irmão. Ao voltar a si o santo sentiu-se acanhado no meio de tanta gente e cabisbaixo retirou-se. 

No dia seguinte Santorelli encontrando-se com ele no corredor da casa, sorriu; Geraldo compreendeu o sorriso e disse: “Não vos disse já, que  não se pode brincar com Jesus? Vede como ele me pegou, embora lhe tivesse dito apenas poucas palavras”. 

Com o amor do Filho cresceu também no coração do santo o amor da Mãe. Uma vez Santorelli perguntou-lhe casualmente se amava a SS. Virgem, ao que Geraldo respondeu: “Meu caro doutor, vós me afligis! mas que pergunta?” e para não manifestar a chama que ameaça abrasá-lo retirou-se depressa. 
Uma outra vez durante o recreio suscitou-se uma santa contenda entre Geraldo e o Pe. André Strina, admirado por todos por causa de sua devoção ardente para com o Menino Deus. Geraldo provocando-o disse: “Meu padre, vós não amais o Menino Jesus!”   

O Pe. Strina usando a mesma arma replicou: “E vós, irmão, não amais a Madona!” Ambos foram atacados em seu lado fraco, mas o irmão — mais sensível do que Strina, ficou como que fora de si à recordação do seu amor à SS. Virgem; tomou o Pe. Strina, abraçou-o, ergueu-o e pouco faltava para os dois se abismarem em profundo êxtase. 

A intimidade com o réu intensificava sempre mais a ciência sobrenatural de Geraldo. “Os sábios do mundo, disse Bozzio, emudeciam em sua presença e confundiam-se diante dele, que embora não fosse um douto hauria seus conhecimentos da fonte viva do Salvador e não dos pantanais da sabedoria humana. Daí compreende-se como profundos teólogos ficavam em apuros discutindo com ele. Em seus lábios os mais obscuros mistérios se aclaravam; nenhum teólogo ou cientista podia seguir-lhe os pensamentos, quando inebriado do amor divino se abismava nos mistérios do Altíssimo”. 
Semelhantemente externa-se Santorelli sobre a ciência admirável do santo. 

“Quando o Irmão Geraldo se punha a falar de coisas divinas, sabia tornar compreensíveis os mais difíceis assuntos e apresentar com clareza e precisão os mais obscuros. Em minhas palestras com ele, admirava-me vendo um pobre irmão leigo sem estudos penetrar em tão profundos mistérios e explicá-los com tanta facilidade”. 

José de Lúcia então estudante em Caposele e mais tarde arcipreste em São Fele, narra o seguinte: “Entrei em palestras teológicas com o Irmão Geraldo, e ele deu-me explicações tão claras e precisas sobre ‘Encarnação e a SS. Trindade’, que Santo Agostinho e São Tomás não poderiam dar melhores”. 

Um jovem sacerdote de Muro, que acabara de completar os seus estudos teológicos e era um tanto enfatuado, pavoneando-se dos seus próprios conhecimentos, não queria acreditar na ciência extraordinária do seu conterrâneo. Poucas perguntas do santo sobre pontos da ciência sagrada, foram bastante para colocá-lo em grandes apuros: calou-se e não pôde mais proferir palavras: “Caro conterrâneo, disse-lhe Geraldo caridosamente, estudastes, sim, a teologia, mas nem por isso sois ainda teólogo. Essa ciência só se consegue pela humildade e oração”. 

“É admirável, diz Tannoia, ter sido Geraldo um teólogo sem estudos feitos, porém mais assombroso é o fato de Geraldo poder formar teólogos, isto é, de comunicar de certo modo aos outros o  que ele mesmo possuía”. 
Um outro sacerdote de Muro, Donato Spicci, que ouvira dos lábios de Geraldo a explicação do início do Evangelho de São João, experimentou-o em sua própria pessoa. Viu um dia sobre a mesa de Geraldo a biografia da venerável Irmã Maria Crucifixa a quem Geraldo muito venerava. Donato abriu o livro e achou o capítulo que trata da “solidão no Calvário”. Leu o título em voz alta; Geraldo interrompeu-o dizendo: “Isso não é para vós” e a sorrir continuou: “Sois teólogo mas não compreendeis o sentido dessas palavras”. E de fato, por mais que o sacerdote refletisse não atinou com o sentido delas. Depois de uma breve pausa exclamou: “Mas este livro não está escrito em francês nem em hebraico; quem tiver um pouco de inteligência deve compreendê-lo forçosamente!” — Bem, lede-o, replicou o santo, e explicai-me o que a santa quis dizer. “Donato leu e releu muitas vezes o trecho; pretendendo comentá-lo gaguejou e pronunciou palavras sem sentido. 

Santorelli, que se achava presente, não pôde conter o riso. Donato, todo enfiado, mostrou-se ofendido com isso. Geraldo disse-lhe com bom humor: “Caro Donato, não se esforce mais”, fez-lhe sobre a fronte o sinal da cruz e continuou: “Lede agora, que compreendereis e podereis explicar tudo”. Donato não teve mais dificuldade na explicação do texto. 

Coisa semelhante sucedeu a um outro sacerdote fidedigno a respeito de diversas passagens em um livro do venerável Palafox. Comunicando a Geraldo essa dificuldade, o irmão fez-lhe sobre a fronte o sinal da cruz dizendo: “Em nome da SS. Trindade, le-de”. A força intelectual do sacerdote elevou-se, e ele compreendeu perfeitamente o que antes lhe parecia incompreensível, e com facilidade e prontidão pôde explicá-lo também aos outros. 
A intuição dos corações, da qual já temos tido ocasião de falar muitas vezes nesta biografia, não cessou neste último período da vida do santo. 

Estava uma moça para deixar a igreja após a santa comunhão, quando Geraldo a chamou e lhe perguntou: “Porque é que viestes aqui?” — Para confessar-me! — “Sim, mas não vos confessastes bem”, e a seguir mencionou-lhe os pecados que ocultara, por vergonha, na confissão. A moça atônita e contrita, fez logo uma sincera e detalhada confissão. 

Diversos homens de Castelgrande foram a Caposele para os exercícios espirituais, entre eles um tal Francisco Mugnone. Em um passeio no jardim do convento encontrou-se com Geraldo que, fitando-o seriamente, lhe disse: “Francisco, fizestes uma boa confissão?” Ao receber resposta afirmativa o santo replicou: “Não é verdade, a vossa confissão não foi boa; vede quem está atrás”. Mugnone voltou-se e viu o demônio. O seu susto foi salutar, renovou sua confissão e recebeu dignamente a santa comunhão. 

Uma infeliz mulher conseguiu enganar diversos sacerdotes fingindo-se possessa, para mais facilmente ser por eles auxiliada. Há mais de seis semanas esforçavam-se para expulsar um demônio, que lá não estava. Geraldo, ao ouvir o caso, afirmou não haver lá caso de possessão; ao encontrar-se com a tal possessa chamou-a à parte e disse-lhe: “Essa história vós a fazeis por este e aquele motivo, mas eu vos digo: Deixai essas brincadeiras, porque do contrário vos hei de desmascarar”. Desse momento em diante cessou a possessão e a culpada corrigiu-se completamente. 

A admirável visão do santo ao longe, demonstra-a o fato seguinte: Uma rica senhora, Cândida Fungaroli, era-lhe muito afeiçoada e Geraldo podia, sem temer escândalos, comunicar-lhe seus pequenos desejos. Pediu-lhe umas peças de seda branca para a confecção de um mantozinho para o cibório. Cândida prometeu-lhas, procurou-as mas não sendo possível encontrá-las resolveu cortar o seu vestido de núpcias, que não pretendia mais usar. No dia seguinte, encontrando-se Geraldo com ela disse-lhe, sem pre-âmbulos, que não precisava cortar o vestido, mas que continuasse a procurar. 

Cândida ficou surpreendida, porque não havia comunicado a ninguém o seu intento. Chegando em casa, tornou a procurar e encontrou de fato o que antes procurara em vão. Quando Geraldo apresentou o pano ao superior, este julgando-o suficiente para dois mantozinhos, mandou a Geraldo que os confeccionasse. Obediente em tudo o santo quis executar a ordem, mas convenceu-se logo que o pano não bastava para as duas peças. Foi comunicá-lo ao reitor: “Não há remédio disse este, é preciso fazer dois, experimentai outra vez”. 

Geraldo voltou à oficina e pôs-se ao trabalho. Mediu novamente o pano, porém em vão; dava apenas para um mantozinho. Geraldo aconselhou-se com um amigo, que examinou o pano e chegou a mesma conclusão de Geraldo, exclamando por fim: “Ninguém está obrigado a fazer o impossível”. Geraldo porém não se satisfez com isso. “Quanto a mim, disse, devo obedecer e sem demora; em se tratando de uma coisa de Nosso Senhor, é ele que deve auxiliar”. Dito isto ajoelhou-se, ergueu os olhos ao céu e rezou. Depois, tomando a tesoura em uma das mãos e a medida na outra, começou a cortar o pano. O resultado foi que Geraldo fez o impossível, obteve quatro partes iguais, tendo cada uma o seu desenho como se tivesse sido cortada do centro de uma peça. 

O dom dos milagres, que se provou nesse caso, tornou-se mais freqüente e assombroso nos seus últimos dias. Mencionemos apenas alguns. 
Um estranho hospedou-se, de passagem, no convento, onde foi atacado de violenta dor ciática. Aflito por causa da ausência dos seus parentes naquela ocasião, cobriu-se de tristeza chegando a chorar de dor. Ao ouvir do ocorrido correu Geraldo em visita ao enfermo. Animou-o à confiança na SS. Virgem e fez-lhe o sinal da cruz. No mesmo momento cessaram as dores. O homem curado, tomado de intenso júbilo e de gratidão para com Deus e seu servo, desejou ansiosamente que passasse depressa a noite, cujas horas lhe pareciam séculos, para narrar à comunidade o que lhe sucedera. 

Uma outra cura foi por Geraldo, se não completamente realizada, ao menos iniciada e, por assim dizer, garantida. Um operário de Muro por nome Alexandre Fafilli tinha um filho de dez anos atacado de escrófulas, contra as quais se mostraram impotentes todos os recursos humanos. O pai, como último re-curso, resolveu dirigir-se a Deus, prometendo fazer com o menino uma romaria a Nossa Senhora de Monte Vergine. De caminho passou por Caposele, onde visitou o santo e lhe apresentou o menino enfermo. Geraldo compadecido molhou de saliva o dedo e tocou a garganta do pequeno, com o que imediatamente se diminuíram as dores. “Ide, disse Geraldo, fazei a romaria, que a Madona vos concederá a graça desejada”. E assim foi, porque o menino voltou são para casa. 

Favor mais assinalado ainda prestou Geraldo a um tal Januário de Liguori. Gravemente enfermo, havia este perdido os sentidos e esperava já à última hora. Isso e mais ainda a circunstância de que Januário há muitos anos não recebia a santa comunhão, encheu de aflição a todos os parentes. Chamaram Geraldo pedindo restituísse ao enfermo, com suas orações, o uso dos sentidos, ao menos uns instantes para ele fazer a sua confissão. Geraldo, acorrendo sem demora, inclinou-se rezando sobre ele e roçou sua face sobre a do moribundo nos seus estertores. Januário abriu os olhos em perfeito estado de espírito na presença dos parentes e do médico Santorelli; confessou-se, comungou, recebeu a extrema unção, vindo a falecer com resignação cristã alguns dias depois. 

Ainda mais notável é o seguinte. Rosa Marolda, parente do arcipreste Marolda de Muro, cegara em conseqüência de uma enfermidade. De nada valeram os medicamentos empregados. Como a enferma tinha grande confiança em seu santo conterrâneo, pediu ao Pe. Donato Spicci que, ao voltar do retiro em Caposele, lhe levasse qualquer objeto pertencente a Geraldo. O sacerdote, ao despedir-se do santo, deu o recado, pedindo-lhe que satisfizesse o desejo de Rosa. Geraldo opôs-se a princípio dizendo que Deus queria santificar a enferma que se devia conformar. 

Mas Spicci não se deu por satisfeito e instou com o santo, que permaneceu inabalável em sua negação declarando que Deus não queria a cura imediata da enferma, a quem bastavam as consolações hauridas da Paixão de Jesus. “Não deixarei a casa enquanto não me derdes alguma coisa para ela” replicou Spicci pedindo sempre. Geraldo foi à cela, tirou uma garrafinha d’água e entregou-a ao padre dizendo: “Dai-lhe isto, mas que ninguém fique sabendo”. Donato cumpriu a ordem recebida. A cega sentiu melhoras já na primeira vez que banhou os olhos com a água, oito dias depois estava completamente curada. As pessoas, que ignoravam o remédio do santo, admiraram-se da perícia do médico. Rosa porém, que bem sabia quem a havia curado, exclamou: “Dê-se glória a Deus que me concedeu esse favor”. 

No meio de tantos carismas e portentos Geraldo permaneceu humilde, sem alterar a modesta opinião que tinha das suas virtudes e capacidades; confundia-se com os favores do céu, e sentia-se torturado com as distinções humanas; ocultava-se sempre que percebia sombra delas. 

Os senhores de Filippi em Serino ardiam em desejo de conhecê-lo. Sabendo disso Geraldo, indo a Serino, procurou evitar qualquer encontro com eles, indo hospedar-se no hotel. Quando esses senhores, amigos da Congregação, souberam que havia no hotel um irmão leigo redentorista, mandaram-no buscar e assim, sem o esperar, viram a quem tanto desejavam. Geraldo porém não se traiu; portou-se de tal forma que os senhores de Filippis ficaram conhecendo o servo de Deus sem o reconhecerem. 

Em sua grande humildade o santo invejava os pobres; desprezados do mundo e por ele maltratados, parecia-lhe estarem mais perto de Jesus Cristo. 
Observou um dia um pobre estafeta todo ensopado e coberto de lama: “Como eu seria feliz, exclamou, se tudo me faltasse e eu fosse como este pobrezinho, que por causa de um pedaço de pão tem de sofrer o desprezo do mundo, e eu — e eu...” Não pôde terminar a frase e prorrompeu em soluços. 

Geraldo desejava ardentemente fugir das honrarias e distinções humanas e viver e completa solidão. Os confrades ouviram-no queixar-se um dia: “Ó Senhor, operais tantas coisas em mim e logo as manifestais a todos; porque não as conservais ocultas?” “Meu Senhor, exclamou em outra ocasião, quem sou eu para vos manifestardes em mim? basta-me a vossa vontade em tudo”. — “Ó vontade divina, acrescentou, ó vontade divina! oh! quanto é feliz quem não deseja senão a vós!”