Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Alegrai-vos pois e oferecei-vos a Deus sem reserva, e ele vos ajudará, quem senão Deus vos poderá dar paz?


A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA


CAPÍTULO XVI 

Conselhos espirituais 

Logo após a eleição da nova priora em Ripacandida teve o santo oportunidade de discorrer, por escrito, sobre as obrigações de uma superiora e expressar suas opiniões a respeito, em uma carta, que infelizmente só nos foi transmitida em parte. Maria Michaela pedira-lhe alguns avisos que lhe servissem de orientação e bússola espiritual no cargo de priora. O santo não hesitou em executar esse humilde desejo e escreveu um longo tratado sobre as obrigações da superiora de uma comunidade, cujo teor damos, a seguir, em fiel tradução. 

“Reverenda Madre 
Por amor de Jesus e Maria desculpai-me a demora em cumprir o meu dever, enviando-vos esta Regra com tanto atraso; a minha indolência habitual foi causa desta delonga. Faça-se a vontade de Deus! Desculpai-me também a pressa com que escrevo. 
Ocupando a priora o lugar de Deus, deve desempenhar seu cargo com toda a exatidão se quiser agradar Àquele, cujas vezes faz. Com a maior prudência deve orientar-se em tudo pelo espírito de Jesus Cristo. Munida de todas as virtudes deve dar o melhor exemplo não servindo de escândalo às suas filhas. Seu coração seja um vaso puro, repleto de bálsamo da virtude que se comunique às filhas para crescerem, como a mãe, em perfeição e santidade. 

A superiora não perca jamais de vista a sua insuficiência, lembrando-se, de que de si mesma só poderá produzir o mal. Para o cargo que desempenha foi Deus quem a elevou, pois que muitas são as que poderiam desempenhá-lo tão bem ou até melhor do que ela. À vista das suas imperfeições humilhe-se sempre e compadeça-se das faltas alheias. Cumpra por amor de Deus os deveres de seu cargo não o detestando como um peso, que Deus não impõe a ninguém. Considerando que Deus para ele a destinou desde a eternidade, desempenhe-o com perfeição angélica, conformando-se com a vontade de Deus e permanecendo, quanto ao cargo, na mais completa indiferença sem nenhum apego. 

Nos casos duvidosos, não sabendo resolvê-los, recorra a alguma pessoa iluminada por Deus. Depois de tomada a resolução, coloque ante os olhos a glória divina e execute o seu dever sem respeitos humanos, mesmo que fosse necessário derramar o sangue ou perder a vida, pois que se trata da causa divina. Por amor de Deus não lhe para a honra própria. 

O pensamento: “eu sou superiora”, deve preocupá-la sempre, “Deus me quer neste posto”, diga-se sempre, “e eu quero executar a vontade divina e velar sobre as almas a mim confiadas. A mim compete servir, aconselhar, ensinar, consolar e agradar a todos; devo ceder o melhor aos outros e escolher para mim o pior, a fim de agradar a Deus; além disso tenho de sofrer alguma coisa para imitar Jesus, meu querido e divino esposo”. 

Qual roda, em giro constante, devem os pensamentos de uma superiora mover-se sem cessar, satisfazendo às necessidades de suas filhas. Ame todas as suas religiosas, sem exceção alguma, com puro amor em Deus. Lembrando-se que suas filhas em virtude da obediência só poderão ter o necessário, esqueça-se de si mesma para só pensar e cuidar delas. Chegando presentes de fora ao convento, como comidas, roupas ou semelhantes, não tome nada para si antes de prover as outras irmãs. 

Cuide em inspirar confiança a todas, mormente quando perceber alguma falha nesse sentido. Nesse caso empregue todo o esforço e prudência para ganhar os corações de suas filhas; e mesmo que interiormente não se achasse a isso disposta, procure mostrar-se exteriormente amável e bondosa, vencendo-se por amor de Deus. Do contrário entra a confusão e o azedume da filha, que, julgando-se desprezada, talvez se entregue ao desânimo; porém mesmo que isso não se desse, a pobre, com esse espinho no coração, não progrediria no amor de Deus. As mulheres são muito sujeitas a essas coisas. 

Energia e mansidão — ambas requerem-se da superiora. Como representante de Deus exigirá obediência e castigará, sempre com prudência, as desobedientes que não querem ouvir a voz de Deus. A correção deve começar com brandura, que conserva a alma na paz necessária para o reconhecimento de culpa. Uma correção, por exemplo, poderia ser feita da forma seguinte: “Minha filha, fazes-te indigna da tua vocação e eu não posso com o meu silêncio admitir essa indignidade. Ah! meu Deus, que quereis que eu faça com esta alma imperfeita? Minha filha, não queres ver, que teu mau exemplo escandaliza muitas almas santas! Seria melhor que ficasses no mundo e não tivesses entrado neste lugar, que agora poderia ser ocupado por uma outra desejosa da santificação. Devo dizer-te isto porque sou tua mãe. Deus sabe o quanto te quero e desejo tua santificação. Peço-te, filha, que te resolvas a santificar-te e prometas ao Senhor depor as tuas imperfeições; se precisares do seu auxílio, vem a mim com a confiança de uma filha”. 

Feita dessa forma a correção, penso que a filha não fugirá da mãe, que, ganhando a confiança daquela, poderá facilmente levá-la ao conhecimento reto e à resolução de palmilhar a vereda da perfeição. Com brandura ganha-se mais do que com azedume, que só produz confusão, tentação, trevas e indolências, enquanto que a mansidão gera paz e incentiva as filhas ao amor de Deus. Se as superioras assim procedessem, todas as suas súditas seriam santas. Causa de muitas desordens e perturbações da paz em alguns conventos, é a falta de prudência, Onde há confusão está o demônio, e onde está o demônio não está Deus.” 

Aqui termina infelizmente essa magnífica instrução. Que prudência, que moderação, que conhecimento do coração humano não transpira dessa simples regra! Tem-se a impressão de se estar ouvindo, não um jovem irmão leigo, mas sim um sacerdote asceta experimentado na vida, e espontaneamente vem à lembrança Santa Francisca de Chantal que instrui uma superiora com o método atraente aprendido de seu pai espiritual, com as seguintes palavras: “O vosso cargo, minha querida filha, é o de uma mãe... Vosso desvelo seja constante, mas suave. Na medida do possível tornai piedosas as vossas filhas, porque disso depende a sua felicidade; sentindo gosto em andar com Deus serão recolhidas e mortificadas. Não sejais como aquelas mães moles, que se não atrevem a castigar os filhos, mas também não como as que só sabem exasperar-se e gritar”. 

A missão de uma superiora, descreve-a o santo em uma outra carta com as seguintes palavras: “Desejo ver-vos como um serafim, repleto do amor divino, de sorte que já o vosso semblante inflame todas as vossas filhas.” 
Acima de todo elogio é, na opinião do santo, a felicidade de uma verdadeira esposa de Jesus Cristo; venturosa aquela que por Deus foi chamada e vive de acordo com sua vocação; indizivelmente infeliz porém é aquela que perde a vocação, preferindo o mundo ao convento. 

O santo achou ocasião ao acaso para escrever esses seus pensamentos, quando de Ripacandida lhe anunciaram achar-se uma noviça em grande perigo de abandonar a obra da sua santificação e voltar aos caminhos banais do mundo. Cheio de ardor escreveu à noviça tentada: 

“Minha irmã em Jesus Cristo 
Posso dizer-vos em nome de Deus: permanecei em santa paz; essa tempestade não é nada senão obra de Satanás que vos quer ver longe desse lugar sagrado! Minha filha, ficai alerta porque o tentador invejoso arma as suas ciladas; não gosta que aí estejais e quer impedir   vossa santificação. Quanto a vocação todos nós temos sofrido tentações, que Deus permitiu para provar a nossa fidelidade. 

Alegrai-vos pois e oferecei-vos a Deus sem reserva, e ele vos ajudará. Como poderíeis esquecer as belas resoluções, que tomastes de pertencer inteiramente a Jesus Cristo como sua fiel esposa? Se antes tanto desejáveis merecer esse honroso nome, porque é que agora quereis rejeitá-lo? 
Minha irmã, quem senão Deus vos poderá dar paz? O mundo terá acaso contentado jamais algum coração? satisfeito o de alguma princesa, rainha ou imperatriz? Nunca se ouviu dizer isso, nenhum livro o menciona; o que sabemos do mundo é que ele semeia espinhos e cardos nos corações dos meus sequazes, e que os mundanos por ricos, distintos e alegres que pareçam, são atormentados e crucificados em seu interior. Que devo eu dizer? Quisera que falásseis com o homem mais feliz do mundo, para verdes o que na realidade se passa em seu coração apesar de todo o brilho exterior; crede-me, que tenho experiência, coisa enfadonha é a vida no mundo. Deus vos livre disso, minha irmã. 

Deus tem boas intenções a vosso respeito e por isso permite a tentação, para provar a vossa fidelidade! Coragem, pois; reprimi nobremente a tentação, declarando-vos sempre esposa de N. S. Jesus Cristo. Que sorte feliz a de uma esposa de Cristo! Ela possui a plenitude da sorte, da paz, do sossego, de todo o bem. Que são os bens passageiros e fictícios do mundo em comparação com a felicidade eterna de uma alma desposada com Cristo no Céu! Não digo que não se salva quem vive no mundo, mas asseguro que no mundo se está sempre em perigo de naufragar e que lá ninguém pode santificar-se tão facilmente como no convento. 

Meditai na brevidade do tempo e na duração da eternidade e considerai que aqui tudo é passageiro. Com a morte acabam-se as coisas do mundo. Que adianta apoiar-se em coisas que não têm firmeza? Tudo o que não conduz a Deus é vaidade, que não tem valor para a eternidade. Infeliz a alma que confia no mundo e não em Deus! 
Ide, Irmã, à cripta, onde estão os ossos das muitas religiosas falecidas em vosso mosteiro e meditai no que teriam elas ganho se fossem distintas damas no mundo. Oh! quanto lhes valeu ter vivido pobres, mortificadas e encerradas nesse mosteiro! Talvez tenham sofrido muito, mas em compensação que paz não terão sentido na hora da morte dentro da casa de Deus! Todos desejam ser santos na hora da morte; mas será tarde, pois que lá só se encontra o que se tiver feito por Deus. 

Mesmo se a tempestade ainda não se acalmar em vosso coração, confio inabalavelmente e espero da SS. Trindade e da minha Mãe Maria, que em vosso convento haveis de ser uma santa. Fazei o possível para que eu não me iluda. Esmagai a cabeça do monstro infernal, que vos quer expulsar do lugar santo; desprezai-o; dizei-lhe que sois uma esposa de Cristo que ele tremerá. Coragem, amai a Deus de todo o vosso coração, entregai-vos inteiramente a ele e fazei que o monstro desapareça! Rezai por mim como eu faço por vós”. 

Essas palavras insistentes e paternais surtiram efeito. A moça, a quem foram dirigidas, superou felizmente todas as insinuações do demônio e começou com coragem varonil a galgar a montanha da perfeição. O servo de Deus exultou de prazer ao ouvir que a noviça professara, sentindo-se muito feliz em sua vocação. De Nápoles, onde estava, escreveu-lhe: 

“Prezadíssima irmã em Jesus Cristo. 
Vossa carta consolou-me com a notícia da vossa profissão. Glória a Deus e a vós também! Agora que tivestes a graça de vos consagrar inteiramente a Deus pelos santos votos, estais exaltada como nunca: sois uma esposa de meu Senhor. Sereis feliz se sempre meditardes a sublimidade da vocação, se vos humilhardes sempre diante de Deus e vos esforçardes por conseguir a perfeição que de vós exige o vosso sublime estado. Considerai os favores que recebestes e rendei graças à bondade divina todas as manhãs. Eia, tornai-vos uma grande santa, pois que tendes ocasião para isso. Rezai sempre por mim e pedi-lhe que me torne santo”. 
O caminho de uma verdadeira esposa de Cristo deve ser iluminado pela fé e ter a Deus por alvo. 

Para amar a Deus, escreve Geraldo à priora de Ripacandida, é preciso crer; quem é fraco na fé, fracamente se une a Deus. Quanto a mim estou resolvido a viver e a morrer compenetrado da fé. A fé é vida e a vida é fé para mim. 

Ó Deus, quem poderia viver sem a fé! Quisera gritar para ser ouvido do mundo inteiro. “Viva a nossa santa fé! Só Deus merece ser amado!” 

Essa vida da fé, na opinião do santo, não deve contestar-se com pouco, mas subir constantemente as alturas da perfeição. Em uma carta, em que faz alusão à morte de uma irmã, fala Geraldo desse dever. 

“Eu já sabia — escreve — da morte da Irmã Oliveira; agora ouço que a Irmã Maria Antônia entrou em seu lugar. Dizei-lhe que me alegro com isso. Para completar a minha alegria, queira ela pôr em prática, ainda com mais fervor, as santas resoluções que já tinham no mundo, e ser uma santa como foi a Irmã Oliveira, porque, se não o for, dará contas a Deus”.  

Tempestades, tentações, temores acompanham geralmente a alma que resolveu seguir o caminho da perfeição; ninguém se desanime por causa disso; que não é das piores coisas; ao contrário a paz e a privação desses ataques são sempre suspeitas. porque geralmente ocultam os perigos. 

“Coragem, escreve Geraldo a uma irmã aflita, não vos perturbeis; confiai em Deus e esperai dele o auxílio necessário. Não vos apoieis em vós mesma mas em Deus, quando parecer reinar tranqüilidade, convencei-vos que o inimigo está perto. Não confieis na paz, porque logo depois pode vir a guerra. 

Vivei acautelada, recomendai-vos à SS. Virgem, para que ela vos assista e afaste o inimigo com sua poderosa mão. O sofrimento  não vos deve abater, mas só humilhar diante de Deus e excitar-vos, à maior confiança em sua misericórdia. 

O parafusar, de que falais, não vale nada, vem do demônio que vos quer roubar o tempo. Revesti-vos de coragem e confiai em Deus, que ainda sereis santa”. 

Suaves admoestações, como essas, sublimes princípios e eficazes setas de fogo do amor divino eram o alimento, de que o santo costumava nutrir o espírito das esposas de Jesus Cristo. 

Nutrimento certamente de primeira ordem! Não admira pois o influxo admirável e salutar de Geraldo sobre as boas irmãs, que cooperou fortemente para o desenvolvimento e florescência do espírito de Santa Teresa entre suas filhas.   

Essa relação santa de Geraldo com o mosteiro de Ripacandida perdurou até a morte do servo de Deus. 

Mesmo após o falecimento de Geraldo as religiosas consideravam-no como seu guia e amigo, invocavam-no e tributavam-lhe filial veneração. “Quantas novenas, diz uma delas no processo da beatificação, não temos feito em sua honra!

 Nós todas o escolhemos por especial padroeiro, e sempre ainda nos recomendamos à sua intercessão, e ele lá do alto tem se dignado vir em nosso auxílio”.  



sábado, 16 de fevereiro de 2013

"Sobre a terra devemos santificar-nos fazendo a vontade dos outros e não a nossa, porque aquela é para nós a vontade de Deus”.




A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO XV 

Apostolado entre as religiosas 

O amor ardente que fez de Geraldo o amigo, salvador e guia dos pecadores, impeliu-o a dedicar-se de modo especial aos que aspiram a trilhar os caminhos da perfeição dentro dos conventos. Entre todos ocupavam o primeiro lugar as religiosas que levavam vida austera e recolhida em comunidades bem formadas. O servo de Deus fazia delas o mais alto conceito. À luz da fé pareciam-lhe em mais rica escala a relação nupcial da alma com Deus por meio dos votos; eram-lhe cópias vivas da SS. Virgem.

“Não vos admireis, escreve em uma carta à superiora de um convento, que vos escrevo com tanta alegria; vejo em vós as verdadeiras esposas de Jesus Cristo, e isso enche-me de tanta veneração, que quisera constantemente entreter-me convosco; além disso (o que me comove até o íntimo do coração) vós me representais, como esposas do Senhor, a SS. Virgem Mãe de Deus”.

Já mencionamos o zelo, com que Geraldo se fatigava para povoar os conventos de almas generosas. Mas não era só isso; pois que como também já tivemos ocasião de referir, tomou parte ativa na santificação de diversas religiosas. Embora essa atividade pareça estar em contradição com o estado, humilde posição e vocação do santo, não podemos duvidar que Deus a queria, e que ela fazia parte da missão extraordinária que o santo tinha de cumprir.

Se o primeiro impulso para isso procedesse dele, se ele mesmo se insinuasse e o exigisse dos superiores, poder-se-ia realmente duvidar da genuinidade dessa vocação. Ora nada disso se deu.
O primeiro impulso para essa atividade nos conventos de religiosas, deram-no os bispos que, cientes da sua capacidade extraordinária, o recomendaram aos diversos claustros e viram seus esforços sempre coroados do mais brilhante êxito.

Geraldo submeteu-se à autoridade da Igreja ao iniciar esse seu apostolado. Acresce o consentimento de seus superiores imediatos, Pe. Cafaro, Pe. Fiocchi e Santo Afonso — homens que receavam a sombra do inconveniente, e era competentes para o conhecer e julgar.

Para os superiores prova evidente dessa vocação de Geraldo, eram o bom espírito, a sabedoria e humildade do Irmão, os resultados estupendos produzidos por sua atividade, o testemunho de todos que tiveram ocasião de observá-lo e são unânimes em tecer louvores ao zelo e prudência por ele patenteados nesses trabalhos extraordinários.
Embora pareça estranho, que um pobre irmão leigo se apresente como guia espiritual e mais ainda, guia espiritual de freiras — não se pode pôr em dúvida a sua vocação para esse trabalho.

O santo realizou esse seu trabalho de direção espiritual em numerosos conventos. Já mencionamos acima os seus resultados no convento das clarissas em Muro, o modo como inflamou de zelo, em Corato, o convento das dominicanas e edificou, com seu exemplo e doutrina, o claustro das beneditinas; o que ele fez para as religiosas dessa mesma ordem em Calitri ve-lo-emos por extenso mais tarde.

Poucas notícias chegaram até nós sobre os seus trabalhos entre as religiosas de Atella. Lá os padres Fiocchi e Margotta tentaram restabelecer a vida comum e consolidá-la pelo retiro espiritual. Por meio deles o santo entrou em relação com esse convento, o que satisfez imensamente ao bispo de Melfi, que instou com o santo a que incentivasse a obra começada. Desde então Geraldo não regateou conferências e cartas permanecendo sempre em ativa comunicação com o convento. E as religiosas puderam colocá-lo no número dos seus maiores benfeitores: não só admoestava santamente as irmãs, mas procurava aumentar-lhes o número persuadindo e movendo filhas de famílias distintas a entrar no convento. Geraldo, após a sua morte foi lá venerado como protetor, e fez honra a esse título porquanto o processo de beatificação narra vários milagres operados pelo santo à invocação das religiosas de Atella.

Em dois conventos, sobretudo, tornou-se Geraldo o guia espiritual manifestando-se qual fonte de sabedoria, zelo e consolação: o mosteiro do SS. Redentor em Foggia e o das carmelitas em Ripacandida.
Em cada um desses claustros destacava-se naquele tempo, uma alma, que por sua santidade e extraordinários carismas, se relacionava em afinidade espiritual com Geraldo, reclamando, por isso, dele especiais conselhos e instrução: a sóror Celeste Crostarosa em Foggia, e a sóror Maria de Jesus em Ripacandida, ambas superioras e beneméritas quanto ao rigor da observância regular.

Maria Celeste Crostarosa, na qual se equilibravam os dons do céu com os sofrimentos da terra, vivia há mais de vinte anos no conservatório de Scala quando a 3 de outubro de 1731 teve um êxtase de importância capital na história de Santo Afonso e da fundação do Instituto do SS. Redentor. Nesse êxtase viu ela uma falange de homens apostólicos, que impelidos pelo zelo das almas, percorriam povoações e aldeias procurando prestar auxílio espiritual às almas abandonadas. À frente desses apóstolos estava Afonso de Ligório. Em seguida uma voz soou a seus ouvidos: “Escolhi a este para fundador de uma obra que há de promover a minha glória”. Entretanto não foi dado a Crostarosa realizar a sua vocação no mos-teiro de Scala. Após haver por vários anos dirigido um conservatório em Nocera comunicando-lhe vida nova, fundou em Foggia (1738) o conservatório do SS. Redentor, no qual a encontramos como superiora no tempo de Geraldo. A educação esmerada, que lá recebiam as filhas das melhores famílias sob a sua direção, foi uma bênção para Foggia e para toda a Apulia.

A Irmã Crostarosa formou-se um alto conceito de Geraldo à leitura de uma carta, na qual o santo escreveu entre outras coisas o seguinte: “Desejo amar a Deus, estar sempre unido a Deus e fazer tudo por Deus”. O espírito que transparecia dessas palavras, condizia inteiramente com o dela. Quando teve ocasião de se encontrar pessoalmente e conferenciar com Geraldo, descobriu a afinidade existente entre a sua alma e a do santo, e a utilidade que da aproximação com ele podia resultar para si e suas filhas.
Geraldo respondeu perfeitamente à piedosa confiança da superiora de Foggia. Visitava-a sempre que passava por Foggia e dispunha de alguns momentos livres.

Essas conferências recordam-nos vivamente as que tiveram outrora São João da Cruz e São Pedro de Alcântara com a excelsa Santa Teresa, pois que grande era a harmonia, elevação espiritual e caridade ardente com que essas duas almas se entrelaçavam na identidade dos pensamentos e sentimentos.

As conversações espirituais com Irmã Crostarosa tornavam sempre caro para o nosso santo o mosteiro de Foggia. Duplamente bem vindos eram-lhe os pedidos do bispo diocesano no sentido de se dedicar, em maior escala, ao conservatório e às suas religiosas. Por meio de cartas, pequenas conferências e palestras individuais procurava nutrir-lhes nos corações o fogo do amor divino e animá-las, como boas esposas de Cristo, é consecução de lídimas virtudes, à generosidade, à observância da Regra e ao amor do celeste Esposo. Os seus esforços foram coroados dos mais brilhantes resultados, como o demonstram os depoimentos feitos mais tarde pelas irmãs.

“As alocuções de Geraldo, atesta uma delas, tinham geralmente por objeto, os sublimes atributos divinos, a SS. Virgem e os santos. Sempre que falava ou pensava em Deus, perdia os sentidos e arrebatava-se em profundo êxtase”. “O seu coração, escreve uma outra das suas ouvintes, transformava-se em vulcão de amor divino; seu rosto inflamava-se como o de um anjo vindo do céu para falar aos homens”.

As religiosas de Foggia foram testemunhas de um dos mais notáveis êxtases do nosso santo. Foi na véspera da festa da SS. Trindade em 1753. Geraldo saíra de um colóquio com uma religiosa, a quem reanimara, enquanto as irmãs cantavam no coro as primeiras vésperas da grande festa. Na solidão do claustro ecoavam os sons festivos dos hinos e salmos. Geraldo comoveu-se; seu espírito acompanhando o canto abismou-se na contemplação do sublime mistério. Penetrando sempre mais nesses abismos incompreensíveis, imensos e suaves, a alma do servo de Deus desprendeu-se do mundo e inundou-se de um júbilo intenso. Com a velocidade da flecha pôs-se a correr pelos corredores do mosteiro repetindo em alta voz as palavras da liturgia: “O alti-tudo divitiarum sapientiae et scientiae Dei; quam in-comprehensibilia sunt judicia ejus et investigabiles viae ejus. — Ó inesgotável riqueza da sabedoria e ciência de Deus! quão imperscrutáveis são seus juízos e incompreensíveis os seus caminhos”.

Geraldo permaneceu nesse arroubo extático todo o tempo em que no coro se cantava o ofício divino. Ao saírem da oração as irmãs encontraram-no ainda nesse estado de júbilo celestial. Ao voltar a si, percebendo as religiosas que o cercavam exclamou: “Irmãs, amemos a Deus” e permaneceu imóvel; seus olhos fitavam o céu e faiscavam. De repente suspendeu-se nos ares em considerável altura. Terminado o êxtase, empalideceu exausto pela veemência, com que o amor divino dele se apoderara.

Outras manifestações dos carismas extraordinários de Geraldo completaram a impressão desse êxtase. A uma irmã conversa, que se achava enferma, Geraldo restituiu a saúde com o sinal da cruz, quando já haviam perdido toda a esperança de sua cura. Da mesma forma livrou a uma jovem de uma febre, que zombava de todos os remédios.

Também o seu dom de profecia teve lá sua manifestação. Palestrava, um dia, com sóror Crostarosa e outras irmãs sobre assuntos de piedade quando, a queima-roupa, interrogou a uma irmã, se ela se confessava freqüentemente. Como a resposta fosse afirmativa, pediu-lhe o santo, que se unisse intimamente a Deus “porque — acrescentou — o dia da vossa morte não está longe”. A religiosa, ainda jovem e robusta, bem como as demais religiosas admiraram-se dessas palavras, tomando-as por um gracejo. Geraldo, a quem nada passava despercebido, renovou sua admoestação afirmando ter falado com toda a seriedade. “Mesma a mais sólida saúde, disse, desaparece em um momento; por isso; irmã procurai sempre união com Deus; dentro de oito dias tereis de comparecer em sua presença”. A irmã tomando a sério a palavra do santo, preparou-se para a morte; e não fez em vão, porque poucos dias depois teve uma morte santa.

Uma aluna do colégio por nome Gertrudes de Cecília, gostava de acompanhar as irmãs para ouvir, no locutório, as palestras do santo. Uma vez, terminado o piedoso colóquio pediu-lhe Geraldo que entoasse um hino qualquer. Acanhada não quis, a princípio, mas por fim, acedendo ao desejo do santo, cantou a estrofe de Metastasio Se Dio veder tu vuoi. (cfr. pág. ...???). As palavras dessa bela estrofe penetraram como setas o coração do santo. A menina não havia ainda terminado os seus quatro versos, e Geraldo arrebatou-se e quedou imóvel como um serafim de olhos faiscantes; terminado o hino o santo ainda permaneceu em êxtase por longo tempo.

Desde então Geraldo interessou-se pela menina e não tardou a encontrar ocasião de lhe patentear sua afeição por um importante ato de caridade. Um dia foi Gertrudes confessar-se, mas ou por não haver feito bem o exame de consciência, ou por leviandade infantil, não se portou à altura da dignidade do sacramento. Dirigindo-se ela à mesa da comunhão, Geraldo foi ao seu encontro: “Menina, disse, julgas ir bem preparada para a comunhão, mas não te confessaste bem. Olha, omitiste tal pecado; volta já ao tribunal da penitência e faze uma confissão geral”. A pobre menina quase morreu de susto; não pôde proferir palavra; confundida foi-se preparar melhor e confessar-se com mais sinceridade. A antiga leviandade descambou logo no extremo oposto; Gertrudes tornou-se escrupulosa; profunda melancolia abateu-lhe o rosto outrora tão jovial sem que ninguém pudesse adivinhar a causa dessa transformação. Geraldo foi novamente em seu auxílio. Ao chegar em Foggia apressou-se a ir ao mosteiro para consolar a menina. “Minha filha, disse, a tua confissão foi bem feita; Deus está contente contigo”. Essas palavras dissiparam todos os pensamentos tristes e Gertrudes sentiu-se novamente feliz e completamente tranqüila.

Geraldo conhecia a menina melhor do que ela suspeitava. Embora piedosa e educada no mosteiro a pequena não sentia nenhuma vocação para a vida religiosa; desejava voltar para o seio da família e suspirava pela hora em que lhe seria dado abandonar o colégio. Geraldo que bem conhecia os desejos e aspirações da menina, aconselhou-a muitas vezes a não pensar no mundo; escolhida para esposa de Cristo, devia ficar onde estava porquanto o seu lugar era o convento e não o mundo. Gertrudes porém não estava pelos autos; embora muito acatasse o santo, não gostava nada de suas admoestações. Também aqui deixou Geraldo entrever à pequena, que suas palavras eram inspiradas por Deus. “Se abandonares o convento, disse com seriedade, terás de arrepender-te muito; o mundo armar-te-á os maiores perigos, e por fim, querendo ou não terás que voltar”. A menina atemorizou-se com essas ameaças e ficou no mosteiro; tomou o hábito e tornou-se boa religiosa. Após a profissão contraiu uma moléstia, que na opinião dos médicos, só podia ser debeladas com os saudáveis ares da sua terra natal. Os ares de São Severo contribuíram para o restabelecimento da saúde do corpo, mas foram prejudiciais para a vida espiritual de Gertrudes. Pouco consolidada na vida interior, a jovem, rodeada das vaidades mundanas, foi vítima das mais tremendas tentações. Fascinada por sugestões de amigos, esqueceu sua santa vocação e resolveu não regressar mais ao mosteiro. Nesse íinterim lembrou-se da profecia e terríveis ameaças de Geraldo; arrependeu-se amargamente do passo que dera e desfeita em lágrimas voltou para o convento, onde se consagrou, com novo ardor ao serviço de Deus. Durante sua longa vida — faleceu em 1830 — não cessou de enaltecer a santidade de Geraldo, cujos milagres presenciara e a cuja influência ficou devendo a sua vocação e salvação do naufrágio.

Maiores serviços do que ao conservatório de Foggia teve o santo ocasião de prestar às carmelitas de Ripacandida. Essas religiosas de Santa Teresa estavam em íntima união com a Congregação redentorista. Em 1750 pregara-lhes Santo Afonso, em pessoa, os santos exercícios, colhendo deles a melhor impressão: “Nunca imaginara, diz ele, encontrar em um rochedo tão belas flores”. Em vez de incentivar teve ele de restringir as austeridades, principalmente os excessivos jejuns das religiosas.

Além do santo fundador, diversos outros redentoristas trabalharam no cultivo espiritual do mosteiro, mormente o Pe. Margotta que mereceu do bispo de Melfi o honroso nome de “Anjo da Guarda de Ripacandida”. Também o Pe. Fiocchi lá esteve freqüentemente como conselheiro e dirigiu durante vinte anos, duas religiosas desse mosteiro.

O Irmão Geraldo não tardou a ser lá conhecido. Já no segundo ano da sua vida religiosa entrou em contato com o mosteiro; uma das suas cartas à Irmã Maria de Jesus tem a data de 17 de dezembro de 1751. Naquele tempo a Irmã Maria era a priora do convento. Conseguira fazer florescer e Ripacandida o espírito de Santa Teresa e suas primeira filhas, e muito se alegrou em encontrar em Geraldo o incentivador das suas aspirações e esforços. Também ela, como soror Celeste Crostarosa, percebeu logo em Geraldo, o grande e incomparável homem de Deus; a primeira troca de idéias foi o suficiente para convencê-la do espírito superior que o animava e enchê-la de veneração e confiança. Do seu lado o irmão sentiu logo a afinidade das suas aspirações como as da priora de Ripacandida. Assim em pouco tempo estabeleceu-se entre as duas almas uma dessas nobres uniões espirituais que encontramos na vida dos santos e que têm por fim o auxílio mútuo de orações e incentivo para o amor de Deus e do próximo.

Sempre que as circunstâncias o permitiam o santo ia a Ripacandida visitar a priora das carmelitas e entreter-se com ela a respeito dos santos desejos e aspirações de ambos. “Lá, diz Tannoia, podia-se contemplar dois espelhos côncavos que se projetavam em todo o esplendor mutuamente os raios da luz divina que neles caíam. Essa veneração e confiança da superiora comunicaram-se logo a todas as religiosas, que ficaram desejosas de recorrer a ele nas necessidades do seu coração. Mons. Basta, grande venerador do santo irmão, aprovava inteiramente esse estado de coisas. Geraldo do seu lado também interessava-se muitíssimo por essas filhas de Santa Teresa, as auxiliava na medida das suas forças, inflamava, fortalecia, consolava. Quase cada semana escrevia-lhes para esse fim uma ou mais cartas, das quais afirma o Pe. Cafaro que ninguém as pode ler sem se admirar devido à circunstância de Geraldo ter sido um simples irmão leigo mal sabendo ler e escrever.

Nada escapava à perspicácia desse diretor extraordinário, coisa alguma parecia insignificante à sua caridade contanto que se relacionasse com o bem temporal e espiritual do convento.
O seu desejo ardente era de transformar todas em verdadeiras esposas de Cristo. “Ó meu divino amor, exclama em uma carta a Maria de Jesus, permanecei sempre no coração desta vossa amada esposa!... oh! quanto desejo moreis todas no lado aberto de Jesus e no coração da Mãe das Dores! É lá que se encontra toda a doçura e paz”.

“Minha irmã, escreve à sóror Maria Batista da SS. Trindade, conformemo-nos com a vontade divina... O verdadeiro amor divino consiste na entrega total a Deus e na conformidade da nossa vontade com a sua. Cuidado para não cometermos a falta voluntária, que desagrada imensamente a Deus”.

Não se limitando a simples admoestações promete-lhe o auxílio das suas orações.
“Crede-me, prezada irmã em Jesus Cristo, escreve à superiora Maria de Jesus, não cesso de pedir instantemente ao Senhor, faça-vos e as vossas irmãs suas verdadeiras esposas e executoras de sua santíssima vontade. Posso dizer com verdade, que me não esqueço de vós nas visitas que faço ao Senhor; encontro-vos em seu sacratíssimo lado e ofereço a Deus por vós e vossas filhas o coração divino tras-passado pela lança”.

Considerava como suas próprias as dificuldades e aflições das religiosas. “Deus sabe, externou-se uma vez, a dor que sinto vendo-vos em perturbação: mas, acrescentou, o que eu propriamente sinto não é dor mas inveja. Bendito seja o Senhor, que vos conserva no caminho da santificação”.

Uma das principais preocupações de Geraldo era facilitar às donzelas a entrada no convento. Esmolava para completar o dote das aspirantes pobres e dirigia-se, para esse fim, também a outras pessoas mormente aos confrades influentes.
Julgava-se obrigado a tomar em consideração muitas vezes coisas insignificantes , pequenos desejos das irmãs. Em uma carta escrita de Nápoles a uma irmã de Ripacandida lemos o seguinte tópico:

“Prezada irmã, lembrei-me que desejais um livrinho de cânticos; no ano passado falastes-me disso; mas como não reclamastes, não vô-lo mandei, esperando para isso ocasião azada. Agora em Nápoles lembrei-me e envio-vos o livro desejado. Cantai os hinos em vossa cela, para que vos torneis uma grande santa, e rezai sempre por mim. Os vossos irmãos enviam-vos saudações; eles vão bem”.

Como pagamento dessa caridade e atenção exigia apenas oração contínua e fervorosa. “A bondade e o favor que me tendes feito, escreve à Irmã Maria de Jesus, encheu-me de grande consolação, mas causam-me também humilhação e tristeza; porquanto comparando-me a essas verdadeiras esposas de Cristo, reconheço minha indignidade. Sinto-me forçado a acusar-me como réu, a implorar misericórdia em toda parte e a pedir humildemente perdão em nome de Jesus Cristo. Para eu me corrigir necessito das vossas orações e das vossas filhas; espero que essas orações coletivas me façam cumprir bem a vontade do meu Deus e nosso Pai comum”.

Grande contentamento sentia o nosso santo quando as religiosas oravam por ele ou lhe ofereciam santas comunhões.
“A notícia das comunhões recebidas por minha intenção, escreve ele, causou-me indizível prazer, mas também me envergonhou e confundiu; lembrei-me da bondade excessiva de Deus, que fez suas caras esposas cuidar de quem tanto o tem ofendido! Ó excesso de amor! Ó milagre assombroso! Ó caridade do bom pastor, que com tanto desvelo corre atrás da ovelha desgarrada! Somente posso dizer: O amor que me prodigalizam, vem do Salvador, é o fruto do sangue de Cristo e das dores de Maria”.

Em uma outra carta à Irmã Batista da SS. Trindade escreve o seguinte: “Minha irmã, recomendai-me a Deus agora mais do que nunca, porque me sinto em grandes necessidades espirituais; não vos posso esquecer, porque o vosso sobrenome da SS. Trindade, faz-me sempre recordar de Deus e põe-me em sua presença. Só Deus sabe o quanto vos prezo, minha irmã, por serdes tão fiel esposa de Jesus Cristo. Amai a Deus de todo o vosso coração; tornai-vos santa, e então pouco importa que padeçais. Eia, sofrei por amor de Deus, e os tormentos deste mundo ser-vos-ão um verdadeiro paraíso”.

Mencionemos ainda uma outra súplica de Geraldo, nesse sentido, à irmã Teresa do divino Amor: “Prezada irmã em Jesus Cristo. Lembro-me de vós crendo que vos lembrais também de mim e suplicais a Deus por minha intenção. Digo-vos com sinceridade: podeis auxiliar-me; chamam-vos do divino Amor e tenho por certo que já vos transfundistes no Amor da essência infinita de Deus e em sua santíssima vontade. Tornai-vos santa e logo!”

No post-scriptum de uma carta à irmã Maria de Jesus lembra-se o santo da sua morte e implora das irmãs pia recordação de sua alma. A irmã Oliveira acabava de morrer, e Geraldo, prendendo-se a essa circunstância, escreve: “Embora eu nada valha, ofereci, oito dias, a santa comunhão pelo descanso de sua alma, e pretendo fazer o mesmo para todas que morrerem, afim de que cheguem logo à visão de Deus. Dizei isto a todas para que se lembrem de mim também quando eu entrar na eternidade”.

A caridade, a que o servo de Deus julgava ter direito, reclamava-a também freqüentemente para os amigos. Em uma carta à Irmã Maria de Jesus recomenda uma alma que conquistara para Deus. Contentíssimo com o resultado dos esforços em prol dessa criatura escreve: “Nosso caro Luiz já não tem descanso; tornou-se louco de amor por Jesus Cristo. Abismou-se em Deus e não se quer separar de Jesus. O mundo não tem valor para ele, e as criaturas ele só as considera em Deus. Ama-o, querendo transformar-se nele. Mais não vos posso dizer”.

A essa mesma religiosa recomenda uma irmã enferma do conservatório de Foggia, cuja morte ele muito sentiria. Ele escreve: “Quero que supliqueis instantemente ao Senhor por uma irmã que está à morte. Ah! não quero que ela morra, dizei isto a N. Senhor. Desejo que ela se santifique ainda mais, e que morra idosa depois de passados muitos anos no serviço de Deus. Conjurai por ela a Onipotência, para que desta vez se realize o nosso desejo. Mando-vos em nome de Deus que a não deixeis morrer; vou começar uma novena à divina Onipotência pedindo a saúde dessa Irmã”. A oração foi atendida, porque a religiosa recuperou a saúde.  

A veneração do santo conquistava sempre mais terreno no mosteiro de Ripacandida. O seu aparecimento era para as religiosas como o de um anjo, e completava a impressão produzida por suas cartas. Sua aparência mortificada, seu semelhante, cheio de paz e recolhimento, sua devoção nas orações, sua modéstia e humildade tudo edificava, excitava à virtude e sugeria confiança e veneração.

Também aqui mostrou-se Geraldo taumaturgo e homem de extraordinários carismas. Duas vezes pelo menos glorificou Deus o seu servo, no locutório, com arroubos extáticos.
Um dia entretinha-se Geraldo com a superiora junto à grade, quando foi tomado de uma alegria toda celeste e de emoções fortes, temendo não poder resistir às doçuras celestiais, para não voar pelos ares agarrou-se à grade; mas tão intensa foi a veemência das emoções que as barras de ferro cederam curvando-se como cera em suas mãos; ao mesmo tempo os pregos da grade se desligaram. A superiora gritou, chamando a atenção do extático para o prejuízo que ia causar. Os gritos da religiosa despertaram-no como de um profundo sono. Vendo o que acontecera, ficou embaraçado e pediu a superiora mandas-se consertar quanto antes a grade. A irmã realizou os desejos de Geraldo, mas deixou algumas barras curvadas para recordação do fato maravilhoso. Ainda em 1853, quando em Ripacandida se faziam os exames para o processo de beatificação, estavam essas barras no locutório do convento.
Uma outra vez reunira Geraldo as religiosas diante dessa mesma grade para uma pequena conferência, que iniciou com as palavras do Cântico dos Cânticos: “O Rei introduziu-me em sua adega”. Discorrendo, a seguir, sobre a pessoa de Jesus Cristo, não tardou a sentir em si mesmo a força do vinho do divino amor, caiu em êxtase diante das irmãs, iluminando o locutório de tanta luz que este parecia arder em chamas.

O seu olhar profético comprovou-se também no mosteiro das carmelitas. Ouvindo que lá uma religiosa adoecera, inspirando a doença sérios cuidados, recolheu-se por uns momentos e garantiu que a irmã não morreria daquele enfermidade. Replicaram-lhe que a religiosa já se achava nas últimas. “Não importa, acrescentou Geraldo, vereis que a minha afirmação é verdadeira; a doente precisa ainda de vida, para fazer maiores progressos na perfeição”. Realizou-se a profecia; a religiosa sarou, levando depois, vida ainda mais fervorosa.

A pureza de intenção que guiara o santo em seus trabalhos no mosteiro de Ripacandida, manifestou-se à evidência, quando Mons. Basta proibiu às religiosas qualquer correspondência epistolar a não ser com o confessor; proibição essa que atingia também o nosso santo. É claro que isso doeu às piedosas irmãs, produzindo queixas, murmurações e grande tristeza. Geraldo soube do ocorrido por meio de um sacerdote, a quem a superiora comunicara o fato.

Imediatamente escreveu à superiora:
Reverenda Madre.
Muito bem procedeu o sr. bispo, proibindo-vos escrever cartas; é a vontade de Deus, que quer afastar de vós grandes empecilhos; é um sinal de que vos ama e vos quer unir estreitamente a si. Ficai tranqüila e cheia de coragem! Essas coisas, longe de vos desgostarem, devem encher-vos de santa alegria. Tudo deve ceder, quando se trata da vontade divina. Vós sabeis isso melhor do que eu e muitos outros. Que quereis que vos diga? Já vo-lo e disse e torno a dizer com confiança, embora vós me possais dar instruções a esse respeito. Não compreendo como uma alma consagrada a Deus possa sentir pesar sobre a terra e não se alegrar com a realização da vontade divina em tudo. O beneplácito divino é o único apoio da nossa alma. Maldito seja o amor próprio que nos rouba o maior tesouro, o paraíso na terra, o próprio Deus. Quão miseranda é a insensatez humana que nos faz perder tamanho lucro. Que de melhor poderemos fazer para agradar a Deus, do que executar com perfeição sempre e em tudo sua santíssima vontade, obedecendo até a seus menores acenos? Sejamos perfeitamente indiferentes a respeito de tudo para podermos cumprir a vontade divina com aquela pureza de intenção, que Deus de nós exige. Que bem imenso é a vontade divina! Que tesouro oculto e incompreensível! Ó vontade divina, vales tanto quanto o próprio Deus; quem, senão Deus, te poderá com-preender!  
Asseguro-vos, reverenda madre, meu grande contentamento por saber que sois uma daquelas almas que procuram seu único alimento na amabilíssima vontade de Deus. Bem conheço o vosso heroísmo nesse ponto! Continuai a unir-vos mais perfeitamente à vontade divina; é isso que fazem os anjos no céu, e o que também nós devemos fazer. A vontade divina reine no céu e na terra; seja ela o paraíso no céu e o nosso paraíso na terra.

Comunicai estas linhas às irmãs. Penso que a proibição do bispo se estende também a elas. O prelado procedeu bem; peço que nenhuma se perturbe por isso, o que seria queixar-se de Deus. Fiat voluntas Dei. Estou inteiramente de acordo, que me não escrevais mais. Se nas lembranças que me enviais houver qualquer sombra de desobediência, peço que desistais também disso. Basta que me recomendeis a Deus.

Essa é a minha vontade. Conheço as ótimas intenções do santo prelado que deseja a união íntima de todas com Jesus Cristo. Indo a Ripacandida, não pedirei licença para me entreter convosco; não é preciso que nos vejamos no mundo, porquanto ver-nos-emos no paraíso. Sobre a terra devemos santificar-nos fazendo a vontade dos outros e não a nossa, porque aquela é para nós a vontade de Deus”.

Essa epístola, ditada pelo verdadeiro espírito religioso, teve em Ripacandida o efeito do bálsamo sobre a chaga; fez calar as tempestades da alma; todas declararam-se prontas para o sacrifício.

Deus, porém, como sempre, contentou-se aqui com a boa vontade, exigindo apenas incondicional submissão. O bispo, tendo provado a obediência das religiosas, retirou a proibição quando ao santo, declarando ser sua vontade que as irmãs sempre procurassem conselho e conforto nesse excelente religioso, que era perfeito conhecedor do espírito que reinava no mosteiro. Que o bispo não queria absolutamente atingir o irmão com aquela proibição, e que não se desgostara com ele, prova-o o fato de ele achar bom consultar não só ao Pe. Fiocchi, mas também à Geraldo quando se tratou do exame da vida extraordinária e do espírito da Madre Maria de Jesus.

Essas santas relações do santo com a comunidade de Ripacandida, que se formaram em conseqüência da sua estreita união com a superiora Maria de Jesus, não se turbaram quando esta, em maio de 1753, foi substituída pela nova superiora Maria Michaela de São Francisco. Ao receber da demissionária a comunicação da eleição da nova priora, o santo mandou participar-lhe o seu contentamento, pedindo-lhe se tornasse uma santa e prometendo escrever-lhe em breve “porque essa é a vontade de Deus”.

Uma semanas depois a nova superiora recebeu a primeira carta de Geraldo, que tornou a expressar a sua satisfação pela eleição dela. Depois acrescentou: “Peço a Deus, queira amparar-vos, para desempenhardes bem o vosso cargo e velardes cuidadosamente sobre as numerosas esposas de Cristo. Espero que o Senhor vos conceda o espírito que animou aquele Serafim de amor, Santa Maria Madalena de Pazzis, grande serva de Deus e da SS. Virgem, para que vós e vossas filhas se tornem outros tantos serafins do amor divino”. Com esse desejo pediu se lembrassem dele em suas orações. Em atenção à antiga superiora, a benemérita irmã Maria de Jesus, Geraldo acrescentou ao terminar: “Peço-vos recomendar-me à Irmã Maria de Jesus; ela foi vossa mãe desde o princípio e alimentou-vos com o leite do amor divino”.

Embora essa recomendação não fosse necessária, o santo quis dá-la como um aviso, não desprezível, à nova superiora e em cumprimento da promessa feita, poucos dias antes, à antiga priora. Esta em sua santa humildade, que a não deixava ver nada de bom em si mesma, deu a entender ao santo irmão, que, deixando de ser superiora, todos, inclusivamente Geraldo, se esqueceriam dela: de passagem externou ainda o desejo de uma visita sua. Geraldo respondeu: “Pedis que vos visite; sim, reverenda madre, irei, de todo coração, para vos consolar, se essa for a vontade de Deus. Tende ânimo e não vos perturbeis, se me não quiserdes desgostar. Dizeis que, não sendo já superiora, os outros vos esquecerão. Meu Deus, como podeis dizer isso? E mesmo que as criaturas vos esquecessem, o vosso esposo celeste não vos esquecerá. Quanto a mim, não vos tenho olvidado e desejo que vos lembreis sempre de mim. Eia, mostrai-vos generosa no amor divino; tornai-vos uma santa; livre agora das preocupações de outrora, tendes mais tempo para isso. Rogai por mim, que necessito de amparo espiritual e me acho — Deus sabe — em muitas tribulações e tristezas. Se quiserdes podeis ajudar-me; fazei-me esse ato de caridade”.

As relações de Geraldo com o mosteiro de Ripacandida permaneceram, pois, invariáveis sob a direção da nova superiora; o servo de Deus continuou até o fim da vida como diretor espiritual e conselheiro extraordinário do convento. Da excelência dessa direção o leitor se convencerá meditando no buquê que comporemos no capítulo seguinte com as recomendações dadas pelo santo em diversas de suas cartas.  

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A nova visita de Geraldo foi de imenso contentamento para todos os habitantes da cidade, por muitos anos correu a fama das conversões por ele efetuadas ou encaminhadas, e dos frutos espirituais por ele produzidos.



A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA
 CAPÍTULO XIV 

A novena de São Teodoro em Melfi. Trabalhos em Atella e Lacedogna. 

A supracitada atividade do santo em Melfi despertou no bispo Mons. Basta o desejo de tê-lo outra vez, e quanto antes, perto de si. Ocasião para isso deu a novena solene que se realizou na matriz de São Teodoro, como de costume, em novembro de 1753. Convidou para pregador o Pe. Fiocchi, pedindo-lhe que levasse consigo o Irmão Geraldo. O reitor de Iliceto não pôde declinar do convite e dirigiu-se a Melfi nos últimos dias de outubro, porquanto a festa de S. Teodoro se celebra a 9 de novembro.

A nova visita de Geraldo foi de imenso contentamento para todos os habitantes da cidade. A novena de São Teodoro nunca fora tão freqüentada como desta vez, pois que todos queriam ver o santo irmão e aprender dele alguma coisa edificante. Mons. Basta deu o exemplo; conferenciava com ele horas inteiras e não hesitava em pedir sua opinião a respeito das questões mais complicadas, tão grande era a confiança que tinha na ciência e carismas celestiais de Geraldo.

O clero intimou o bispo. Abalizados vigários, sobretudo confessores, iam expor a Geraldo as suas dúvida sobre a cura d’almas e direção espiritual; e o santo resolvia todas as dificuldades e respondia a todas as perguntas satisfazendo a todos.
Não menos importante foi a influência de Geraldo sobre os leigos. Quem sentia qualquer inquietação, receito ou desejo no coração, ia ter com ele. Homens e senhoras da alta sociedade, bem como operários e mendigos recorriam à sua caridade, encontrando sempre o que procuravam. É escusado mencionar que as crianças se sentiam por ele atraídas de modo especial.

Noventa anos depois da estada de Geraldo em Melfi, uma dessas crianças ainda se lembrava dele vivamente e com alegria.
“Quando Geraldo se achava em Melfi, contou o centenário Xavier Pascucci por ocasião do processo da beatificação (1843), tinha eu dez ou doze anos e tive mais vezes ocasião de falar com ele; o servo de Deus falava sempre às crianças, que o procuravam, sobre o amor de Deus e o dever de cumprir com fidelidade as obrigações religiosas; dizia: ‘Que é que dareis ao bom Deus?’ fazia sobre as crianças o sinal da cruz e repartia santinhos de Nossa Senhora das Dores. Ele levava vida muito austera; eu mesmo notei que usava cilícios. Também para com os pobres era muito generoso... distribuía-lhes a sua própria comida... vi-o uma vez tirar os sapatos para dá-los a um pobre. O que mais observei nele foi o zelo pela salvação das almas e pela conversão dos pecadores”.

E realmente os trabalhos de Geraldo nesse sentido foram vultuosos, porquanto ainda por muitos anos correu a fama das conversões por ele efetuadas ou encaminhadas, e dos frutos espirituais por ele produzidos. Quem sabia de algum pecador obstinado bastava levar-lhe o irmão para garantir-lhe a conversão.

“Uma simples palavra de Geraldo, diz Tannoia, bastava para compungir os pecadores que, preparados para a graça do Sacramento, iam confessar-se ao Pe. Fiocchi. Isso dava-se sobretudo com certas pessoas distintas que, descuidando-se da sua alma desde há muito, haviam caído na lama do vício. Uma única conferência com Geraldo era suficiente para a mudança radical de sentimentos e de vida; essas pessoas tornavam-se depois modelos de virtude para os outros”.

Nessas conversões desempenhava saliente papel o dom admirável, que possuía, de conhecer os corações e os seus segredos mais ocultos. Em Melfi vivia um gentil homem, que a muitos anos calava pecados na confissão. Geraldo, encontrando-se uma vez com ele, descobriu imediatamente o triste estado da sua alma. “Meu filho, disse ao homem, estais vivendo no pecado; porque é que quereis assim morrer como um condenado? confessai aquele pecado, que tendes ocultado até agora, e procurai a graça divina”. O homem, coberto de confusão e vergonha, pôs em ordem a sua consciência.

O mesmo deu-se com uma senhora, que apesar de muitas confissões, não conseguira afastar a pedra que oprimia o seu coração, isto é, a culpa que ocultava ao ministro de Deus. Por caminhos extraordinários teve Geraldo conhecimento do estado dessa alma, e utilizou-se dele no primeiro encontro: “Minha irmã, disse-lhe, como podeis viver em paz permanecendo em pecado mortal? porque não confessais o pecado que ocultais há tantos anos?” A essa revelação a mulher corou e resolveu reconciliar-se com Deus por meio de uma sincera e detalhada confissão.

Conversão semelhante, porém ainda maior devido às circunstâncias que a acompanharam, é a seguinte: Estando o santo para sair do palácio episcopal, foi apostrofado por uma senhora, tida por piedosa. Para se granjear maior reputação, a hipócrita procurava falar com todos os que tinham fama de grande santidade; manifestava-lhe os seus segredos para passar por alma conscienciosa e piedosa. Tinha por diretor o Padre Martinho, agostiniano, o mais célebre confessor de Melfi. Essa infeliz criatura, por nome Teresa Moronti, apresentou-se também a Geraldo, que sabia ser um homem de Deus de muita cotação. Geraldo ouviu-a calado e calmo. Ao terminar ela a sua prosa hipócrita, disse-lhe em tom grave: “Porque esse palavrório vão? há tantos anos vos confessais e comungais sacrilegamente e quereis passar por santa? ide confessar-vos com sinceridade se não quereis a morte de um condenado”.

Essa revelação inesperada confundiu e envergonhou a mulher; a palavra “estais condenada” foi-lhe como um raio em céu sereno; correu ao seu confessor Pe. Martinho e sem lhe descobrir o veneno em sua alma, disse-lhe somente: “Padre, estou condenada, ajudai-me a fazer uma confissão geral”.

O confessor, na convicção de que Teresa se levava por temores infundados, censurou-a e despachou-a com as palavras: “Estais louca”. Esse procedimento do confessor compreende-se facilmente, mas não se lhe pode perdoar a circunstância do fato, porquanto, apesar do reiterado pedido da penitente que afirmava estar em pecado mortal, a ela manifestado por Geraldo que só o poderia conhecer por inspiração divina, não a quis ouvir, indignou-se e mais tarde, na presença de diversas pessoas, injuriou o santo irmão taxando-o de ignorante, imprudente e perturbador das consciências.

Felizmente Teresa prestou mais ouvido à palavra de Geraldo do que à do seu irritado confessor. Não encontrando paz, foi lançar-se aos pés do cônego Leonardo Rossi e declarou-lhe haver vivido hipocritamente durante dez anos, cumulando sacrilégios sobre sacrilégios. O seu arrependimento desta vez foi tão vivo e a detestação da sua hipocrisia tão radical que permitiu ao dito cônego comunicar ao Pe. Martinho, seu confessor ordinário, o estado da sua consciência. Manifestou outrossim o desejo de, na publicação dos milagres e virtudes do santo, ser relatado também este prodígio operado por Geraldo em seu favor. Teresa Moronti levou, desde então, vida santa e modelar.

A estas conversões estrondosas realizadas pelo santo juntaram-se ainda outros sinais, que provam claramente a sua missão superior. Entre outros, temos conhecimento de um milagre operado então na casa da conhecida viúva Bruno. Esta encontrara um comprador para grande parte do seu vinho. Realizado o negócio descobriu-se que o vinho se deteriorara em um barril; o negociante, como é natural, quis rescindir o contrato, pondo assim a senhora em grandes apuros. Por felicidade Geraldo apareceu nesse dia na casa da aflita viúva. Ao ter conhecimento do ocorrido disse: “Isso não é nada”, e mandou lançar no barril, que continha o vinho estragado, uma cédula com o nome de Maria Imaculada, prometendo que, com isso, o vinho se corrigiria. A mulher hesitou, mas o santo insistiu: “Porque hesitais? Sereis vós quem corrigirá o vinho? Não, é Deus quem o fará; por isso executai as minhas ordens!” Ela obedeceu e o vinho tornou-se delicioso como antes.

Terminada a novena de São Teodoro, Geraldo acompanhou o Pe. Fiocchi e outros sacerdotes até Atella, perto de Melfi, para a pregação da santa missão. Nessa cidade os missionários hospedaram-se na casa de Benedito Grazioli, amigo e benfeitor da Congregação; não tendo de preocupar-se desta vez com o material, pôde Geraldo entregar-se inteiramente a seus exercícios de piedade. Enquanto os missionários trabalhavam no púlpito e no confessionário pela salvação das almas, ele rezava diante do SS. Sacramento; preferia para isso a igrejinha das beneditinas, onde o seu coração se expandia com tanta devoção que a recordação do seu fervor perdurou no convento até o ano de 1843, em que se introduziu o processo da beatificação.

De Atella voltou o santo para Iliceto, porém só por poucas semanas.
Uma cidade enlutada suspirava por seu consolo e palavras cheias de unção: era Lacedogna, onde pontificava Mons. Amato, grande venerador do servo de Deus. Rebentara lá devastadora epidemia considerava por todas as pessoas de bem como um justo castigo de Deus, por causa dos escândalos horrorosos existentes na cidade. Penitência e mudança radical de vida supunham todos ser o único meio de afastar o horrível flagelo.
O arcipreste Domingos Capucci, homem segundo o coração de Deus, em cuja casa já encontramos como hóspede o nosso Geraldo, colocara ao lado do seu bispo para auxiliá-lo a debelar os escândalos e a demonstrar o erro aos culpados; porém todos os esforços desses dois pastores zelosos fracassaram diante da obstinação do povo. E apesar desse castigo continuavam as maiores desordens justamente entre os que deveriam servir de exemplo aos outros.

Em vista disso o bispo e seu arcipreste acharam que a única medida para pôr um dique ao mal, era a presença de Geraldo. O bispo escreveu ao Pe. Fiocchi rogando a fineza de mandar Geraldo por algum tempo a Lacedogna. Não era possível deixar de atender o pedido de um protetor e amigo como o bispo Amato, o qual na qualidade de vigário-geral de Conza favorecera a fundação da casa de Caposele (1746). Também o arcipreste Capucci, filho espiritual do Pe. Cafaro, merecia toda a atenção do Pe. Fiocchi. O servo de Deus partiu para Lacedogna provavelmente em janeiro de 1754.

Impossível descrever o júbilo das pessoas bem intencionadas de Lacedogna ao reverem o piedoso jovem, que outrora as edificara durante três anos quando a serviço do bispo Albini, e o respeito com que acolheram o religioso conhecido em toda a parte por sua eminente santidade. O Pe. Tannoia, biógrafo do santo, escreveu que este foi recebido em Lacedogna não como um homem mas como um anjo do céu.

O primeiro cuidado de Geraldo foram os numerosos doentes da cidade. Por meio da caridade para com os enfermos esperava ele preparar-se o caminho para os corações que queria converter. Viam-no correr pelas ruas o dia inteiro em procura dos enfermos. Todos recebiam sua visita, tanto o pobre em sua miserável choupana como o rico em seu palácio. Animava uns à paciência, inspirava a outros sentimentos de contrição, preparava os moribundos para a grande viagem à eternidade e restituía a não poucos a saúde perdida.

Entre estes últimos achava-se o cônego Antônio Saponiero, arcediago da diocese, que nos deixou uma relação escrita de seu próprio punho, descrevendo a sua cura.  
“Uma febre agudíssima, diz ele, reduziu-me ao estado de extrema fraqueza. O leito era-me um tormento; o estômago estava quase inteiramente paralisado; violentas dores de cabeça tornaram-se insuportável a moléstia, parecendo-me ser cada dia o último. Ao saber da chegada do servo de Deus em Lacedogna mandei pedir-lhe orações, e ele respondeu-me que minha moléstia, se eu confiasse em Deus, terminaria em breve. No dia seguinte foi visitar-me; aproximando-se do leito disse: ‘Louvai a Deus, estais curado’ e fez-me com o polegar da mão direita uma cruz sobre a fronte. Senti-me curado e ter-me-ia levantado imediatamente, se ele não me mandasse guardar o leito até o dia seguinte. Fiquei assim num instante livre da doença por um milagre de Geraldo”.

Com o sinal da cruz curou Geraldo ainda um outro homem que, desenganado dos médicos, chorava desesperadamente sua triste sorte. Feito o sinal da cruz disse-lhe o santo: “Coragem, levantai-vos em nome de Deus e vinde comigo à igreja, para vos confessar”. No mesmo instante o doente levantou-se, foi à igreja e confessou-se. Voltou para casa completamente curado.

Uma outra enferma a quem Geraldo restituiu miraculosamente a saúde, foi uma tal Lella Cocchia, que sofria a mais triste de todas as moléstias: definhava há meses em completa demência. O seu rosto inspirava compaixão e horror; seus gestos eram medonhos e suas palavras hediondas. Não era estranha a Geraldo. Quando o santo se achava em Lacedogna como esmoleiro, uma senhora fôra ter com ele em procura de consolo e alívio pela morte da mãe, por cuja sorte na eternidade ela muito se interessava. Chorosa suplicou ao servo de Deus lhe dissesse onde sua mãe estava. Geraldo então consolou-a com as palavras: “Vossa mãe está no purgatório; aconselho-vos receber quarenta vezes a santa comunhão por sua intenção, que ela ficará livre dos seus tormentos”.

Lella seguiu o conselho do santo e depois da quadragésima comunhão apareceu-lhe a mãe e agradeceu-lhe dizendo que nada mais lhe impedia a entrada no paraíso. O triste estado da boa filha comoveu o santo. Sem mais detença foi visitá-la em sua casa; saudou-a respeitosamente, como costumava, fez-lhe sobre a fronte o sinal da cruz e Lella pôs-se a cantar louvando a Deus e a SS. Virgem. Estava curada e completamente de posse das suas faculdades mentais.

A caridade de Geraldo para com os doentes surtiu o efeito desejado: abriu-lhe todos os corações. Seguro do auxílio divino atacou então os escandalosos com toda a franqueza. Sob qualquer pretexto ia visitar em domicílio os que o evitavam e, no caso de fracasso na primeira visita, conseguia o seu intento na segunda.

Os outros detinha em plena rua, falava ou gracejava amigavelmente para lhes sondar os sentimentos; achando-os mais ou menos dispostos acompanhava-os até a residência para o seu plano de assalto. Sua fé viva tornava-o orador eloqüente nessas ocasiões. Às vezes mostrava aos pecadores a sua insensatez e malícia, expondo-lhes os motivos mais convenientes para a resistência, outras vezes caía-lhes aos pés chorando e suplicando e não se levantava enquanto não se rendiam ganhos para Jesus Cristo. Não bastando a brandura, recorria à severidade; muitas vezes com um olhar ameaçador conseguia conversões, que simples palavras não realizavam.

Entre os escandalosos de Lacedogna distinguia-se um senhor de alta posição por sua incorrigibilidade. A esposa piedosa, pesarosa, conjurou Geraldo a que chamasse seu marido ao caminho da virtude e do temor a Deus. O santo consolou-a e mandou-a rezar. Conseguiu uma entrevista com o pecador e falou-lhe ao coração; suas palavras pareciam inspiradas porquanto o homem se mostrava impressionado. Enquanto Geraldo discorria sobre a infelicidade do pecador e a ruína, em que ele se precipita, operou-se no coração do esposo infiel uma transformação radical, manifestada nos sentimentos externados. O santo não se satisfez apenas com expressões de arrependimento. Antes de se despedir, exigiu do convertido a promessa de acompanhá-lo a Iliceto para os exercícios espirituais. O homem guardou palavra e o retiro que fez com a intenção de descontar os seus pecados, foi o começo de uma vida nova, edificante e feliz.

Um outro pecador não menos conhecido, gravemente enfermo, enxotava da sua casa, um depois do outro, todos os sacerdotes de Lacedogna. Nenhum conseguira, nem naquele momento tão importante, excitá-lo à contrição dos seus erros e à reparação dos escândalos dados. O santo, chamado à cabeceira do seu leito, fitou o obstinado, ajoelhou-se e rezou uma Ave-Maria ao “Refúgio dos pecadores”. O fruto da oração manifestou-se imediatamente; o coração endurecido tornou-se mole como a cera. O homem resolveu confessar-se, o padre chegou a tempo de arrancar a pobre vítima das garras de Satanás.

Não menos feliz foi o santo com um sacerdote, que esquecido da sua vocação, levava, há anos, uma vida pecaminosa. Encontrando-se com ele na sacristia no momento em que se preparava para celebrar a santa missa, chamou-o a um canto, lançou-se lhe aos pés e mostrou-lhe a gravidade dos seus pecados porquanto sempre carregado da culpa se atrevia a subir ao altar e celebrar o santo sacrifício. A humildade do servo de Deus surtiu efeito; o sacerdote caiu em si e tornou-se modelo de virtudes, mostrando-se grato ao santo todos os dias da sua vida.

Geraldo, também desta vez, hospedou-se em casa de Constantino Capucci, irmão do arcipreste. O tempo, que o santo lá passou, foram dias de bênção para toda a família, que assistia diariamente às palestras, ora breves ora longas, que o santo lhes fazia. As breves alocuções de Geraldo sobre o amor de Deus e a necessidade de salvar a alma, possuíam uma força especial, penetravam até o fundo dos corações. Essa impressão causada por suas palavras, crescia poderosamente pelos conhecimentos sobrenaturais do santo revelados nessas ocasiões.

Um dia caiu a palestra sobre a vida eterna e a bem-aventurança, preparada aos eleitos no céu. O santo falava com eloqüência empolgante; entre os ouvintes achava-se um senhor, que ao ouvir tanta eloqüência, desejou mentalmente que sua esposa também ali estivesse para ouvir o santo. Subitamente Geraldo voltou-se para ele e disse: “Mestre Ângelo, assim se chamava ele, porque não pensais em vossa própria alma, e não procurais tirar proveito das coisas que eu digo? porque pensais em vossa esposa com o desejo de ela também ouvir as minhas palavras? Enquanto pensais nos ausentes, afastai-vos daquilo que falo para utilidade geral”. O mestre Ângelo espantou-se e não pôde proferir palavra. Mais tarde confessou a Constantino Capucci, que Geraldo tinha razão.

Tão grande foi a afluência do povo, que a casa de Capucci parecia um mercado onde todos entram e saem. Procurado por todos, o pobre irmão não encontrava um momento livre durante o dia, prolongando-se esse vai e vem até alta noite. O santo recebia a todos com amabilidade e auxiliava sempre que podia.

Uma senhora de Lacedogna era atormentada de violentas tentações que lhe roubavam toda a alegria da vida; triste e aflitiva dirigiu-se ao santo em busca de lenitivo e conselho. Geraldo, descobrindo imediatamente o motivo dos sofrimentos disse-lhe com franqueza: “Senhora, vós mesma sois culpada; não sois fiel a Deus; fechai um pouco mais a porta do coração e encontrareis a paz”. A dama ficou surpreendida não pelo conselho, mas pelo fato de Geraldo conhecer tão depressa a chaga da sua alma; ela teve de confessar-se a si própria que bem insignificante era o seu esforço para se desfazer de certos apegos e fugir da ocasião próxima do pecado.
Um dos que mais consultavam o Irmão Geraldo era o bispo Mons. Amato que se não cansava de falar-lhe e pedir as suas opiniões; conferenciava com ele sobre os negócios mais importantes, e, por assim dizer, colocava-se sob a sua direção. Por isso não deixava passar nenhuma visita de Geraldo a Lacedogna sem ter com ele longa conferência. “Entreter-se com Geraldo em palestra teológica ou ascética, costumava dizer, é tornar-se seu discípulo; e quem se fez discípulo seu sai verdadeiro teólogo porquanto são sublimes as instruções que dá”.

A exemplo do prelado o cônego Capucci palestrava freqüentemente com o santo sobre coisas espirituais. Desde a missão de Lacedogna em 1746 o cônego estava sob a direção espiritual do Pe. Cafaro, mas na vida interior ainda não atingira aquela segurança, que sua posição exigia. Essa falta foi suprida pelo Irmão Geraldo, que introduziu o cônego nessa ciência tão necessária, ensinou-lhe os caminhos da vida espiritual, apresentou-lhe os pontos mais importantes, auxiliou-o a purificar-se dos sentimentos e aspirações mundanas e terrenas, e conseguiu por suas admoestações e conselhos que o excelente sacerdote levasse uma vida verdadeiramente apostólica e virtuosa e tivesse por fim, uma santa morte.

Durante a estada de Geraldo em Lacedogna, de Bisaccia, lugar vizinho aonde penetrava a fama do santo chegou um doente que voltou curado por ele. Por isso o chantre da Catedral de Bisaccia foi a Lacedogna e insistiu com o irmão para que chegasse até lá, onde um infeliz por nome Bartolomeu Melchionne, muito necessitava do seu auxílio. Melchionne, casado há um ano, contraíra uma moléstia singular, que o fazia definhar, visivelmente; tornara-se tolo com sinais de obsessão. Geraldo, comovido cedeu ao pedido do chantre e foi a Bisaccia. A sua primeira palavra a Melchionne foi: “Não é nada, não é nada; estais curado!” Pronunciou a seguir algumas orações sobre Bartolomeu que subitamente se sentiu bem. Geraldo levou-o consigo para almoçar na casa do chantre. O ex-doente comeu com extraordinário apetite e depois, em doce júbilo, entoou com o santo um belo hino.

De Bisaccia Geraldo voltou a Iliceto. De caminho portou em Rocchetta, onde um operário calabrês escandalizava o todos vivendo ilicitamente com uma mulher. Geraldo, ao chegar, ouviu do fato e mandou chamar o homem. Este obedeceu porquanto não se atrevia a recusar o convite de um homem de tamanha reputação. O santo falou-lhe ao coração com tanto acerto, que o infeliz se humilhou e compungiu. O santo penetrou em sua consciência, relatou-lhe coisas que mais ninguém podia naturalmente saber, mostrou ter conhecimento perfeito do seu coração, de sorte que o culpado ficou atônito e envergonhado; prometeu a Geraldo mudar de vida e afastar o objeto da sua paixão. Vendo o santo a contrição do operário, encaminhou-o a um confessor e ensinou-lhe como completar a sua conversão. Desde então o homem foi freqüentemente a Iliceto para pôr em ordem os negócios de sua alma. mais tarde casou-se a conselho de Geraldo e voltou para sua pátria.

Em fins de fevereiro de 1754 o santo voltou para Iliceto. Entretanto o demônio tramou intrigas que farão o nosso santo sofrer horrivelmente nos próximos meses.
Antes de descrevermos essas intrigas e as tristes horas de Geraldo, lancemos um olhar para a atividade do santo, a que já aludimos sem encontrarmos então ocasião melhor de apresentá-la em toda a sua importância e extensão. A atividade, a que nos referimos, é o seu apostolado nos conventos de freiras, sua operosidade entre as religiosas.