Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

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Caminhada para o Céu

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A razão básica da admirável vida de oração do nosso santo estava na sua íntima união com a vontade divina. Não aspirava aos êxtases e consolações celestiais, mas sim ao cumprimento perfeito e integral da santíssima vontade de Deus.



CAPÍTULO VI 

  

Vida reconcentrada em Deus

O que distingue um irmão leigo de um simples criado mudo é, como já ficou dito, a compreensão e prontidão em unir o trabalho manual e a oração de modo natural e espontâneo, de sorte que ambos se revezam transfigurando-se o trabalho pela reta intenção, repetidas jaculatórias, numa palavra, pelo espírito de devoção. 
Essa compreensão e prontidão de unir Marta e Maria, Geraldo as possuía já no mundo. Em Iliceto aperfeiçoou-as tanto que conduziu à maestria a arte de levar uma vida interior no meio das ocupações externas. 
Tannoia relata que “em Geraldo o trabalho nunca se separava do espírito da oração. Cansado das fadigas do dia, recolhia-se de noite à igreja onde derramava lágrimas diante do SS. Sacramento. 

Os exercícios de piedade prescritos pela Regra não saciavam o seu coração; procurava indenizar-se à noite entregando-se à meditação com tamanho fervor e constância que muitas vezes o encontravam, de manhã, no mesmo lugar onde o haviam deixado na noite anterior. A oração era tudo para ele; mantinha-se na presença de Deus por dissipadoras que fossem as ocupações do dia. Seu recolhimento era sempre em toda parte profundo, suas jaculatórias freqüentes e ardentes. Jesus e Maria estavam constantemente em seu coração e em seus lábios; por vezes, absorto em Deus, interrompia o trabalho, esquecido dele e do mundo. 
O santo cultivava o recolhimento de espírito com tanto empenho que o Pe. de Robertis julgou poder afirmar que ele o levou ao ponto de sempre e ininterruptamente pensar em Deus. O Pe. Juvenal, seu companheiro em Iliceto, confirmou esta afirmação. 
“Lembro-me, diz o Pe. Juvenal, que o Pe. Cafaro uma vez no capítulo das culpas lhe impôs a penitência de não pensar tão continuamente em Deus. Mas que podia ele fazer? Deus o atraía irresistivelmente a si. Andando pelos corredores do convento suspirava: Ó meu Deus, não vos quero, não vos quero”. 

Essa união com Deus era tão intensa, que se transformava muitas vezes em êxtase, privando-o totalmente dos sentidos. Aos poucos a alma de Geraldo tornou-se tão susceptível dessas grandiosas reconcentrações em Deus, que bastava uma imagem, um tom, uma palavra piedosa para arrebatá-lo do mundo dos sentidos em prolongado arroubo extático. Acompanhando, uma vez, uns retirantes para a sala de jantar, ao descer os degraus da escada, olhou casualmente para a imagem da Imaculada, que se achava em frente; foi o suficiente para ele abismar-se em êxtase prolongado, com grande admiração dos presentes. 

Uma outra vez estava aprontando a mesa para ordinandos em retiro no convento. No refeitório achava-se um quadro do Ecce Homo pendurado na parede. No meio do trabalho lançou um olhar para o Cristo e isto bastou para desatar toda a veemência do seu amor: caiu em profundo êxtase, os olhos fixos na imagem, os braços abertos e o corpo sem sentidos. Um uma das mãos tinha o guardanapo e na outra o garfo. Um irmão leigo encontrou-o nesse estado e, notando que Geraldo não terminara o serviço e o tempo urgia, quis despertá-lo e chamou-o pelo nome. Geraldo porém nada ouviu; o irmão levantou a voz, mas em vão. Foi preciso chamar o Pe. Cafaro que o tomou pelo braço, dando-lhe ordem de voltar a si. Com isso Geraldo despertou imediatamente do êxtase. O Pe. Cafaro repreendeu-o e, para humilhá-lo, passou-lhe uma descompostura que o santo aceitou com sua costumada calma e resignação. 
Coisas comuns da vida que geralmente não comovem o coração, por exemplo, o ato de comer, despertavam nele tal abundância de pensamentos e sentimentos sublimes, que não lhe era possível resistir-lhes à impressão. Os padres Juvenal e Cajone bem como o Irmão Januário Rendina atestam que Geraldo durante as refeições, muitas vezes, derramava lágrimas ou pelo pensamento na bondade de Deus que lhe dava o alimento, ou por qualquer outro pensamento santo. Nessas ocasiões segurava pão e a faca ou o garfo, olhava para o céu demonstrando toda a sua atitude a expressão do mais profundo recolhimento. Isso durava às vezes longo tempo. 

A razão básica da admirável vida de oração do nosso santo estava na sua íntima união com a vontade divina. Não aspirava aos êxtases e consolações celestiais, mas sim ao cumprimento perfeito e integral da santíssima vontade de Deus. “Quero, dizia ele, amar a Deus, estar sempre unido com Deus e tudo fazer por amor de Deus”. “O verdadeiro amor divino — acrescentava — consiste essencialmente no abandono completo nas mãos de Deus, na conformidade à sua santíssima vontade e na permanência nessa conformidade durante toda a eternidade”. 

“Ó vontade de Deus, ó vontade de Deus, exclamou uma vez, quão feliz é quem entende não querer outra coisa senão o que Deus quer”. 
Para crescer mais no amor à vontade divina, Geraldo fazia convergir todas as suas meditações, devoções, penitencias e exercícios piedosos aos grandes mistérios em que Deus manifestou com mais evidência o seu amor. 

No mistério da redenção é que ele ateava o fogo da sua devoção, procurando haurir energia e luz para a sua alma. O crucifixo era o objeto predileto da sua meditação; ouvir falar na Paixão de Cristo ou contemplar uma sua imagem era o mesmo que arrebatá-lo em êxtase. Na época em que a Igreja lembra aos fiéis esse grande mistério, aprofundava-se tanto na meditação da Paixão que parecia padecer com o Redentor. Nessas ocasiões, mormente na semana santa, dava a aparência de um homem nos estertores da agonia prestes a exalar a alma. Ouviam-no então exclamar: “Jesus morreu por mim, e eu não morro por Aquele que deu sua vida para me salvar!” 
Quando ainda no mundo, a Paixão de Cristo constrangia-o a reproduzi-la fielmente em si mesmo, assemelhando-o a seu Salvador; no convento intensificou-se ainda mais essa santa aspiração. 
“Jesus Crucificado, diz o Pe. Tannoia, era o livro que ele tinha constantemente em mãos; quanto mais o lia, tanto mais se sentia obrigado a torturar o próprio corpo”. 
E realmente julgava impossível alguém chegar ao amor de Deus sem a mortificação do corpo. “O amor divino, dizia ele, não pode penetrar na alma, quando o seu invólucro está repleto”, isto é, quando o corpo está bem nutrido; por isso maltratava a sua carne como os carrascos atormentavam a do divino Salvador. 

“Em Geraldo a ânsia de sofrer e de participar das dores de Jesus, observa o Pe. Tannoia, não ficou sem recompensa. O crucificado, satisfeito com isso, concedeu ao nosso santo uma graça insigne que costuma outorgar a poucos dos seus servos, v. g. Francisco de Assis, Santa Catarina de Sena e outros, a graça de sentir verdadeira e misteriosamente as dores da Paixão. 

Geraldo pediu expressamente essa graça. Fresco e sadio nos dias comuns, mudava completamente de cor e feições na sexta-feira santa; tinha então a aparência de um homem curvado pela dor; parecia entrar em agonia e vertia copioso sangue. Indescritíveis eram os sofrimentos interiores e a aflição que nessa ocasião sentia. Ao começar porém a noite do sábado de Aleluia, tudo se transformava outra vez; a fraqueza cessava e Geraldo podia dedicar-se novamente às suas ocupações”. 

Além da sagrada Paixão, que era o assunto predileto das suas meditações, três outros mistérios da religião preocupavam de preferência a alma de nosso santo: o mistério da Encarnação, o do SS. Sacramento e a Imaculada Virgem, obra prima do poder e da graça divina. 

Como o leitor se lembrará, o Menino Deus comunicou-se visivelmente com Geraldo já nos dias de sua mais tenra infância e mostrou-lhe a carreira que tinha a seguir. Essa recordação calou indelevelmente na sua memória; parece que também mais tarde o nosso santo foi honrado mais vezes com a visita do Menino Deus; o divino infante era por isso o objeto de meditação e devoção, que ele não precisava mais procurar porquanto já o tinha sempre ante os olhos, o amava e venerava desde sempre. 
O seu biógrafo Pe. Tannoia e outros que o conheciam bem, contam que ele sempre hauria consolação indizível da devoção ao Menino Deus. De quanto júbilo não o inundava a festa do Natal! Prazer particular experimentava ao enfeitar o presépio e a igreja para essa festa do Senhor. Porém mais ainda se empenhava em preparar e adornar a sua alma; fazia uma novena própria na qual jejuava muito e dormia pouco. A noite de Natal ele a passava na igreja ou em sua cela em oração e contemplação com tanta alegria como se estivesse ouvindo com seus próprios ouvidos o Glória dos anjos do céu. 

O SS. Sacramento, como o presépio, exercia força de atração sobre a sua alma já muito antes de ele ingressar no convento; na vida religiosa porém ela cresceu consideravelmente e aperfeiçoou-se em sua eficácia. No convento passava diante do altar menos tempo do que quando estava no mundo; procurou suprir pelo fervor o que lhe faltava em tempo. Diante do altar sua alma devorava-se em labaredas de amor. Durante a exposição solene não conseguia, às vezes, ocultar aos olhos dos presentes o incêndio do seu coração, perdia os sentidos e arrebatava-se em êxtase de amor e alegria. Mormente nas ocasiões em que esse mistério adorável é proposto de modo especial à veneração dos fiéis, o seu espírito não repousava. 

No dia de Corpus Christi e durante a sua oitava era tomado de uma alegria indescritível, que contrastava com a tristeza indizível que o fazia agonizar na sexta-feira santa. Um dos seus exercícios mais queridos era a visita ao SS. Sacramento para a qual empregava todo momento livre. Gostava do ofício de sacristão porque assim tinha ocasião de se aproximar mais vezes do altar, e porque com o seu trabalho podia apresentar ao mesmo tempo as suas homenagens a Jesus Sacramentado. Porém mesmo fora do tempo determinado para o serviço na igreja, achava horas livres para essas expansões do amor. Geralmente empregava para isso o tempo concedido, pelos usos do paiz, para a sesta depois do meio-dia; enquanto os outros repousavam ele ia à igreja e rezava. O mesmo fazia muitas vezes à noite. 

“Era tocante ver, diz Tannoia, como nessas ocasiões o amor de Jesus no coração de Geraldo entrava em conflito com a obediência, cabendo sempre a esta última a vitória. Achando-me eu uma vez na igreja sem ele me perceber, vi como ao ausentar-se ele dobrava o joelho diante do altar achando dificuldades em se levantar; uma vez, sentido-se como que preso ao sacrário, levantou a voz dizendo: “Deixai-me ir, que tenho mais que fazer”. Depois saía às pressas como se empregasse violência para se ausentar de perto do tabernáculo”. 

O amor ao SS. Sacramento que lhe abrasava o coração, o santo o procurava comunicar também a todos que encontrava. A constatação de que as igrejas ficam vazias ao passo que as praças públicas regurgitam de povo, enchia-o de dor, mas também do desejo ardente de procurar, quanto possível, adoradores, amigos e visitadores de Jesus Sacramento. Não se contentava em agir apenas com o bom exemplo, recorria também às admoestações e amáveis convites. Em toda a parte, dentro e fora de casa, conseguia guardas de honra para Jesus Sacramentado. “Aos seus esforços, diz Tannoia, se deve o fato de em muitos lugares existir o costume de se visitar Jesus no SS. Sacramento”. 

A devoção de Geraldo à SS. Virgem manifestada e comprovada já na sua infância, tornou-se mais terna e perfeita no convento de Iliceto.  
Digno filho de Santo Afonso festejava os sábados e as novenas em honra de Maria com orações especiais e penitências de toda sorte; passava regularmente na igreja, em oração, a noite que precedia às grandes festividades da divina Mãe. 
Três privilégios da SS. Virgem deliciavam o seu coração, de um modo especial, e constituíam o objeto de suas contemplações profundas: a maternidade divina, o seu título de Rainha dos Mártires e sua Conceição Imaculada. 

Este último mistério não fora ainda, naquele tempo, solenemente definido como dogma de fé; Geraldo, bem como todas as almas que sentiam e viviam com a Igreja, era acérrimo defensor desse privilégio singular de Maria, fazendo assim coro com os seus confrades investidos da dignidade sacerdotal, os quais se obrigavam por voto a defendê-lo a todo transe. 
O ofício de sacristão oferecia-lhe ocasiões sempre aproveitadas, de mostrar de muitas maneiras o seu amor a Maria e o zelo pela sua honra e glória. Assim como encaminhava para o SS. Sacramento as pessoas que encontrava, incentiva-as à devoção da SS. Virgem; nunca lhe faltava ensejo de proferir uma palavra sobre a devoção a Maria ou de recomendar algum sacrifício em sua honra. Tinha sempre consigo terços e escapulários e distribuía-os para assim despertar ou aumentar a devoção à Mãe de Deus. Quando não lhe era dado cooperar diretamente para incendiar os corações de amor para com sua Rainha, expandia a sua alma adornando, ao menos, os seus altares com cuidado e gosto e, mais tarde, organizando em toda a parte pomposa e edificantes procissões e outras festividades em honra de sua Rainha. 

Não há dúvida, esse zelo de Geraldo produziu abundantes frutos e conquistou inúmeros devotos para a SS. Virgem. Também é certo que tamanho zelo não ficou sem recompensa, pois que mais de uma vez a Mãe de Deus demonstrou de maneira extraordinária a sua benevolência para com o seu servo nos anos que passou em Iliceto. Sabemos já que uma vez Geraldo foi arrebatado em êxtase prolongado à vista de uma imagem da Imaculada; podemos supor com fundamento que tão grande graça não se limitou apenas a esse fato. 

Os padres Juvenal, Petrella e Cajone afirmam que o santo contemplou uma vez face a face a SS. Virgem, que lhe apareceu em sua radiante formosura, quando Geraldo lhe fazia, de noite, a guarda ante a sua imagem, e manifestou-lhe o seu afeto com toda a ternura de seu coração materno. Não ficou só nisso a recompensa do seu zelo. Maria patenteou, repetidas vezes, em público o seu agrado e amor para com o seu servo. Tannoia relata um fato surpreendente a esse respeito, mencionando também a fonte donde o tirou. 
Uma vez Geraldo acompanhado de dois jovens camponeses, de volta para a casa, chegou perto de uma igreja consagrada à SS. Virgem. Não pôde resistir ao ensejo de falar das sublimes prerrogativas da Rainha do céu. Mal começara a palestra, sentiu-se extraordinariamente comovido e, não podendo já conter-se, tomou uma folha de papel, escreveu algumas palavras e atirou-a ao ar como se na terra enviasse uma carta à sua Rainha celeste; deu um salto, e a veemência do seu amor e a alegria da sua alma pareceram dominar a gravidade do corpo. 

Geraldo levantou-se do solo e voou pelos ares diante da estupefação dos companheiros que o seguiam com seus olhares; dez minutos durou o êxtase, até que, diminuindo-se aos poucos a força maravilhosa, o servo de Deus baixou novamente à terra. Esse fato, narrado pelas duas testemunhas oculares, difundiu em toda região a fama da grande santidade de Geraldo. 

Esse vôo extático parece haver despertado no nosso santo todas as outras energias maravilhosas. À porta do convento encontrou Geraldo um jovem a chorar. Este ouvira falar da santidade do irmão. Atacado de um cancro incurável na perna, resolveu recorrer ao santo. Com grande dificuldade dos pais, impelidos pela insistência do filho, transportaram-no até à porta do convento, onde ficou esperando a volta de Geraldo. Interrogado pelo irmão que desejava saber o motivo das suas lágrimas, explicou-lhe o seu sofrimento com palavras entrecortadas de soluços. Era pobre a agora se via na dura necessidade de mendigar por causa da doença que o impossibilitava de ganhar o pão. Geraldo abraçou-o, pediu que lhe mostrasse o pé enfermo e com suas próprias mãos desatou os panos e viu o pé roído por asqueroso cancro; abaixou-se, colou os lábios à chaga e, vencendo heroicamente a repugnância natural, sugou o asqueroso conteúdo e disse: “Confia em Deus, meu irmão, a tua chaga será curada”. Atou outra vez o pé com todo o cuidado; as dores desapareceram instantaneamente. A alegria do doente foi tanta, que ele, em lágrimas de gratidão, caiu aos pés do seu benfeitor chamando-o “um santo — um anjo de Deus”. 

Geraldo admoestou-o à prática das virtudes, deu-lhe uma esmola e despediu-o. Na manhã seguinte o enfermo ao desatar novamente os panos achou a ferida completamente fechada, como Geraldo predissera. Nova alegria, novo júbilo! De então em diante o jovem curado apregoou em toda a parte a santidade de Geraldo, narrando a cura miraculosa operada em sua pessoa. 
O supramencionado vôo extático não foi um caso isolado, repetiu-se mais vezes durante a estada de Geraldo em Iliceto. Uma tal Magdalena de Flumeri relata no processo da beatificação um outro não menos surpreendente, do qual sua tia Rosaria Bertucci fora testemunha. 

Ouçamos a sua narração: “Rosaria, alma piedosa desde a infância, ia muitas vezes confessar-se no convento de Iliceto. Sucedeu encontrar-se com esse grande amigo de Deus (Geraldo), que voltava da vila de Iliceto ao seu convento. Ele que a conhecia de há muito pediu-lhe levasse à casa dos padres uma peça de roupa que lhe havia entregue. Modesto, como era, tomou a dianteira até uma capela em que entrou. Ao sair abriu os braços, elevou-se nos ares e voou, um quarto de hora, da capela até o convento. Minha tia, testemunha desse milagre, ficou obstupefata e observou fixamente o vôo admirável do princípio ao fim. Jamais se esqueceu desse milagre estupendo do servo de Deus”.  


A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA

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