Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ao lado dos doentes, eram os pobres objeto da caridade especial do nosso santo. A vista de um pobre sensibilizava-o.




A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO VII 

Severo consigo, amável com os outros 

É próprio da genuína piedade produzir e fomentar no coração duas aspirações, aparentemente opostas, mas que prosseguem o seu fim na mais bela harmonia ajustando-se mutuamente: o rigor contra si próprio e a amabilidade com o próximo. 

Da austeridade de Geraldo consigo mesmo já nos convenceu a sua vida no século; no convento ela intensificou-se elevando-se até ao mais alto grau. Examinando a cela, a roupa etc. de Geraldo, encontraremos em toda parte a mais extrema pobreza. 

Com a permissão do Pe. Cafaro escolhera-se o santo para habitação o canto mais escuro da casa, onde estendeu o seu leito, ou antes, o seu flagelo. Este consistia em um enxergão com palha nas beiras e pedras pontudas no centro e uns tijolos que serviam de travesseiro. Nesse leito é que gozava um curto descanso, que procurava ainda ficar com a posição incômoda que tomava. Essa espécie de cama ele a usou até o fim da vida; em Caposele, onde faleceu Geraldo, um confrade teve a curiosidade de examinar o leito do santo e achou-o todo cheio de pedras e espinhos. 

Além da cama Geraldo só tinha uma cadeira na cela. O adorno eram algumas caveiras colocadas ao redor do leito. Estava convencido de que merecia somente esse rigor e essa pobreza; habitação melhor parecia-lhe luxo desnecessário. Perguntando-lhe um confrade o motivo de tamanha pobreza, respondeu: “Faço assim porque o mereço; faço-o por amor do meu Deus e Criador”. 
Quando Mons. Basta, bispo de Melfi e Mons. Amato, bispo de Lacedogna, foram fazer o retiro espiritual em Iliceto, ficaram estupefatos à vista da cela do santo, não encontrando palavras que pudessem interpretar o seu assombro diante de tanta pobreza e austeridade. 

Mais tarde recebeu Geraldo, muito a contragosto, uma cela regular, de que poucas vezes se servia. Sempre que apareciam hóspedes no convento para o retiro espiritual ou para qualquer outro fim, Geraldo oferecia logo a sua cela e ia dormir sobre o pavimento em qualquer canto da casa ou, mais freqüentemente, na igreja, onde procurava algum esconderijo mais do seu gosto. O altar-mor era oco, podendo fechar-se por uma pequena porta, e bastante espaçoso para alguém lá se estender. Lá gostava Geraldo de repousar nessas ocasiões, porque ficava mais perto do SS. Sacramento e debaixo do altar onde diariamente se celebrava o santo sacrifício. 

Só uma vez sentiu-se um tanto vexado nesse seu lugar predileto. Depois de prolongada vigília foi Geraldo repousar pouco antes do despontar da aurora. Fatigado adormeceu logo tão profundamente que só acordou depois de começada a primeira missa; despertou-se ao som da campainha que tocava à elevação. Não podendo deixar o seu esconderijo sem trair a sua mortificação e causar admiração e distração aos assistentes, teve de permanecer debaixo do altar até o fim das missas. 

Às vezes, quando Geraldo tinha de ceder sua cela aos hóspedes, recolhia-se à estrebaria onde descansava sobre a palha ao lado dos animais de carga. 
Quando os superiores lhe deram ordem de usar, como os outros, um simples colchão, proibindo-lhe dormir sobre a terra nua e sobre pedras, Geraldo pediu com tanta insistência lhe permitissem dormir como até então, que os superiores julgaram dever atendê-lo em parte; permitiam-lhe descansar sobre tábuas e tomar tijolos por travesseiro apenas três vezes por semana. Foi-lhe igualmente concedida a licença de carregar-se de pedras aos pés e de levar nessas ocasiões, uma corrente de ferro ao redor das têmporas. 
Quanto ao vestuário observava o santo o mesmo rigor e austeridade. Como alfaiate era ele que distribuía a roupa à comunidade; reservava para si as peças mais velhas e estragadas. Vestia-se tão pobremente que quase não era reconhecido pelos seculares, ocasionando sua pobreza mal entendidos cômicos, como teremos ocasião de ver. Embora observasse extrema pobreza, procurava o asseio em tudo, detestando a negligência e a imundície. 

A sua austeridade quanto à alimentação já tivemos ocasião de mencioná-la. Temos apenas a acrescentar que a respeito de comida e bebida, como de outras necessidades terrenas, Geraldo se abandonava inteiramente à divina Providência, não se preocupando com o resto. Embora nunca descuidasse de coisa alguma confiada à sua solicitude, não sabia cuidar de si, mesmo em se tratando das coisas mais necessárias. 

Quando saía de casa para algum negócio, o superior tinha de lhe indicar o modo como se prover do indispensável para as suas necessidades, porque ele cuidava tão pouco disso como os pardais da sua alimentação; entregava-se inteiramente aos cuidados da divina Providência. 
Um dia enviaram-no a Acadia; tinha de partir de manhã e como o Pe. Ministro se esquecera de lhe dar café com mistura, fez em jejum a longa jornada; ao chegar ao termo da viagem sentiu tanta fraqueza e cansaço que caiu desmaiado. Ele nem se lembrara de tomar, de caminho, algum alimento que lhe restaurasse as forças. 
Se era cruel para si, Geraldo para os outros era a amabilidade personificada que abrangia a todos com desvelo maternal, e a mais desinteressada caridade iluminada e consolidada por motivos sobrenaturais. 

Era natural que os confrades ocupassem em seu coração o primeiro lugar. Já temos mencionado a presteza com que auxiliava os irmãos leigos, seus companheiros de trabalho; também já deduzimos os princípios por ele seguidos na convivência com seus irmãos de hábito; queremos apenas notar que Geraldo os executou à risca, tornando-se consumado modelo de caridade fraterna. 
Como alfaiate achava sempre ocasião de exercer essa solicitude que nunca lhe passava despercebida, porquanto cada dia dava evidentes provas de atenção, obsequiosidade e gentileza. 
Na medida que se alegrava com a falta de qualquer coisa necessária para si, amargurava-se em percebê-la nos outros. Por ocasião de um rigoroso inverno despiu-se de sua camisa de flanela para dá-la a um necessitado. Nunca quis possuir coisa mais cômoda do que os outros. Cedia ao próximo tudo o que possuía de bom, tomando para si “o que Deus lhe dava”, como se costumava expressar, “porque, dizia ele, assim todos ficam satisfeitos e eu também”. 

Nutria especial amor aos doentes. Em caso de enfermidade de algum confrade, visitava-o ao menos uma vez por dia para consolá-lo e prestar-lhe algum serviço, mesmo quando não lhe confiavam o cuidado dos enfermos. 
Embora nesse particular os confrades fossem os preferidos, os outros não ficavam excluídos dos seus cuidados e atenções. 

O cônego Francisco Antônio Sabatelli de Melfi adoeceu gravemente em uma de suas visitas a Iliceto. Embora o nosso santo não o conhecesse mais de perto, prontificou-se a prestar-lhe todos os serviços necessários e a permanecer dia e noite à cabeceira de seu leito. Sabatelli nem suspeitava que, por sua causa, o bom irmão se privava do sono; ficou sumamente comovido quando uma vez, ao acordar à noite, percebeu Geraldo a velar ao pé do seu leito. Tão grande e desinteressada caridade edificou o cônego, que por gratidão teceu em toda parte o maior elogio ao nobre Irmão Geraldo. 

Ainda mais admirável patenteou-se a caridade do servo de Deus em uma outra ocasião. Na casa de Iliceto achava-se casualmente um ermitão, que caiu gravemente enfermo. Esse infeliz iludira até então o mundo, não levando a vida, que seu hábito fazia supor. A sua doença era excessivamente nojenta, exalando do seu corpo um mau cheiro insuportável, de sorte que só por necessidade, dele se podia aproximar. Para Geraldo era isso mais um motivo para tratá-lo com o maior desvelo; cuidou dele com todo o carinho e tornou-se em tudo o seu bom anjo da guarda. Com todo gosto teria salvo aquela alma, que se achava em tão triste estado, mas não o conseguiu. 

Debalde expôs ao moribundo todos os motivos possíveis de contrição e de confiança na misericórdia divina; em vão procurou acender em sua alma as últimas centelhas de fé; a chama não se formava, o coração permaneceu empedernido; o hipócrita, que rejeitara tantas outras graças, desprezou também esta última. Morreu impenitente. Apesar de tudo Geraldo julgou dever continuar a sua caridade e recomendou a Deus a alma do finado com todo o fervor, até que um dia o infeliz lhe apareceu e disse com voz horrorosa: “Não rezeis mais por mim, estou condenado pelo justo juízo de Deus!” Geraldo ficou tão aterrado com essa revelação que nunca mais a pôde esquecer. 

Justamente nessa época Deus, querendo talvez consolar o coração do seu servo e fortalecer a sua confiança, deu-lhe a entender novamente e de modo insofismável que a força e o auxílio divino estavam a seu lado em medida extraordinária. 

Na cidade de Iliceto havia um rapaz tuberculoso em estado desesperador. O médico declarou incurável a moléstia “porque, disse, para curá-lo seria preciso ter o poder de formar novos pulmões”. O doente e sua família recorreram ao céu, e sabendo que Geraldo era um grande santo, dotado do dom dos milagres, pediram ao Pe. Reitor permitisse ao irmão uma visita ao enfermo. Concedida a licença, o santo dirigiu-se à casa do tuberculoso, justamente na hora em que o médico lá se achava. Na presença deste, Geraldo consolou o rapaz, admoestou-o à piedade e aconselhou-o a depositar toda a sua confiança em Deus, “em cujas mãos — como ele se expressou — estão os destinos dos homens, e do qual ele poderia esperar a saúde”. 

Estas palavras tão contrárias à declaração do médico indignaram-no sumamente; reafirmou ao doente e a toda a família o que havia dito antes e tornou a declarar o péssimo estado do doente. 
“Ele não pode sarar, disse, os pulmões estão putrefatos”. Em seu ponto de vista o médico não podia dizer outra coisa; mas Geraldo que se firmava em outras bases replicou: “Bem, os pulmões podem estar deteriorados e consumidos, mas não credes que Deus, Criador de todas as coisas, pode formar um novo pulmão ou restituir o pulmão afetado do doente ao seu antigo estado? Queira Ele operar agora este milagre para nos corações dos crentes se consolidar a confiança e todos se animarem a recorrer a Ele!” Dito isto estava já para sair, quando os pais lhe pediram quisesse incluir o doente em suas orações. Geraldo prometeu fazê-lo e guardou palavra. A sua oração foi de uma eficácia admirável. O estado do doente melhorou instantaneamente e em poucos dias o rapaz estava completamente restabelecido. Todos ficaram pasmos, sobretudo o médico que publicamente confessou o milagre sem o qual a cura jamais se efetuaria. 

Ao lado dos doentes, eram os pobres objeto da caridade especial do nosso santo. A vista de um pobre sensibilizava-o; sempre que possível todos os indigentes podiam contar com o seu auxílio; mesmo os que se achavam temporariamente em apuros, podiam estar seguros da sua caridade. 
Encontrou-se um dia com um pobre velho carregando sobre a cabeça um feixe de lenha, que lhe dificultava o passo. Geraldo correu, tomou-lhe o feixe e sobre seus próprios ombros levou-o até à cabana do velho. 

Coisa semelhante deu-se também em Santa Agueda de Puglie. Ao subir uma colina íngreme, notou que uma pobre mulher, depois de lavar a roupa no ribeirão, carregava o fardo lutando com o peso. Geraldo compadecido livrou-a do peso que colocou sobre a sua cabeça. Ao entrar na cidade sentia acanhamento de parecer um carregador, venceu porém o respeito humano que se despertava, e só entregou à mulher o fardo, depois de chegado à sua habitação. 
“Nesse ato de caridade, observa Tannoia, ele imitou fielmente o irmão Vito Curcio que em Scala costumava aliviar desse modo os carregadores”. 

Um outro exemplo de amabilidade serviçal deu Geraldo, quando, ao acompanhar diversos clérigos que iam ser ordenados, encontrou diante de um rio que transbordara excepcionalmente uns operários que, embora tivesse de entrar em trabalho, não se atreviam a transpor a água. Geraldo que se achava do outro lado, atravessou o rio a cavalo e transportou todos, um a um, em poucas viagens, sem maiores novidades. Uma testemunha atesta que o santo, nessa ocasião, agiu com calma e segurança, como se cavalgasse em terra firme e não sobre ondas espumantes; todos os perigos pareciam desaparecer aos olhos do santo irmão. Gritavam-lhe que tomasse cuidado, ao que ele respondia apenas: “Caridade”, e tocava o cavalo dizendo: “Vamos, cavalinho, por amor de Deus”. 

Nessa mesma viagem ele e os clérigos chegaram a uma outra torrente também a transbordar, que era necessário atravessar. Geraldo não se alterou; fez com os clérigos o que fizera com os operários e conseguiu levá-los, um a um, para o outro lado.  
Se o santo desenvolvia esse ardor de caridade em se tratando apenas de interesses materiais, muito mais zeloso era quando estavam em jogo os bens eternos, a salvação das almas. Dai sua oração constante pela Santa Igreja, pela sua difusão sobre a terra, por seu chefe espiritual, o Santo Padre, pelos bispos e sacerdotes, pelos missionários, sobretudo por seus confrades que no púlpito e confessionário trabalhavam pela glória de Deus e salvação das almas. 

O pensamento de o mundo ser tão frio e indiferente para com o amor divino, o afligia e torturava; desejava abrasar a todos com o fogo que o devorava. Espetáculo arrebatador era-lhe as almas abrasadas e santas, que serviam ao Senhor e por ele se sacrificavam. 
Do outro lado perturbava-se profundamente só ao ouvir falar no pecado. Com gosto daria sua vida para impedi-lo. Queixava-se e entristecia-se ao refletir na ingratidão dos homens que ofendem a Deus, frustrando assim os frutos da sagrada Paixão do Salvador; gemia então e suspirava enquanto torrentes de lágrimas despencavam-se de seus olhos. Daí se compreende porque tanto amava as benditas almas do Purgatório. Pela conversão dos pecadores era capaz de todos os sacrifícios; por ela oferecia a Deus, as boas obras, orações, comunhões e sofrimentos. 

Podemos com fundamento afirmar que já então nutria o sentimento que o fez exclamar mais tarde: “Oxalá, meu Deus, pudesse eu converter tantos pecadores quantos são os grãos de areia nas praias do mar, as folhas nas árvores, os cálamos nos campos, os átomos no ar, estrelas no firmamento, raios de luz no sol, na lua e nas estrelas, e criaturas no mundo inteiro!” 

Encontrando-se o santo com algum pecador, cuja alma esperava poder salvar, a sua simplicidade transformava-se em energia, seu silêncio em eloqüência, sua modéstia em dignidade; descobria os argumentos mais convincentes e falava, suplicava e conjurava com tanta importunação, que era impossível resistir-lhe. Muito raramente esforçava-se em vão pela conversão de um pecador, e pouquíssimas vezes recaíam os convertidos na vida de pecados. Em se tratando da salvação de uma alma, não conhecia atenções nem perigos, embora nunca ultrapassasse os limites da prudência e conservasse sempre a calma própria ao verdadeiro zelo, que quer ganhar os corações. 

Um gentil homem possuía perto de Iliceto uma propriedade, cortada por um caminho que ia a Foggia. Devido aos prejuízos, que lhe advinham disso, fechou a estrada que passava por seu terreno e contratou para esse fim uns guardas que não poucas vezes exorbitavam das suas funções, maltratando o povo com grosserias e pancadas. 
Um dia aconteceu passar por lá o nosso santo de volta de Foggia, para onde fora tratar de alguns negócios por ordem dos seus superiores. Sem nada suspeitar atravessou a estrada, montado em sua cavalgadura, quando um dos guardas, franzindo o rosto, se precipitou sobre ele. Esse tal era um notório monstro da crueldade. 

O bom irmão teve de experimentar em si a realidade da má fama do guarda, que o agrediu debaixo de blasfêmias horrorosas e o espancou com a coronha de sua espingarda, de sorte que Geraldo quase sem sentidos, caiu do cavalo com uma das costelas quebrada. O monstro, não satisfeito ainda, continuou a bater-lhe, com crueldade, sobre o peito e o lado. “Já de há muito, disse ele, estou à espera de um frade, para satisfazer o meu ódio, chegaste a tempo”. 
Mal cessara o monstro as suas pancadas, tentou Geraldo levantar-se para se prostrar aos pés do seu inimigo e pedir-lhe perdão. “Nada de desculpas, nada de pretextos” gritou o guarda, e recomeçou os maus tratos. Vendo o santo que o homem não se deixava comover, conformou-se com a sorte, pôs as mãos e disse: “Batei, irmão, batei que tendes razão para isso”. 

Esse ato de humildade e paciência foi como água na fervura. Sua resignação, calma e incompreensível sede de sofrimentos subjugaram o monstro, que da crueldade passou ao arrependimento; lançou para longe a arma e exclamou entre soluços, levando as mãos à cabeça: “Que fiz eu? ah, assassinei um santo”. Lançou-se aos pés de Geraldo, pedindo-lhe que perdoasse e esquecesse aquela brutalidade. 
O pedido foi facilmente atendido. O santo abraçou o pecador arrependido, duplamente satisfeito por haver padecido e salvo a alma do infeliz; renovou as suas desculpas e pediu-lhe que o ajudasse a montar e o acompanhasse até o convento. 

De caminho nenhuma queixa caiu dos lábios de Geraldo; lamentava apenas o estado deplorável da alma do seu condutor, pôs-se a falar de coisas próprias para fazer cair em si; pintou-lhe a fealdade do pecado mortal, discorreu sobre a bondade de Deus ofendido e mostrou-lhe a horribilidade do inferno; interessava-se tão somente pela salvação daquela alma. 
Meio morto chegou Geraldo em casa; interrogado pelos confrades pela causa de tão lamentável estado, o santo, para não comprometer seu companheiro e para terminar a sua obra de caridade, respondeu apenas que havia levado uma queda desastrada; louvou a seguir, a bondade do homem que o acompanhou até o convento; soube enaltecer tanto o benefício recebido, que o guarda voltou para casa coberto de presentes. Geraldo despediu-se dele com as palavras: “Irmão, peço-vos que não façais mais a ninguém, o que fizestes a mim; do contrário ter-vos-íeis de arrepender muito”. 

Essas novas provas de inconcebível caridade, enterneceram o coração do guarda, o qual se abriu inteiramente à oração da graça; depois de narrar publicamente o ocorrido, voltou a Iliceto onde fez, entre lágrimas e soluços, a sua confissão geral. Mas o infeliz não perseverou em seus bons sentimentos; para a sua constância no bem seria necessário um esforço heroico, um combate sem tréguas contra sua natureza tão inclinada para o mal; o guarda não quis esforçar-se nem combater, e por isso reincidiu no vício que em Iliceto havia deplorado e detestado. 

Um dia, fazendo a guarda, tentou espancar um indivíduo que passava pela estrada e que não possuía a paciência e a santidade de Geraldo. O cavaleiro saltou de sua cavalgadura, arrancou-lhe das mãos a espingarda, espancou-o deixando-o quase morto no chão. Em vez de ver nisso o dedo de Deus, continuou obcecado. Em um novo encontro, uma bala inimiga tirou-lhe a vida, não lhe dando tempo de se reconciliar com Deus. 

Geraldo chorou amargamente a morte do guarda, do qual conservou recordação perene em toda a sua vida, porque, em conseqüência daquelas pancadas, o peito continuou sempre a expelir sangue, causando-lhe extrema fraqueza; nunca porém contou a ninguém a causa dessas hemorragias; antes ao contrário procurou ocultá-la o mais possível. Surpreendido por um irmão por ocasião de um desses vômitos de sangue, Geraldo pediu-lhe não o contasse aos superiores: “Far-me-eis, disse, um grande favor se não disserdes nada a ninguém; já tenho tido desses ataques, repetidas vezes, e nunca me julguei obrigado a dizê-lo a pessoa alguma”. 

Se o zelo de Geraldo na conversão do infeliz guarda não foi coroado de completo êxito, em milhares de casos análogos conseguiu ver o efeito feliz de seus esforços. 
Entre os que em Iliceto foram fazer o retiro achava-se uma vez um senhor de nobre aparência, o qual, resolvido a pôr em ordem os negócios de sua alma, começou os exercícios com a maior boa vontade; o infeliz não tardou a perder a tranqüilidade de espírito. O inimigo procurou levá-lo ao desespero pela lembrança das inúmeras ofensas feitas a Deus, da grandeza da sua ingratidão e da dificuldade de uma verdadeira e completa conversão. O pecador perdeu a coragem e o gosto de trabalhar na salvação da sua alma; tomou por fim a resolução de voltar para casa e não se incomodar mais com coisas espirituais. 

Nesse estado encontrou-o Geraldo, que por uma revelação divina conhecera a tempestade desencadeada no coração do infeliz e a sua prostração espiritual. Sem rodeios o servo de Deus interpelou-o: “Que tendes, senhor? resisti a essa desconfiança que vem do inferno; Deus e a SS. Virgem vos hão de auxiliar!” O rubor ascendeu às faces do retirante; viu-se descoberto e desconcertado; logo porém as palavras de Geraldo o tranqüilizaram e confortaram e ele, livre dos ataques do inimigo, dissipou os pensamentos lúgubres e cooperou com a graça até o fim. 

Um outro retirante, cedendo à tentação, não confessou sinceramente os seus pecados. Não obstante quis tomar parte na comunhão geral. Geraldo, que estava o coro a rezar, iluminado por Deus, foi ter com ele, chamou-o à parte e, com bondade, mostrou-lhe a gravidade do crime que ia cometer. O assombro, a confusão, a vergonha apoderaram-se do pecador diante dessa manifestação do Irmão. Caíram-lhe as escamas dos olhos; a sua malícia ficou patente aos olhos de sua alma em toda a sua detestabilidade e vileza; procurou sem mais detença um confessor e fez uma sincera e detalhada confissão das suas culpas. No excesso da sua contrição dirigiu-se à igreja, onde todos estavam reunidos, ajoelhou-se e disse em voz clara: “Eu me envergonhei de contar aos padres os meus pecados, mas o Irmão Geraldo m’os descobriu; agora, para confusão minha, quero manifestá-los a todos”. O penitente teria feito a declaração pública de seus delitos, se um dos sacerdotes presentes não lhe tivesse proibido. 

Caridade ainda maior e mais admirável demonstrou o santo a um sacerdote, enviado pelo bispo Amato de Lacedogna ao convento de Iliceto, para o retiro espiritual. Esse homem manchara a sua batina, escandalizando o povo com seu mau procedimento. Todos os meios, severidade e brandura empregados na sua conversão, haviam fracassado até então. Es-se retiro imposto pelo prelado, ele o fez externamente bem, mais o seu interior continuou na mesma, porquanto estava resolvido a não mudar de vida. 
Hipócrita até o fim, ousou aproximar-se com os outros da mesa da comunhão. Geraldo encontrou-se com ele: “Para onde vai, senhor?” perguntou detendo-o. “Vou comungar”, respondeu o infeliz. “Comungar? replicou Geraldo em tom de indignação, comungar? o senhor vai comungar e não se confessou deste, daquele, e daquele outro pecado! Vá confessar-se já, e confessa-se bem, se não quiser que a terra o devore!” Apavorado com aquelas palavras, que traíam um olhar sobrenatural sobre o seu coração, o sacerdote caiu em si, confessou os seus pecados e fez sincero propósito de mudar de vida. 

Com as melhores resoluções deixou o convento dos redentoristas e voltou para a sua terra. O seu fervor conservou-se ainda uns meses; mas depois retornou o infeliz ao estado anterior e tornou-se pior do que antes. 
Apesar disso voltou, o ano seguinte, a Iliceto para o retiro. À pergunta de Geraldo sobre o estado da sua consciência atreveu-se a responder que, graças a Deus, tudo ia bem, pois que não recaíra nos pecados passados. O nosso santo porém, por iluminação divina, conheceu o verdadeiro estado daquela alma; desolou-se com a mentira atrevida, que era para ele o sinal evidente de que o infeliz tornara a cair nas garras do “pai da mentira”. 
O seu zelo apostólico não quis desanimar ainda quanto à salvação daquela alma, por mais difícil que lhe parecesse. Serviu-se dos meios mais eficazes para tais empresas; pediu a Deus o munisse de força, caridade e paciência; tomou um crucifixo, foi ao quarto do sacerdote e fechou a porta e as vidraças. Estava excitadíssimo; em seu coração agitavam-se os sentimentos de um ardente zelo, de terna caridade e nobre indignação, sentimentos esses que se espe-lhavam em seus olhos e em todo o seu exterior. Sem mais preâmbulos começou: “Que é isto senhor! —   

Tivestes o atrevimento de ofender de tal forma a Deus, ah! ingrato e mentiroso”. — Como? “Não fizestes nada? Não recaíste? Vede as chagas de Jesus Cristo; contemplai-as; quem é que as abriu senão vossas iniqüidades? Quem, senão vós, arrancou de suas veias o sangue divino!” Geraldo segurava, entretanto, o crucifixo antes os olhos do pecador; e eis — das mãos e dos pés da imagem jorrou fresco e abundante sangue — milagre estupendo que não deixou de impressionar o pobre sacerdote. Mas Geraldo continuou o seu sermão aterrador: “Que mal vos fez ele? e, com crescente zelo — por vós quis ele nascer como uma criancinha no presépio, por vosso amor despojou-se de tudo, reclinado sobre a palha”. Enquanto Geraldo assim falava, o sacerdote via o menino Deus nas mãos do irmão. “Como? continuou, ousais zombar-vos do vosso Deus, achincalhá-lo dessa forma? Sabei que isso não fica sem castigo; Deus é bom, mas por fim castiga. Também vós haveis de experimentá-lo se não cessardes as vossas desordens. O que vos espera — eis!” Geraldo fez um sinal com a mão e diante do pecador apareceu o demônio esquálido e ameaçador. O pecador tremia em todo o corpo, transido de medo e pavor. “Retira-te, besta infernal!” ordenou Geraldo ao perceber a boa impressão causada. A aparição dissipou-se. — O coração do pecador estava profundamente abalado e repleto de pavor e contrição. A imagem do celeste Amor e do infernal Ódio abrandara-o completamente; era-lhe já impossível resistir. Mal Geraldo se ausentara, correu ao Pe. Petrella, confessou-se e narrou-lhe o milagre, que o curara da sua hipocrisia. Em seguida deu-lhe permissão de contá-lo publicamente para servir de edificação e instrução para todos. A mudança de vida foi, desta vez, radical e perfeita; o convertido não se desviou mais do bom caminho, levando até a morte uma vida exemplar e edificante. 

Da mesma forma como o santo efetuou a conversão no caso supracitado pela aparição misteriosa do sangue de Cristo, do Menino Jesus e do demônio, assim em uma outra ocasião fez um pecador cair em si e arrepender-se pela visão de uma alma condenada. 
Era uma vez um retirante que se aproximava da sagrada mesa em estado de pecado mortal. Geraldo teve ainda tempo de chamá-lo à ordem: “Irmão, disse-lhe com bondade, ides comungar tendo na consciência um pecado mortal, que não confessastes; não sabeis que o sacrilégio é um grande crime? e se não o sabeis — quero vô-lo mostrar — e eis a fealdade pavorosa de uma alma sacrílega!” Nesse momento apareceu uma alma condenada. Seu aspecto era tão horrendo, que o pecador ficou transido de pavor; uma torrente de lágrimas brotou-lhe dos olhos; voltou ao confessionário, declarou sinceramente todas as suas culpas e mudou de vida. A admoestação de Geraldo e a visão do condenado impressionaram-no vivamente durante toda a sua vida, conservando-o firme contra todas as tentações do demônio.  

São muitas as conversões que Geraldo operou dessa forma miraculosa; são provas de caridade que o santo nutria para com os pecadores. 
Não há entretanto testemunho melhor do zelo de Geraldo, do que o ódio do demônio que molestava sem cessar o bom irmão, ódio esse que crescia na medida que o santo se enchia de zelo pela conversão dos pecadores, obtendo sempre resultados consoladores. 
À noite era o leito do santo assediado de um exército de espíritos malignos que se apresentavam em figuras horrendas, uivando, gritando e ameaçando reduzir tudo a pedaços. Uma vez que Geraldo estava ocupado na cozinha, apareceram-lhe em forma de cães ferozes procurando atirá-lo ao fogo. Muitas vezes arrastavam-no pelos corredores da casa, espancavam-no até o sangue, amarravam-lhe o pescoço procurando estrangulá-lo. Mais terrível era essa perseguição nas noites de sexta-feira, que Geraldo passava a velar penitenciando-se em desagravo dos pecados e pela conversão das almas. 

Estranho é que os próprios espíritos malignos não poucas vezes lhe manifestavam a causa de suas inquietações. “Não quereis cessar, disse um deles, de nos roubar almas; não cessarei também de vos atormentar, até vos tirar deste mundo”. 
Não conseguiram porém intimidar o nosso santo, que expôs o seu pensamento à respeito, nas linhas seguintes, que extraímos de uma carta sua: “Quando o demônio procurar intimidar a nossa alma, não tenhamos receio. O seu papel é aterrorizar-nos, o nos-so deve ser: não nos deixar cair em suas artimanhas. É certo que às vezes ficamos confusos e fracos, mas tendo Deus conosco e recorrendo a ele, não precisamos desanimar, porque nesses combates seremos sem dúvida amparados pela majestade divina. Permaneçamos tranqüilos e firmes no cumprimento da vontade divina”. 
Por mais que os espíritos malignos o assaltassem, Geraldo os desprezava na certeza da completa impotência deles. “Podeis uivar, disse uma vez quando o rodeavam quais lobos famintos; enquanto Jesus estiver ao meu lado e com ele a SS. Virgem, não me podereis morder”. Molhava então o dedo na água benta e aspergia-os com ele; ou fazia o sinal da cruz e a chusma infernal desfazia-se como a neblina ao nascer do sol. 

A mesma virtude celeste exercia Geraldo em se tratando de outras pessoas perseguidas pelo inimigo maligno. “A quantos possessos, exclama Tannoia, não libertou ele só com uma ordem! Um dia, chamado a um desses infelizes, que o demônio não queria abandonar, Geraldo cingiu-o com seu cinto, o que foi suficiente para pôr em fuga o inimigo”. 
O santo conhecia imediatamente a presença do espírito maligno em qualquer lugar, sem se enganar jamais com suas aparições sob as mais variadas formas. Um domingo postaram-se à porta do convento dois rapazes, cuja procedência todos ignoravam. Geraldo reconheceu-os incontinenti: “Que estais fazendo aqui? — disse a um deles — aqui não é o vosso lugar. Em nome de Deus, ide para o inferno!” Os desconhecidos desapareceram num instante: eram espíritos maus. Não se sabe o motivo da sua permanência à porta do convento; mas o fato é fora de dúvida, porque testemunhado por diversos religiosos daquela comunidade. 


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