Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

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Caminhada para o Céu

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Aos doentes trata com desvelo maternal; aos hóspedes serve e edifica deixando-os na convicção de que existe uma enorme diferença entre um empregado e um irmão.



CAPÍTULO V 

O Irmão leigo 

Após recebimento daquela singular carta de recomendação, o santo jovem partiu sem se deter para Iliceto. O caminho não era nada curto, exigia um dia inteiro de viagem para um bom caminhante; mas para Geraldo, livre de outras preocupações e absorto em santos pensamentos e planos, a longa caminhada pareceu agradável viagem de recreio. 

Ao avistar de longe de longe o convento dos redentoristas inundou-se de alegria e apressou o passo. Foi, muito provavelmente a 17 de maio de 1749, num sábado, que o santo transpôs os umbrais do convento onde devia, por uns anos, levar uma vida admirável e santa e preparar-se radicalmente para a vocação que Deus lhe dera. Penetremos com ele o claustro e examinemo-lo um pouco, que será para nós interessante conhecer de perto o lugar das virtudes e prodígios, que serão o objeto das nossas dissertações. 

O convento dos redentoristas de Iliceto na diocese de Bovino estava situado sobre uma colina perto da vila, que lhe dava o nome, na orla de uma floresta denominada Vallinvincoli. Fora outrora residência dos monges de Santo Agostinho fundada pelo bem-aventurado Félix de Corsano. Conservava-se ainda, no lugar, como recordação desse homem de Deus, uma gruta de pedra abaixo do convento, onde Félix fazia suas orações e penitências. Junto à casa erguia-se a pequena igreja de Nossa Senhora da Consolação, onde afluíam os moradores de Iliceto e das vizinhanças para o culto da Madona. 

Pelos fins de 1744, Santo Afonso pregou uma missão em Iliceto e teve ocasião de visitar esse santuário. Encantado pelo aspecto da igrejinha tão devota e pela solidão de Vallinvincoli declarou-se disposto a aceitar o convento abandonado dos agostinhos e a transformá-lo em casa de sua Congregação. No ano seguinte, por ocasião da fundação, foi recebido com seus confrades pela população inteira e pelo venerável servo de Deus Monsenhor Antônio Lucci, bispo da diocese de Bovino. Dois anos residiu Afonso em Iliceto, todo entregue ao estudo e à contemplação. 

A solidão do convento era de fato muito favorável ao estudo e mais ainda à vida ascética. O rumor do mundo não conseguia penetrar naquela casa silenciosa, sobre a qual pairava a consagração de um santo passado e onde se fruía a paz e o sossego necessário para as necessidades espirituais da alma. 

“Na nova casa de Nossa Senhora da Consolação — escreveu o Pe. Cafaro — julgo partilhar a sorte feliz dos ermitães do Egito. Voltando das missões pregadas no inverno ou na primavera, gozamos de uma vida tão tranqüila, solitária e afastada do barulho do mundo, que não ficamos sabendo nada do que se passa lá por fora; estamos completamente isolados do convívio dos homens, no centro de uma floresta onde é puro o ar e agradável a vida; a nossa solidão bem se poderia comparar com a montanha pedregosa que São Pedro de Alcântara se escolheu para lugar das delícias. Louvado seja Deus que para cá me conduziu”. 

Foram também essas as palavras com que Geraldo entrou no convento de Iliceto. Não cessava de agradecer a Deus a consecução da graça pela qual tanto suspirara, e à Virgem da Consolação o prazer que lhe proporcionara após tantas angústias e provações. 

Logo depois da sua chegada, o nosso santo foi prostrar-se diante do altar da SS. Virgem, agradecer-lhe de coração e protestar-lhe fidelidade até a morte naquela casa sagrada sob o manto de sua proteção materna. Não podendo conter a sua satisfação íntima, chorou de alegria cobrindo de beijos as paredes do convento. 

Os padres e irmãos observavam a alegria do recém-chegado, entristecidos com a convicção de que, em breve, ela se converteria em dor, pois que o jovem lá não poderia permanecer muito tempo. Isso dava a entender a carta do Pe. Cafaro e mais ainda a fraqueza visível de candidato. 

Essa primeira má impressão, causada pelo exterior de Geraldo e pela carta do Pe. Cafaro, não tardou a modificar-se. Com espanto convenceram-se todos de que, longe de ser um “irmão inútil” e apenas um jovem piedoso, era Geraldo um excelente homem de trabalho que Deus lhes enviara. O santo desempenhava todos os serviços com prontidão e presteza como se gozasse saúde de ferro e tivesse compleição de aço. Quando o Pe. Cafaro, que o enviara a Iliceto, foi para lá transferido como reitor da casa em outubro de 1749, em vez do que esperava, só ouviu louvores a respeito do irmão. 

Não sabemos com certeza o dia exato em que Geraldo tomou o hábito religioso. Foi sempre costume na Congregação deixar à paisana, ao menos seis meses, os que entravam para irmãos leigos; às vezes, conforme as circunstâncias, tinham eles de esperar ainda mais tempo, em suas vestes seculares, antes de envergar o hábito, estavam porém sob a direção do mestre de noviços que os devia provar e encaminhar para a virtude no claustro. Quando aprovados, recebiam o hábito e faziam o noviciado de seis meses. 

Transcorria então mais ou menos tempo até serem admitidos ao segundo noviciado que terminava com a emissão dos votos. Não temos motivo para supor que se tenha feito alguma exceção para Geraldo quanto à tomada de hábito; podemos porém ter certeza que a anteprova não ultrapassou os seis meses costumados. A julgar assim Geraldo tomou o hábito de Santo Afonso em fins de 1749. 

Desde esse momento era ele noviço da Congregação; a sua tarefa era pois familiarizar-se com o espírito religioso e transfundir em si o da Congregação do Santíssimo Redentor. Para um homem, que passara já pela escola da vida espiritual, não era isso empresa difícil. Logo nos primeiros dias da sua vida conventual compreendeu o que quer dizer “irmão servente da Congregação” e viu pairar vivo ante seus olhos o ideal a que devia aspirar. 

Na sua opinião, bom irmão leigo é aquele que sabe unir o trabalho manual à oração e aos exercícios de piedade, e que acha meios de santificar todo e qualquer trabalho, transformando-o em oração pela boa intenção e condimentando-o com fervorosas preces jaculatórias. O bom irmão ocupa-se da manhã, à noite; não conhece horas de lazer; serviçal em tudo não desdenha nenhum trabalho nem despreza nenhuma ocupação por desagradável que seja, sempre pronto a ajudar e servir. 

A impaciência produzida naturalmente pelo trabalho, ele a reprime com facilidade e alegria, fruto dos corações sempre retos; com satisfação começa e termina as ordens recebidas; aparece na cozinha, refeitório, oficina, portaria ou coro, sempre a tempo e sem intrometer-se nos serviços alheios; não tem apego a nenhum ofício nem teimosia na escolha de trabalhos mais apetecíveis. 

Modéstia, humildade, simplicidade, tranqüilidade, amor ao silêncio e recolhimento de espírito são as virtudes que o distinguem, e nelas não se deixa exceder por ninguém, mormente na obediência e respeito aos superiores. O bom irmão leigo é como a mão e o pé do superior, os quais se movem sem raciocinar nem resistir conforme a vontade deste, pois que o irmão submete inteiramente o seu juízo ao da autoridade. Modelo vivo de amor fraterno, cuida zelosamente das necessidades alheias, antepondo-as às suas próprias, e isso tudo na mais exata observância da pobreza. 

Aos doentes trata com desvelo maternal; aos hóspedes serve e edifica deixando-os na convicção de que existe uma enorme diferença entre um empregado e um irmão. Do mundo pouco sabe o bom irmão leigo; não entretém relações com ninguém, a não ser as do seu ofício; podendo dizer às vezes uma palavra edificante e fazer algum bem às almas, ele a diz e o faz de boa vontade; não se arroga os direitos dos padres; antes é para eles um outro João Batista que lhes prepara o caminho com humildade e simplicidade. Tal é o irmão leigo piedoso e serviçal; a esse ideal Geraldo queria atingir desde o início da sua vida religiosa. 

Felizmente não faltavam irmãos, que na Congregação haviam já atingido essas alturas, aos quais podia Geraldo tomar por modelo e imitar passo a passo na prática das virtudes. Embora a Congregação contasse apenas vinte anos de existência, havia já enviado ao céu diversos irmãos leigos verdadeiros heróis de santidade. 
Essa vantagem que nosso noviço tirava dos excelentes modelos que o rodeavam crescia pela circunstância de, na pessoa do Pe. Cafaro, possuir Geraldo um diretor espiritual de incomparável valor. 

O Pe. Paulo Cafaro, nascido em Cafari, a 5 de julho de 1707 passara inocente e puro sua infância e mocidade e entrara bem cedo para a vida religiosa. Consagrava diariamente, todas as tardes, duas horas à oração diante do tabernáculo; jejuava muitas vezes a pão e água, usava cilícios, macerava o corpo não só com cordas comuns, mas às vezes com feixes de agudos espinhos. 

Aos 28 anos foi nomeado vigário de uma paróquia, onde se esforçou, durante cinco anos, com tanto zelo e escrúpulo, que se mereceu dos colegas o nome de “Sollicitudo omnium ecclesiarum”, solicitude de todas as igrejas. Receando o peso da responsabilidade renunciou o seu posto de cura d’almas, ingressando pouco depois na Congregação fundada por Santo Afonso, na qual em pouco tempo se distinguiu pelo progresso espantoso em todas as virtudes. Embora incansável no trabalho pela salvação das almas, achava sempre tempo para se entreter com Deus na oração. A vontade divina era a sua vida, de sorte que Santo Afonso pôde testemunhar dele: “A única paixão do Pe. Cafaro era cumprir a vontade de Deus”.

 No fim de sua vida Deus provou-o como aos grandes santos: assaltaram-no trevas medonhas e sofrimentos interiores, cuja grandeza excede a compreensão até dos mais experimentados. Santo Afonso, conhecedor desse estado espiritual do Pe. Cafaro, obrigado pelo sigilo a não revelá-lo, afirma que os seus sofrimentos, se fossem conhecidos dos outros, seriam de molde a enternecer os próprios rochedos. Esse horrível martírio durou os seis últimos anos da sua vida; era já vítima dessas provações quando recebeu a direção espiritual de Geraldo. Santo Afonso considerava o Pe. Cafaro como uma das principais colunas da Congregação, pedia-lhe conselhos e deixava-se guiar por ele nos negócios da sua consciência. 

Por ocasião da doença mortal do Pe. Cafaro, Afonso fez o possível para salvar-lhe a vida; rezou, prescreveu orações especiais a todas as residências da Congregação e dirigiu-se para esse fim a muitos outros conventos de religiosos e virgens consagradas a Deus. Mas o Senhor tinha outros desígnios. A 13 de agosto de 1953 faleceu o Pe. Cafaro em Caposele santamente como tinha vivido. Afonso sentiu amargamente a sua morte, adorou os juízos de Deus e deu expansões ao seu coração ferido, compondo um dos mais belos hinos sobre a conformidade com a vontade divina. Mais tarde ele mesmo escreveu a biografia desse santo sacerdote. 

Tal era o homem a quem Geraldo confiou a direção da sua alma quando resolveu tornar-se um santo irmão leigo. Na expressão de um biógrafo, o Pe. Cafaro conservou o nosso santo “sob uma vara de ferro”; cuidou com escrúpulo em reprimir-lhe completamente a vontade própria e as inclinações naturais; a Geraldo não era permitido afagar a natureza corrompida. Com as mortificações do santo estava o Pe. Cafaro inteiramente de acordo, incentivava-as, mas exigia submissão incondicional ao seu juízo e aprovação; não era intenção sua atormentar ou desanimar a Geraldo, mas sim, conservá-lo na humildade e obediência e amparar essas virtudes contra os ataques do inimigo. 

Esse procedimento enérgico correspondia, aliás, aos desejos do santo, que se tratava e julgava como igual rigor. Durante os primeiros exercícios espirituais em Iliceto, Geraldo escreveu a seguinte seria exortação, que julgou dever fazer a si mesmo: “Lembra-te, Geraldo, que Deus te tirou do mundo e colocou, como a um novo Adão, no paraíso da Congregação para trabalhares e executares os mandamentos divinos e os conselhos evangélicos que possues na santa Regra. Ai de ti se as desprezares; o teu castigo seria — o que Deus não permita — o abandono da Congregação e conseqüentemente a condenação eterna”. O santo nunca se afastou do sentimento expresso nessas graves palavras. 

O trabalho, zelo e prontidão demonstrados nos primeiros dias em Iliceto, não foram fogo de palha; Geraldo foi sempre um trabalhador aplicado e valoroso; diziam com razão que ele era mais operoso que todos os outros e até que trabalhava por quatro. A princípio ocupava-se o servo de Deus quase só com o jardim, trabalho esse novo para ele e não pouco incômodo. Apesar disso era sempre ágil e pronto para tudo, lidava com a enxada e o ancinho como se sempre os manejara, e ficava pronto com o serviço antes dos outros que trabalhavam ao seu lado; corria em seguida em auxílio dos mais vagarosos, dizendo com amabilidade: “Deixai-me fazer o serviço, que sou o mais moço”. Quando não podia prestar serviço aos outros procurava trabalho, consertando as paredes, ajuntando material para a construção etc. 

Esse trabalho, entretanto, seria pesado demais e prejudicial a São Geraldo, se durasse ainda muito tempo. Felizmente um dia o Pe. Cafaro observou, da sua janela, o zelo espantoso do seu noviço no cultivo do jardim e o pouco cuidado que tomava com sua saúde e poucas forças; chamou-o e dispensou-o daquele trabalho, prometendo-lhe uma outra ocupação. 

Ao terminar Geraldo o seu primeiro noviciado de seis meses, mais ou menos no verão de 1750, foi-lhe confiado o ofício de sacristão. Essa permuta o satisfez plenamente. Trabalhar na igreja, seu lugar predileto sobre a terra, não era senão honra e prazer. É fácil imaginar com que desvelo Geraldo desempenhava o seu novo ofício. A igreja de N. Sra. da Consolação nunca teve, nem antes nem depois, um sacristão melhor; cinqüenta anos mais tarde falavam ainda em Iliceto desse santo e consciencioso sacristão; nunca a igreja esteve tão limpa e asseada, nunca o altar se adornou com tanto gosto e capricho como no tempo dele. A pobreza da casa não lhe punha obstáculo; a sua piedade engenhosa sabia dispor os poucos enfeites com tanta arte que os visitantes, já à primeira vista, se maravilhavam com a elegância dos adornos. 

O Pe. Camilo Ripoli diz no processo de beatificação: “Todos os nossos padres velhos contaram-me que o venerável irmão era um sacristão consumado. Sabia adornar a igreja com tanto gosto e conservá-la tão mimosa, que nunca mais foi possível achar um irmão que o igualasse no ofício”. 

Com a sacristania tinha Geraldo a seu encargo a alfaiataria onde confeccionava as batinas de seus confrades, remendava-as etc. Também aqui foi Geraldo um modelo recomendável em todo o sentido; procurava servir a todos com prontidão até nas coisas mais insignificantes. Munido de fé viva via Deus na pessoa dos confrades que vestia, e em todo o seu trabalho em culto mais divino do que humano. 

Sempre que suas ocupações lhe permitiam alguma folga, procurava assistir os que necessitavam de auxílio. Um propósito escrito mais tarde por Geraldo, mas que lhe servia de norma já então, reza assim: “Se eu vir um padre ou irmão precisar de auxílio, deixarei tudo para lhe ser útil a não ser que a obediência não m’o permita”. Quando não se achava ocupado na igreja nem na oficina, ajudava ora o cozinheiro, ora o refeitoreiro, ora o porteiro e procurava ser-lhes útil em tudo. O irmão padeiro da casa afadigava-se demais com o seu ofício; Geraldo auxiliava-o incansavelmente dizendo sempre ao companheiro fatigado: “Deixai-me trabalhar, que sou moço, ide descansar que eu darei conta do serviço”. 

Em toda essa operosidade e desejo de ajudar a todos, esmerou-se em nunca lesar a caridade. A atividade era nele virtude e não paixão; estava por isso longe da arrogância que pretende entender tudo melhor, impor-se aos outros e intrometer-se no serviço alheio, molestando o próximo. Ele mesmo formulou-se, nesse sentido, o seu propósito firme nas seguintes palavras: “Nunca me hei de intrometer nos negócios dos outros, nem dizer: este trabalho é mal feito etc.” Na prática da caridade foi exato e minucioso ao ponto de escrever em seus propósitos: “Mesmo nos serviços mais insignificantes como varrer a casa, carregar pesos e semelhantes, hei de me escolher o serviço mais incômodo ou tomar a ferramenta menos boa, deixando as melhores para os companheiros”. 

Essa vontade e prontidão em servir do nosso irmão leigo não obedecia à falsa subserviência que se encontra em pessoas que trabalham por amor ao lucro ou por adulação: era expressão de verdadeira e profunda humildade. Embora Geraldo fosse sempre amante da modéstia, no seu novo estado dedicou-se a ela de modo tal, que parecia não possuí-la, mas ser possuído por ela. 

Os confrades davam-lhe o nome de “Modelo da humildade”, distinção essa que ele bem merecia, porquanto todo o seu procedimento, o seu semblante as suas palavras, as suas ações eram iluminadas pela humildade sincera. Embora não costumasse falar da própria pessoa a não ser, uma ou outra vez, por acaso ofereciam-se ocasiões em que Geraldo traía a opinião que de si fazia; denominava-se então o último e pior irmão, um miserável, o pecador mais desprezível, um nada. O que possuía de bom atribuía-o exclusivamente à excessiva bondade e misericórdia divina. Tinha-se por indigno de se chegar a Deus: eis porque às vezes durante a oração era tomado de consternação, pavor e confusão; afirmava até ser o inferno lugar bom demais para ele. 

“Acho-me cheio de pecados, escreveu, rogai a Deus que me perdoe; todos convertem-se, só eu permaneço obstinado! Conjuro-vos que façais mortificações por minha intenção para que Deus tenha dó de mim e me receba em seu santo amor”. Uma outra vez externou-se a um confidente: “Eu já nem sou homem; tornei-me como um irracional deixando-me dominar por minhas paixões e inclinações”. 

Diante disso compreendemos facilmente o desagrado que sentia ao ouvir alguém louvar as suas grandes virtudes ou gloriar as suas boas qualidades; tais conversas constituíam quase um pecado em sua opinião, interrompia-as sempre que podia. Do outro lado amava sinceramente as injúrias e os vitupérios. Os insultos que lhe faziam chamando-o de louco ou tolo, pareciam-lhe música suave e deliciosa ao ouvido. Dizia não merecer o pão que lhe davam; contentava-se com o resto das comidas, sendo-lhe indiferente tomar as refeições de joelhos ou junto com os gatos; desejava o desprezo, maus tratos e os serviços mais baixos; preferia os trabalhos de que os outros fugiam, e que eram menos aptos para satisfazer a vaidade. 

As humilhações, de que os superiores o cumulavam, suportava-as com assombrosa calma, convencido de que as merecia; nunca se defendia, embora isso lhe fosse fácil. Achava que o homem nunca deveria falar de humilhações. 
“O homem, dizia, é um verme; se Deus não o governar e proteger com sua onipotência e providência, ele não passa de um puro nada; por isso não deve dizer: eu me humilho, pois que quem assim fala, já se tem na conta de alguma coisa. Só Jesus podia dizer que se humilhou: o Deus infinito tornou-se homem; embora Senhor, converteu-se em escravo”.  

Não menos perfeito era o santo na obediência. Poder-se-ia chamá-lo o “santo da obediência”. No noviciado e durante a sua permanência em Iliceto praticou-a com tanta perfeição, que essa virtude se tornou uma das mais belas qualidades. 
Antes de tudo submetia-se à Regra com a docilidade de uma criança; estimava-a tanto que não só a lia e meditava, mas ainda procurou decorá-la, de sorte que a sabia inteirinha de cor não só no seu sentido e conteúdo, mas até verbalmente. “Se a Regra se perdesse, diziam os confrades, o Irmão Geraldo poderia facilmente recompô-la de memória”. Na observância regular servia de modelo a todos; era tão escrupuloso nesse ponto que — embora a isso não fosse obrigado — passava parte da noite a repor certos exercícios que não podia fazer durante o dia; mesmo nos pontos de pequena monta conservava-se preso às prescrições da Regra. 

“Qualquer pequena falta, dizia ele, conduz a uma grande; a primeira transgressão prepara para a segunda, a terceira etc., e assim se cai no abismo”. Uma das suas orações mais freqüentemente repetidas era esta: “Senhor, dai-me força para observar fielmente a vossa lei; se eu tivesse a desgraça de desviar-me dela um triz, em breve dela me afastaria muito, porquanto deixais cair em faltas graves a quem levianamente despreza pequenas culpas”. A respeito das transgressões da Regra disse uma vez a seus confrades: “Irmãos, executemos com escrupulosa exatidão até os pontos mais insignificantes, se não quisermos cair em culpas graves, que Deus permite em castigo nosso”. 

“Deus pune, disse, o desprezo das pequenas faltas permitindo a queda em pecados graves, como sucedeu a Davi que era entretanto um homem segundo o coração de Deus”. 
As ordens dos superiores tinham para Geraldo a mesma importância da Regra, porque naqueles como nesta não via senão a expressão da vontade divina. 
“Meu Deus, diz ele em um dos seus apontamentos, por amor de Vós obedecei a meus superiores, como se tivesse a vós mesmo diante dos meus olhos a dar-me ordens; viverei entregue à prudência e à vontade dos que me governam. A obediência aos meus superiores — disse com plena convicção — deve ser minha guia ao céu. A vontade do meu divino mestre e a dos meus superiores, são para mim a mesma coisa”. 

Penetrado desses sentimentos entregou-se Geraldo inteiramente à direção de seus superiores, renunciando a sua vontade própria até nos pontos sem importância: “Ah, dizia ele, porque perder nessas pequenezas o mérito da obediência?” Um aceno, um gesto, um olhar era suficiente para o submeter aos desejos do superior. “Ele amava em certo modo os pensamentos de seus superiores”, diz o seu biógrafo Pe. Tannoia. 

A pureza dos motivos que guiavam o nosso santo no exercício da obediência, mostrou-a ele indubitavelmente no caso seguinte: Pelos fins de seu primeiro noviciado (abril de 1750) achava-se o Pe. Cafaro em Melfi pregando missões. Como todos os missionários mais antigos da casa tinham acompanhado o superior, o governo do convento ficou confiado a Matheus Criscuoli, sacerdote ainda novo e de temperamento melancólico, exagerado e sumamente mal humorado; poucos anos mais tarde (1754) teve de deixar a Congregação. 

Ninguém era menos capaz do que ele para governar uma comunidade por pequena que fosse. O Pe. Cafaro não conhecia ainda a sua inabilidade. Talvez tivesse Deus permitido esse erro para fazer conhecida a virtude do Irmão Geraldo. Todos tiveram logo de sentir os efeitos dos caprichos, azedume e dureza de Criscuoli, mormente Geraldo, alvo de suas repetidas censuras, repreensões e palavrões. O pobre irmão não se podia mover sem excitar a ira do superior interino. As repreensões não tinham fim, as penitências acumulavam-se; quase diariamente tinha Geraldo de tomar de joelhos suas refeições. Além dos jejuns a pão e água, que lhe eram impostos sem motivo, tinha o paciente irmão a cada passo de esfregar sua língua no pavimento ou fazer com ela quarenta, cinqüenta e até sessenta cruzes no chão. 

Esse exercício durou um mês inteiro e só cessou quando a língua de Geraldo começou a derramar sangue. Tudo isso porém ainda não era tão doloroso para o irmão, o pior foi que o Pe. Criscuoli em sua dureza chegou a proibir-lhe a santa comunhão, o que era para o piedoso jovem mais penoso do que a fome, a sede ou quaisquer maus tratos. Geraldo suportou também essa provação com paciência, calma e resignação, enchendo de assombro os seus confrades. O Pe. Tannoia, então clérigo em Iliceto e testemunha ocular de tudo, fez, como ele mesmo conta, a seguinte ponderação: “Ou esse irmão é um louco que não compreende as humilhações a que o submetem, ou é um santo que já atingiu o grau heróico do amor divino”. 

A segunda parte é a verdadeira. A santidade do venerável irmão e o seu grande amor a Deus faziam-no suportar com facilidade toda aquela rudeza; confortava-o a sua fé viva, que lhe mostrava no instrumento indigno a mão do divino Mestre.  

VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA  


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