Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A fama das suas virtudes e milagres penetrara até lá, enchendo a todos de assombro.Todos corriam a ele. Em qualquer lugar em que aparecia, afluíam não só crianças mas também adultos, a lhe beijar as mãos




A VIDA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO X
Atividade em Muro e Corato

Alvo da primeira excursão do nosso esmoleiro foi Muro, sua terra natal; lá chegou algumas semanas depois da sua profissão, em princípio do outono de 1752.
Haviam percorrido apenas 3 anos desde que de lá partira, e a estima que seus conterrâneos lhe tributavam elevara-se já a uma santa veneração. A fama das suas virtudes e milagres penetrara até lá, enchendo a todos de assombro.

Receberam-no como um mensageiro do céu. Os padres franciscanos, aos quais pedira hospedagem, acolheram-no com alegria e santo respeito.
Entre os que mais se regozijaram com a sua chegada, estava naturalmente sua família, isto é suas irmãs, pois que a mãe, Benedita, havia falecido uns meses antes (10 de abril de 1752). Se não tiveram a sorte de hospedar seu irmão durante a sua estada na terra natal, não podiam atribuir isso ao desinteresse de Geraldo, mas à obediência e à abnegação que o impelia a recusar-se a alegria de ficar com os seus sob o mesmo teto.

Essa abnegação, tão digna de um religioso, não o impediu de trabalhar pela salvação dos seus parentes. O desvelo com que se interessou por sua sobrinha, que pretendia abandonar o século, é uma prova  eloqüente de que não tomava menos a peito o bem dos seus do que os dos estranhos.

Não se limitou apenas a animar a donzela à realização do seu propósito, mas deu passos para a sua reclusão no mosteiro do SS. Redentor em Foggia. Recebido o aviso da admissão dela e a ordem de partir, ele mesmo prontificou-se a ser o guia da futura religiosa. Ficou tão contente com a felicidade de sua sobrinha, que durante toda a viagem de Muro a Foggia não discorreu senão sobre a obrigação de aspirar à perfeição, exprimindo a vivacidade dos seus sentimentos com as mais vigorosas e fortes expressões. Ao chegarem à margem do Ofanto disse-lhe apontando as ondas: “Queres ser uma santa? Se não tiveres essa resolução, agora mesmo atirar-te-ia dentro d’água”.

Começadas as coletas em Muro, Geraldo iniciou também a sua atividade apostólica em todos os sentidos, fazendo luzir os carismas recebidos de Deus. Todos corriam a ele. Em qualquer lugar em que aparecia, afluíam não só crianças mas também adultos, a lhe beijar as mãos; poucas vezes saía sem o acompanhamento de pessoas gradas e influentes.

“Quando ele estava em Muro, contou mais tarde um conterrâneo e contemporâneo, os nossos assaltavam-no, uns buscando auxílio em suas necessidades, outros procurando consolo espiritual”.

Já nos primeiros dias realizou-se literalmente a profecia feita pelo santo a seus conterrâneos que o desdenhavam como um louco: “Desprezais-me agora; mas virá o tempo, em que me beijareis as mãos”.

Não eram só os leigos, que assediavam o nosso santo com pedidos e perguntas, “também o clero em Muro, escreveu Tannoia, homenageou o nosso Geraldo, dando-lhe indúbias provas de confiança. Exímios confessores do clero secular e regular recorriam à sua sabedoria sobrenatural, em procura de conselhos sobre pontos difíceis de direção espiritual.

 Geraldo resolvia as dúvidas como se fora mestre em teologia, e tratava das questões mais complicadas da ascese e moral com a habilidade de um professor”. Alguém, tendo-o ouvido em uma dessas ocasiões, exclamou maravilhado: “Louvo-vos, Pai, Senhor do céu e da terra, que escondestes estas coisas aos sábios e prudentes e as revelastes aos pequeninos; assim vos aprouve, Senhor”.

Um dos maiores admiradores do santo era o Cônego José Pianese, reitor do Seminário. A sabedoria desse indouto irmão leigo impressionara-o vivamente. Pediu-lhe um dia que fizesse uma conferência espiritual aos seus colegas e aos seminaristas; propôs-lhe as palavras que abrem o evangelho de São João:
In principio erat Verbum..., um dos lugares mais difíceis da Sagrada Escritura.

 Geraldo acedeu, pois que o assunto proposto era o mistério em que mais se aprofundava em suas meditações. Falou sobre a geração do Verbo com expressões tão sublimes e exatas, que todos se tomaram de assombro. Também Mons. Vito Mujo, bispo da cidade, prelado douto e prudente, afeiçoou-se ao servo de Deus, encantando-se, desde logo, com sua profunda humildade, extremado amor divino e esclarecida piedade.

Mandou chamá-lo, repetidas vezes, discorrendo com ele sobre os mais variados assuntos. A exatidão de termos nas questões teológicas, discutidas por Geraldo, cativou-lhe a admiração enquanto que a humildade e simplicidade do irmão o encheram de alegria e de uma santa afeição por ele. “Sempre que ele aparecia diante de mim, disse o bispo a um redentorista, consolava-me com a visão de seu rosto celestial”.

A estima de Geraldo em Muro incrementou-se consideravelmente com os milagres estupendos com que Deus quis glorificá-lo diante dos seus conterrâneos. Mormente um alarmou a cidade inteira.

O filho do relojoeiro Alexandre Piccolo, amigo de Geraldo e seu hospedeiro nas visitas, que posteriormente fez a Muro, prontificou-se heroicamente a recolher as esmolas em diversas casas de negócio. Para esse fim percorreu a cidade toda com zelo um tanto exagerado; aconteceu-lhe tropeçar na estrada, sendo arremessado violentamente ao chão; indo a cabeça de encontro a uma pedra, ficou ele sem fala e sem sentidos.

Transportaram-no à casa vizinha, onde afluiu gente de todos os lados. No mesmo instante passava pela rua o pai do infeliz em companhia de Geraldo. No grande celeuma produzido pelo fato, só ouviam as palavras: “Está morto, está morto”.

Piccolo, curioso perguntou pelo nome da vítima do incidente. Ao ouvir o nome do seu filho alarmou-se e não teve ânimo de ir ver o rapaz; pediu a Geraldo entrasse na casa. O santo verificou que o rapaz não dava sinal de vida. Tranqüilo aproximou-se dele, fez-lhe o sinal da cruz sobre a fronte, e disse: “Não é nada, meu filho, não é nada”.

O rapaz despertou-se como de uma vertigem e levantou-se com perfeita saúde.
Em sua pátria deu Geraldo repetidas provas da ciência que tinha do coração humano e do dom de profecia.

Digno de menção, nesse sentido, é o que aconteceu ao tabelião de Robertis. Esse senhor havia cometido, há muito tempo, um crime conhecido só dele e de Deus. De Robertis possuía em sua vinha uma cerejeira, cujos frutos saborosos seduziam os ladrões de frutas.
Por esse motivo ficava ele de atalaia nas ocasiões mais perigosas; uma noite surpreendeu um ladrão, a quem censurou asperamente e ameaçou, em caso de reincidência, de se vingar de modo mais enérgico. Infelizmente o homem, não tomando a sério aquelas palavras, voltou novamente; o tabelião não realizou as suas ameaças; mas na terceira vez o dono, sumamente encolerizado, usou da arma e assassinou o ladrão, a quem sepultou na vinha ocultamente.

Resolvido a guardar segredo, não disse nada a ninguém, nem sequer à sua mulher; infelizmente não revelou o seu hediondo crime nem ao ministro de Deus, no tribunal da penitência. O desaparecimento do assassinado causou sensação e muitas diligências fizeram-se para encontrá-lo; mas como nada se pôde apurar, em breve ficou esquecido o caso.

Mal o santo lançou um olhar para o sr. de Robertis, descobriu-lhe no coração a chaga mortal; quando a sós com ele, disse-lhe: “Senhor tabelião, a vossa consciência acha-se em péssimo estado! vossas confissões têm sido mal feitas porque tendes ocultado o assassinato cometido na vossa vinha sob a cerejeira, onde sepultastes o homem em terreno vosso”.
Esta revelação encheu o de assombro o tabelião. Após o primeiro movimento de susto, confiou o segredo à sua esposa, que mais tarde provavelmente o comunicou às pessoas, que nos transmitiram o caso. “Sim, Geraldo é um santo, afirmou de Robertis; nessa ocasião, ele revelou-me uma coisa de que só Deus e eu tínhamos conhecimento”. É escusado mencionar que o tabelião confessou o seu pecado e recuperou a paz perdida.

Uma vez o santo fez uma visita a um tal Petrone. Antônio, filhinho deste, de três anos, que se achava no quarto, chamou logo a atenção de Geraldo que, considerando o menino por alguns minutos, disse ao pai: “Vosso Antoninho ser-vos-á tirado; ele morrerá com esse instrumento de música com que está a brincar”. Não muito depois adoeceu o menino gravemente; já em agonia pediu uma guitarra que se achava ao lado. Para contentarem a criança deram-lha. Brincando com seus dedinhos sobre as cordas do instrumento Antoninho exalou sua alma.

Uma outra vez Geraldo encontrou-se na rua com um indivíduo, que blasfemava horrendamente contra a SS. Trindade. O santo e o Cônego Pianese, seu  companheiro, horrorizaram-se com aquilo. O irmão, voltando-se para Pianese, disse-lhe: “Vereis em breve que essas palavras blasfemas não ficarão impunes”. Três dias depois o blasfemo, alvejado por um tiro em praça pública, morreu sem ter tempo de recomendar sua alma à misericórdia divina.

A fama do santo penetrou os umbrais do convento das Clarissas, que ficaram desejosas de ver o santo irmão, falar-lhe e tirar proveito dos seus dons celestes. Não admira que as irmãs se julgavam com direito de receber a visita do santo, porquanto foi na capela do convento que Geraldo recebeu o sacramento de crisma.

O servo de Deus porém não quis aceitar esse convite.
As religiosas, atribuindo a recusa à modéstia e humildade do santo, recorreram ao bispo, que aprovou o pedido e mandou dizer-lhes: “Uma conversa com esse irmão ser-vos-á de maior utilidade do que uma série inteira de sermões quaresmais”.
Geraldo não pôde resistir ao desejo do prelado. Visitava uma e mais vezes o convento fazendo sempre às irmãs uma alocução que, na expressão de Tannoia, “enchia as boas religiosas de delícia celestial”.
Nessas palestras Geraldo abordava assuntos referentes ao lado prático da vida religiosa, por exemplo os empecilhos para a perfeição, os perigos que passam facilmente despercebidos, os meios de afastá-los, o apego prejudicial às criaturas, a fugida do locutório, as vantagens de uma vida desapegada de todas as coisas da terra, e o amor à solidão.
“No silêncio da cela, dizia ele entre outras coisas, Deus fala à alma fiel, que encontra a verdadeira paz no colóquio com Jesus Cristo e sua santíssima Mãe Maria”.

As palavras do santo ecoavam com eficiência em todos os corações. Alguns abusos, que os confessores não conseguiram abolir, cessaram com os conselhos do humilde irmão.
Uma religiosa pouco se preocupava com o espírito da pobreza; tinha desordenado apego a um pequeno coração de ouro, que pretendia conservar recusando entregá-lo à superiora. Muitos confessores procuraram em vão corrigi-la, a irmã permanecia surda a todas as admoestações. Geraldo converteu-a com uma palestra; a religiosa caiu em si, entregou-lhe o tesouro e continuou conscienciosa e exata na observância regular.

Também no convento das clarissas Deus ratificou as admoestações do santo com sinais extraordinários da elevada missão que lhe confiara. Um desses foi a cura milagrosa da superiora Maria José Salines, que de há muito sofria febre intermitente. Pediu ao santo intercedesse por ela ao Senhor. Geraldo acedeu e, depois de haver orado, enviou-lhe um pouco de pó do sepulcro de Santa Teresa, que recebera das carmelitas de Ripacandida e costumava aplicar aos enfermos. A superiora tomou-o e a febre passou.
Uma outra irmã achava-se espiritualmente enferma, pois que, ou por descuido ou por qualquer outro motivo culpável, ocultara um pecado na confissão, embora já houvesse feito três confissões gerais. A chaga era velha e por isso, perigosa. Os olhares do santo penetraram-lhe a alma, e Geraldo, compadecido, não achou mais sossego em seu coração. Teve uma vez ensejo de dizer, a sós, algumas palavras à irmã; sem rebuços manifestou-lhe o que sabia. A infeliz caiu em si, arrependida da sua grave falta, e tratou de pôr em ordem o mau estado da sua alma.

Nada impressionava tantos os moradores de Muro como a humildade sincera e a modéstia do santo, que apesar das distinções de que era alvo, nunca desmentiu o irmão leigo e o esmoleiro da Congregação do Santíssimo Redentor. O santo facilmente poderia sentar-se à mesa com as melhores famílias da cidade; atormentavam-no com os convites, mas o irmão os recusava sempre, preferindo misturar-se com os mendigos; e de fato aparecia regularmente à porta do seminário, onde com os pobres recebia um pouco de sopa com um pedaço de pão.
Logo após a sua estada em Muro, passou o santo aqueles perigos de viagens, que nos foram transmitidos em todos os seus pormenores por um dos seus contemporâneos.

Demos a palavra ao relator, Cônego Serio: “Era em 1751 ou 1752, pois que não posso precisar a data. Eu estava em Carbonara, na casa de meu pai que lá exercia o importante cargo de governador, e era muito relacionado com o médico Antônio de Dominico. Esse doutor, dotado de excelentes qualidades, costumava oferecer hospedagem a todos os missionários e religiosos que passavam por Carbonara.
Uma vez ao meio-dia veio ter comigo afim de convidar-me a fazer companhia ao Irmão Geraldo, que lá se hospedara, afirmando-me que eu me sentiria feliz em travar conhecimento com o servo de Deus, e que este teria imenso prazer de se encontrar com um sacerdote.
Aceitei gostosamente o convite e pusemo-nos, ambos, a caminho.

Ao entrar no quarto o médico exclamou alegremente: “Coragem, Irmão Geraldo! o tempo está chuvoso, estais ensopado e nesse estado não podeis pôr-vos a caminho; trouxe-vos um companheiro, para não ficardes só; entretende-vos com ele enquanto se prepara a mesa!”
— “Agradeço-vos a atenção, meu caro doutor, respondeu Geraldo, mas tenho pressa; esta tarde ainda tenho de estar em Melfi; a obediência o exige”.
— “Mas, meu caríssimo Geraldo, repliquei, é preciso saber interpretar a ordem do superior; se o superior que vos deu essa ordem, aqui estivesse, não vos deixaria sair com essa chuva. Depois da mesa veremos como se comporá o tempo e poremos tudo em ordem!” Geraldo terminou a discussão com as palavras: “Espero que faça bom tempo e partirei”.

Comecei então palestra e fiz-lhe perguntas sobre o Pe. Giovenale e o Pe. Cafaro, que fora meu confessor (1750) no seminário. As respostas de Geraldo satisfizeram-me totalmente; pusemo-nos à mesa e palestramos cordialmente. Eu e o doutor procuramos prolongar a mesa para impedir a viagem do irmão. Ele mesmo deixou-nos entrever a esperança de hospedá-lo aquela noite.

Ao chegar porém a hora da partida, interrompeu a conversa e declarou decididamente que havia de partir. “Não pode ser, declaramos, seria uma imprudência da nossa parte, deixar-vos sair com essa chuva torrencial; tendes de atravessar o Lausento, o Ofanto e a ponte de pedra d’Oglio; o caminho é longo e a hora já vai muito adiantada”.

Geraldo levantou-se e disse: “Por amor de Deus tende dó de mim e não insistais mais; o Pe. Fiocchi espera-me esta noite no palácio episcopal de Melfi. Não temo o Lausento; meu Raposo é valente e atravessa as torrentes. Quanto ao Ofanto, seguirei a es-trada e alcançarei a ponte, caso não cesse a chuva e eu encontre cheio o rio; se o tempo melhorar, tomo o caminho mais curto. Tende a santa paciência, não me detenhais. Eu vos digo “o tempo se mudará antes de eu deixar a casa!”

Em seguida foi ver se o seu cavalo tinha recebido a ração. Suas últimas palavras pareceram-nos tão esquisitas que nós dissemos: “Vamos ver se realmente o tempo se muda com sua partida. Deixemo-lo partir, mas demos-lhe um companheiro que vá com ele até o Lausento e o Ofanto, caso ele escolha o caminho mais curto”.

Entretanto Geraldo estava já pronto para a viagem; o doutor disse-lhe: “Irmão, se quiserdes ir, ide já porque a tarde está caindo, e lá não chegareis senão duas ou três horas após o pôr do sol; far-vos-ei acompanhar de um empregado até o Lausento. Estou certo de que voltareis; a chuva é violenta e tudo está coberto d’água”. Geraldo montou a cavalo e despediu-se.

Dois homens receberam ordem de acompanhá-lo até o Ofanto. Até aqui eu sou testemunha ocular e posso atestar que, mal Geraldo abandonou a casa, a chuva cessou e o sol apareceu, causando espanto ao doutor que disse: “Não achais que ele é verdadeiramente um santo? Realizou-se à risca a afirmação de que a chuva passaria logo depois da sua partida; e a obediência do irmão é assombrosa!” Eu tinha a mesma opinião do doutor e retirei-me louvando a Deus.

No dia seguinte contou-me o doutor que os dois companheiros de Geraldo, por ordem deste atravessaram o Lausento sem novidade. Chegando ao Ofanto, encontraram-no transbordado, arrastando nas ondas possantes árvores. Os homens aconselharam Geraldo a não atravessá-lo, porque isto seria expor-se a uma morte certa. Ele respondeu que seu cavalo sabia nadar; fez o sinal da cruz dizendo ao animal: “Vamos em nome da SS. Trindade”, e resoluto atirou-se ao rio. O animal afundou-se logo na água, aparecendo apenas a cabeça. A torrente era tão forte que o irmão pareceu perdido. Os companheiros gritaram assustados: “Nossa Senhora, acudi-o”, e o cavalo nadava. Mal chegara ao centro do rio, quando uma árvore colossal, em grande velocidade se precipita ameaçando levar consigo cavalo e cavaleiro. Os dois homens, testemunhas do perigo, julgaram tudo perdido. “Uma árvore, uma árvore, Irmão Geraldo!” gritaram ao mesmo tempo.

Ele respondeu: “Não temais, em nome da SS. Trindade ela passará longe de mim”, e fez tranqüilamente o sinal da cruz. A árvore desviou-se para um lado. Pouco depois estava Geraldo na outra banda, donde gritou aos homens assustados: “Agora podeis ir; adeus, não temais”.

Geraldo reconheceu milagroso o modo como escapou à morte nessa ocasião; mas atribuiu-o à obediência, por cuja causa se expôs ao perigo. Conversando uma vez com o bispo Amato de Lacedogna sobre a força da obediência, aduziu esse fato como prova da sua afirmação.

Alguns meses mais tarde, nas últimas semanas da quaresma de 1753, encontramos Geraldo em Corato, cidade da província de Bari. Alguns sacerdotes e leigos dessa cidade haviam feito os exercícios espirituais em Iliceto, onde travaram conhecimento com o santo e apreciaram tanto a sua santidade, que se puseram a falar dele em Corato, despertando nos amigos e conhecidos o desejo de vê-lo e falar-lhe.

Pediram ao Pe. Fiocchi que o mandasse por algum tempo a essa cidade. Embora, a princípio, o superior não se mostrasse disposto a satisfazer o pedido que já recusara a outros, por não ser essa propriamente a atividade de Geraldo, por fim resolveu conceder permissão a Geraldo de passar uns dias em Corato. O superior não teve que se arrepender porque Geraldo correspondeu em Corato à todas as expectativas.

Já a sua viagem para lá foi ricamente abençoada e distinguida por um milagre estupendo. No caminho de Andriá para a supradita localidade encontrou Geraldo um homem a olhar tristemente para o seu campo e a queixar-se em alta voz. O servo de Deus parou e perguntou pela causa da sua aflição.
“Ah! meu padre, disse o camponês, mesmo que a soubésseis, não me poderíeis ajudar”. — “Como, meu amigo, então Deus não poderá ajudar”. — “Isso sim — mas ve-de o meu campo; os ratos reduziram-no a um deserto; minha família vai morrer de fome!”

Compadecido, Geraldo benzeu o campo com o sinal da cruz. Num momento a multidão dos ratos desapareceu completamente, constatando o camponês infinidade desses animais mortos e espalhados pelo campo. Cheio de alegria lançou-se aos pés de Geraldo, que lhe disse: “Não a mim, mas a Deus é que deveis agradecer”. Dito isso montou a cavalo e retirou-se procurando assim fugir a novas manifestações de gratidão.

O camponês pôs-se a examinar o campo — os ratos jaziam, aos milhares, sem vida. — Incapaz de se conter correu atrás do santo gritando: “Esperai, homem de Deus, esperai!” Este porém apressou-se e sumiu-se. O camponês chegou à cidade, pouco depois do santo, narrou em todos os lugares o acontecido, afirmando que um grande santo havia chegado a Corato.

Geraldo recebera ordem de se hospedar na casa de um tal Felix Papaleo. Como ele nunca estivera em Corato teve de perguntar pela moradia de Felix; não querendo porém chamar muito a atenção, perguntando na rua, deu rédeas ao animal e continuou seu caminho.
O cavalo andou ainda um pedaço na estrada e, de repente, voltou-se para um lado e foi entrando no adro de uma casa. As pessoas que acorreram perguntou Geraldo: “Não me podeis indicar onde mora Feliz Papaleo?” “É aqui mesmo”, foi a resposta. O santo apeou-se agradecendo a Deus e a seu bom anjo da guarda.

Entretanto espalhara-se pela cidade a notícia do milagre da extinção dos ratos; o povo afluía em massa à casa de Papaleo para conhecer o taumaturgo. Todos regozijaram-se com a chegada dele e agradeceram aos que haviam chamado.
O desejo de tirar proveito da estada do servo de Deus impeliu grandes e pequenos à casa da Papaleo, que se tornou o lugar mais procurado na pequenina cidade. Padres e leigos, ricos e pobres iam diariamente ter com Geraldo, ou para se edificar com as suas virtudes e palestrar com ele, ou para lhe comunicar algum sofrimento oculto e procurar alívio, ou enfim para pedir conselhos acerca da sua consciência.

A vida de Geraldo na casa de Papaleo pouco se diferenciou da de Iliceto; comia pouco, dormia sobre a terra nua, flagelava-se cruelmente à noite e mostrava-se sempre humilde, devoto, paciente, afável, cheio de cativante simplicidade e mansidão. Aos seus ensinamentos uniu o melhor exemplo e inflamou os moradores de Corato com as chamas do amor divino.

Para relatar apenas um caso, Geraldo quis que se fechasse uma janela, que dava para a rua, e se afixasse lá um crucifixo. “As irmãs que se quiserem salvar — disse ele — só devem olhar para Jesus Crucificado”. O santo porém nesse ponto só encontrou ouvidos de mercador; as irmãs não estavam dispostas a fazer o sacrifício. Mas qual não foi o seu espanto quando de manhã encontraram a janela completamente murada! Quem o teria feito? Impossível ter vindo alguém ao convento à noite e executado o trabalho, sem barulho algum.

Atribuíram aos anjos a execução do desejo manifestado por Geraldo. Seja como for, o fato causou profunda impressão no convento e auxiliou muito o andamento da reforma, que o próprio Deus aprovou com milagres assombrosos. Uma vez em uma dessas palestras, enquanto falava do amor de Deus aos homens e da sua morte sobre a cruz, uma alegria indizível apoderou-se da sua alma, que sentia tão vivas saudades do céu, que lhe não foi possível reprimi-las. Seu peito procurava respiração, seu rosto inflamou-se, os olhos voltaram-se para o céu e as mãos seguravam os balaustres da grade de ferro; o santo suspirava parecendo não conter a violência dos seus sentimentos. Passados alguns minutos, voltou a si, tranqüilizou-se e pediu água. Tomou algumas gotas e banhou-se com o resto para acalmar o incêndio do amor divino.
Um outro fato, cuja recordação durou longos anos, prende-se à pensionista Vicencia Palmieri. A moça, filha de rica família napolitana e herdeira de considerável fortuna, suspirava pela volta ao mundo; não tinha sinal algum de vocação à vida religiosa. Geraldo que ouvira falar da jovem Palmieri, quis vê-la e falar-lhe. A moça foi ter com o santo e manifestou-lhe o enfado que sentia à solidão da cela e à vida presa e oculta por paredes intransponíveis. O irmão ouviu-a calado, e depois disse-lhe: “Quereis, filha, abandonar esta casa? Não, aqui é o vosso lugar; aqui sereis religiosa”.

Vicencia respondeu afirmando ter outro ideal para sua vida. “Bem, replicou o santo, mudareis a vossa resolução, tornar-vos-eis religiosa neste convento e aqui vivereis edificando a todos”. E de fato, quando chegou a mãe para buscá-la, Vicencia não quis acompanhá-la e pediu para entrar no noviciado. Foi admitida, fez a profissão e levou uma vida santa, como Geraldo o predissera. Faleceu quase aos cem anos de idade, merecendo nos últimos momentos a aparição de São José que a consolou e confortou.

Também as beneditinas lucraram imensos benefícios espirituais com a estada de Geraldo em Corato. O servo de Deus esteve lá diversas vezes e sua palavra cheia de unção e fogo produziu incalculáveis frutos de salvação.
A piedosa abadessa do convento, depositando grande confiança no santo, manifestou-lhe os desejos e esperanças do seu coração. querendo libertar-se do cargo, que lhe causava tantos cuidados, pediu ao santo que rogasse ao Senhor que atendesse as suas orações e lhe tirasse dos ombros o pesado ônus tão cheio de responsabilidade.

“Sereis atendida em breve, disse Geraldo, Deus afastará de vós essa cruz, mas impor-vos-á uma outra que tereis de carregar até o fim”. A abadessa foi exonerada pouco depois, mas um horrível cancro manifestou-se-lhe em um dos pés, causando-lhe dores cruéis até o fim da vida, dores que ela suportou com admirável paciência e resignação.

Foi na igreja das beneditinas que o senhor quis exaltar o seu servo de modo a aumentar extraordinariamente a veneração dos moradores de Corato para com o santo irmão leigo.
Em 1753 a Sexta-feira Santa caiu a 20 de abril. À tarde desse dia saiu, como de costume, uma procissão pela rua, levando uma devota imagem de Jesus Crucificado. Ao chegar o préstito perto do convento das beneditinas, Geraldo meditava profundamente na Sagrada Paixão. À vista da imagem o santo foi arrebatado aos ares e nessa posição permaneceu longo tempo, os olhos fitos no crucifixo. Os presentes, diante desse espetáculo maravilhoso, encheram-se de santo respeito para com o jovem que se merecera tão assinalados favores do céu.
Passados os dias feriados da Páscoa, Geraldo declarou aos moradores de Corato a ordem que tinha de voltar para Iliceto. Os amigos quiseram detê-lo, alegando não ter chegado nenhum próprio nem carta chamando-o. Geraldo porém replicava sempre: “Fui chamado, devo ir”.

E, de fato, nesse tempo em que Geraldo começou a ficar inquieto e declarou dever voltar, o Padre Fiocchi — como ele mesmo disse ao cônego Gióve — lhe havia dado ordem mental de regressar.
Sobre a atividade abençoada do santo em Corato, possuímos uma breve relação feita por uma testemunha ocular, Padre Francisco Xavier, de Melfi, que então passara uma temporada naquela cidade. Os biógrafos do santo, Pe. Landi e Pe. Tannoia, conservaram-nos a seguinte carta dirigida ao Pe. Fiocchi, reitor de Iliceto. É datada de 24 de abril e reza assim:

“A divina Providência levou o vosso Irmão Geraldo a Corato para a salvação de grande número de almas. Ele com seu bom exemplo edificou a população inteira e operou estupendas conversões. Homens e senhoras de alta posição rodeavam-no; uma palavra sua era bastante para compungi-los e como-vê-los. É-me impossível entrar em pormenores a respeito.

V. Revma. não pode calcular o número de sacerdotes e homens distintos que o visitavam, nem a ânsia com que o acompanhavam em toda a parte; levavam-no em triunfo como a um santo caído do céu; muitos, só à noite se separavam dele. Cada uma das suas palavras era como uma seta que traspassava os corações; muitas vezes só se ouviam soluços entre os assistentes.

E não só o povo foi por ele incentivado ao amor de Deus; também um convento, até então pouco edificante, resolveu aceitar a reforma devido às suas admoestações. Bastava uma palestra com ele para as religiosas desistirem das vaidades e se submeterem humildemente e docilmente à superiora.

Todos os moradores de Corato estão enlevados com o Irmão Geraldo; a cidade inteira foi por ele santamente abalada, de sorte que cerca de vinte ou mais sacerdotes e leigos se estão aprontando para ir a Iliceto e fazer o santo retiro; já pediram a missão para novembro.
Espero ter em breve ocasião de vos beijar a mão e relatar tudo de viva voz”.
“Desde esse tempo, diz o Pe. Landi, a cidade de Corato afeiçoou-se à Congregação do SS. Redentor de sorte que se tornou ativa e intensa a comunicação dela com o convento de Iliceto. Apesar da não pequena distância iam anualmente a Iliceto cerca de quarenta homens para os exercícios espirituais. — A missão correu magnífica até hoje — Pe. Landi escreveu em 1780 — dois dos nossos padres fazem lá anualmente uma semana de pregações sempre com grande sucesso”.

O nome de Geraldo permaneceu em ótima recordação; sua conduta edificante, nos poucos dias da sua estada lá, produziu, mesmo nos anos posteriores, notáveis frutos.

“Geraldo durante sua estada na casa da família Papaleo — atesta o Pe. Camilo Ripoli no processo da beatificação — tornou-se conhecido em toda a cidade; admiravam nele o modelo consumado da virtude e da penitência, o homem eminente pelo dom dos milagres e intuição dos corações, e veneravam-no como um santo. Sua recordação permaneceu saudosa na cidade e contribuiu para eu entrar, em 1798, na Congregação do SS. Redentor”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário