Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

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Caminhada para o Céu

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

" Não manda acaso o Senhor que amemos todos os homens? Sede misericordioso, se quiserdes que Deus use de misericórdia convosco”.



A vida prodigiosa de São Geraldo Magela

CAPÍTULO XIII 

Peregrinação ao Monte Gargano 

Algumas semanas após o triste acontecimento, que acabamos de mencionar, teve Geraldo a consolação de visitar o monte Gargano, um dos mais célebres santuários da redondeza.

O convento de Iliceto abrigava, nesse tempo, parte dos clérigos da Congregação, que se dedicavam ao estudo da teologia-dogmática sob a direção do célebre Padre Alexandre de Meo. Não querendo passar as férias sem uma excursão maior e piedosa, propuseram um passeio ao monte Gargano. O reitor da casa, Pe. Fiocchi, aprovou o plano, exigindo que se realizasse em companhia do Irmão Geraldo, que tomaria sobre si o cuidado dos peregrinos.
Geraldo era muito conhecido e o Pe. Fiocchi contava com a sua força taumaturga, pois que, como ouviremos logo, pouco pôde fazer em benefício dos estudantes.

Nenhuma ordem satisfazia tanto, como esta, aos desejos do nosso santo. O monte Gargano era consagrado a São Miguel, e conhecemos já a sua devoção ao Santo Arcanjo desde a infância, mormente desde o momento em que recebeu das suas mãos, miraculosamente, a santa comunhão.

Provavelmente realizou-se a excursão pelos fins de setembro de 1753. Compunha-se a caravana de dez pessoas: Padre de Meo e Padre Spera, seis estudantes, o nosso santo e um ermitão por nome Irmão Ângelo de São Jerônimo. A viagem foi, de princípio a fim, uma cadeia de acontecimentos extraordinários e, como se exprime uma testemunha no pro-cesso da beatificação, “uma série ininterrupta de milagres de fé, esperança e caridade”.

No momento da partida o Pe. Fiocchi nomeou Geraldo comissário da caravana, entregando-lhe algum dinheiro; dizemos algum, isto é cerca de seis florins, soma muito insignificante para as despesas de um grupo de dez pessoas durante uma semana inteira.

Geraldo não fez a menor objeção. Quando os confrades lhe observaram que tão pouco dinheiro não bastava para a viagem, disse: “Deus providenciará”; soube comunicar aos outros essa inabalável confiança em Deus, de sorte que se puseram a caminho sem cuidados e preocupações.

Para o transporte da pequena bagagem e condução dos mais fracos alugaram-se jumentos, que foram confiados aos cuidados do Irmão Ângelo; partiram. Em Foggia fizeram a primeira parada. Como os leitores sabem da vida de Santo Afonso, essa capital da Apulia possui uma célebre imagem da Madona, diante da qual o santo foi arrebatado em êxtase durante uma pregação ao povo, que se apinhava no templo.

Não podiam os filhos de Santo Afonso, e muito menos Geraldo, deixar de visitar essa imagem. O nosso santo era muito popular na cidade, onde em suas excursões anteriores difundira, repetidas vezes, o brilho das suas virtudes e carismas admiráveis. Mal se soube da sua chegada, sacerdotes e leigos foram saudá-lo e gozar, embora por pouco tempo, da sua santa e edificante palestra. Propuseram-lhe diversas questões de ascese e teologia, que Geraldo resolveu, como de costume, com clareza e precisão.

No mosteiro da Visitação uma religiosa pediu falar-lhe; tinha muita coisa no coração de que desejava esclarecimentos. O santo satisfez o seu pedido e conferenciou com ela sobre os negócios de sua alma. Na despedida aconselhou-lhe que se preparasse para comparecer perante o Juiz Eterno, o que muito a surpreendeu, pois a religiosa era jovem, rosada e sã: uma morte próxima parecia improvável. O conselho de Geraldo foi acertado; após quatro meses Deus a chamou a si.

De Foggia, onde pernoitaram, seguiram de manhã para Manfredonia. Como os jovens, não habituados a longas caminhadas, sentiram logo grande cansaço, Geraldo resolveu alugar uma carruagem até Manfredonia. “Mas d’onde tirar o dinheiro para isso?” foi a exclamação uníssona dos romeiros. Geraldo respondeu: “Deus providenciará” e alugou um carro de dois cavalos, que transportou os passageiros até o lugar designado.

Aqui começou a dificuldade com dois jumentos; eles e o guia, Irmão Ângelo, não podiam acompanhar o carro. Os animais mal nutridos não corriam, arrastavam-se a custo; por fim fatigaram-se tanto, que Ângelo teve de ficar atrás. Em Candela, onde pararam para um refresco, deram pela falta de Ângelo com os animais. Esperaram, olharam — debalde; por fim avistaram o pobre guia banhado em pó e suor.

Geraldo concedeu-lhe e aos animais, um pequeno descanso, e pouco depois, deu sinal de partida. O eremita protestou alegando o cansaço dos animais, que tinham necessidade de maior repouso; só mais tarde se poria a caminho. Geraldo não concordou: “Os animais não podem ficar aqui, disse, vereis que eu os tocarei adiante”. O eremita teve que ceder e montou um dos jumentos; o outro ficou para o guia da carruagem. Os dois jumentos foram atrelados adiante dos cavalos; Geraldo subiu à boleia e com uma valente chicotada nos jumentos exclamou: “Em nome SS. Trindade eu mando: adiante!” Os animais pareciam animados de nova vida; galoparam com os cavalos como se fossem corcéis de raça, e assim chegaram a Manfredonia. Após o pagamento da carruagem ainda restaram na bolsa alguns tostões.

O homem da Providência não desanimou, lembrou-se de seu bom Rei celestial e resolveu pedir-lhe audiência. De caminho para a capela do castelo da Manfredonia, comprou no mercado um belíssimo buquê de cravos, que estavam à venda, e levou-o à capela. Depois de saudar o SS. Sacramento, subiu os degraus do altar, onde depositou o seu ramalhete; em seguida, olhando para o sacrário, disse com tocante singeleza: “Meu querido Salvador, vedes que pensei em Vós, agora é vossa vez de pensar em minha pequena família”.
O capelão do castelo, que se achava na capela e que presenciara esse ato de filial confiança, aproximou-se para ver o piedoso irmão e os seus companheiros.

Constatando serem eles da Congregação do SS. Redentor, da qual era amigo, chamou-os e fez questão de lhes dar hospedagem: “Deus vos pague, senhor — replicou o irmão agradecendo — mas nós somos tantos”. “Pouco importa — continuou o sacerdote — vinde todos à minha casa; cuidaremos de todos; minha mãe, que se acha doente há dois meses, não poderá, infelizmente, tratar-vos como mereceis, ela está de cama e muito enfraquecida”. “Quanto a isso, interrompeu Geraldo, não há dúvida. Crede-me: chegando em casa fazei sobre ela o sinal da cruz e ela ficará curada”. O padre acreditou nas palavras do irmão e não se iludiu. Mal fizera o sinal da cruz sobre a fronte da doente, esta sentou-se sã e forte, levantou-se e serviu os hóspedes.

O tratamento excedeu toda a expectativa, ainda mais que os romeiros, nem por sonhos, esperavam em Mafredonia tão excelente hospedagem. Além disso o capelão fez questão cerrada de prover os seus hóspedes do dinheiro necessário para a longa jornada.

Esse ajutório não foi o único fruto produzido pela ramalhete ao piedoso doador em Manfredonia. A súplica do servo de Deus ao pé do altar chegou ainda aos ouvidos de um outro sacerdote, que chegou incontinenti para ver e falar ao irmão, que na sua opinião devia ser um santo. A palestra agradou-lhe tanto, que prometeu mandar de presente a Iliceto um turíbulo prometido no valor de sessenta ducados.
Assim cumpriu-se a ordem do segundo dia a promessa feita por Geraldo de que Deus havia de providenciar. Diante disso levantaram-se os ânimos dos que, com certa apreensão, começaram a viagem. Indizível contentamento apoderou-se de todos, quando na manhã seguinte se aprontaram a subir o monte Gargano, em cujo sopé jaz Manfredonia.

A subida era íngreme; os jovens não tardaram a queixar-se de cansaço; ora um, ora outro exigia a cavalgadura. Só Geraldo caminhava a pé, como de costume, não parecendo sentir cansaço nem fraqueza. O seu espírito entretinha-se com o santo Protetor, de cujo santuário se aproximava. E que alegria quando lá chegou! Cada qual entregou-se à sua devoção. O servo de Deus aprofundou-se tanto no entretenimento com o santo arcanjo que pareceu esquecer-se de tudo que o rodeava.

Os jovens esperavam em vão o fim da sua oração; Geraldo não se movia. Alguns chegaram-se a ele e viram-no em êxtase. O seu rosto estava voltado para o céu, seus olhos abertos fitavam um ponto fixo, a respiração era quase imperceptível. A princípio deixaram-no tranqüilo, mas temendo que ele se esgotasse completamente, resolveram despertá-lo. Chamaram-no, sacudiram-no, levantaram-no para o alto, porém em vão. Quando por fim Geraldo voltou a si, sentiu-se acanhado em ver os companheiros que o rodeavam e disse: “Não foi nada, não foi nada! Vamos tomar um refresco”. Levantou-se e saiu da igreja com os outros.

A refeição desta vez foi mais copiosa do que esperavam, devido à esmola recebida do capelão do castelo em Manfredonia. Passaram a noite em uma pensão.
No dia seguinte os romeiros dirigiram-se bem cedo à igreja para as suas devoções. Geraldo, como na véspera, não se descuidou das necessidades dos seus confrades. A hora marcada mandou servir-lhes um bom café e ao meio-dia aprontou-lhes delicioso almoço.

Os jovens estavam com o Padre de Meo quando Geraldo os convidou para o almoço. Desconfiando das possibilidades da bolsa raquítica do irmão, hesitaram em aceitar o convite e entreolharam-se com desconfiança. “Homens de pouca fé, exclamou Geraldo, isso é obediência? Sentai-vos tranqüilos à mesa”. Enquanto obedeciam a essa ordem categórica, Geraldo tirou da bolsa umas moedas, entregou-as ao Irmão Ângelo para comprar pão. Este desceu ao rés do chão, executou a ordem recebida e voltou. Qual não foi o seu espanto ao ver Geraldo em atividade edificante. A mesa estava cheia de peixes de toda qualidade — era dia de abstinência — e o bom irmão servia a todos com a generosidade de um abastado pai de família.
Terminada a refeição, o Padre de Meo perguntou ao eremita quem havia encomendado tudo aquilo.

Ângelo não soube o que responder, somente afirmou que Geraldo, na véspera, só tinha alguns vinténs, fora à igreja rezar diante do altar do arcanjo São Miguel, e lá um homem desconhecido se aproximara com um rolo de moedas de prata, pedindo se lembrasse dele em suas orações e amasse sempre a Deus. É certo que, sem esse auxílio extraordinário da Providência, o santo não poderia prover tão copiosamente os seus confrades.

Antes de descer do monte Gargano Geraldo quis ajustar as contas com o hoteleiro, que sem consciência exigiu soma evidentemente exagerada. De nada valeram considerações e pedidos. “Pois bem, disse Geraldo em tom grave, se não dominardes a vossa ganância e exigirdes mais do que é justo, todos os vossos animais perecerão”. Mal acabava de pronunciar a ameaça, quando o filho do hoteleiro, chorando, entrou no quarto exclamando: “Vinde depressa, papai, não sei o que têm os muares; estão rolando no chão, que é um horror; vinde depressa por amor de Deus!”

A essa notícia o homem empalideceu; reconhecendo a sua injustiça, prostrou-se aos pés de Geraldo e pediu perdão. “Perdoo-vos de coração, replicou este ao humilhado, mas não esqueçais nunca: Deus está com os seus pobres; grande mal vos sucederá, se ainda uma vez exigirdes mais do que é justo”. O hoteleiro não quis aceitar nada, porém Geraldo pôs sobre a mesa o pagamento da hospedagem e foi à estrebaria para ver os muares. Um sinal da cruz feito por ele, foi o suficiente para restituir a saúde aos animais. Os romeiros visitaram mais uma vez o santuário e puseram-se a caminho.

Chegados ao pé do monte, sentiram ardente sede: “Chegaremos logo a um poço, disse Geraldo, lá podereis dessedentar-vos! um pouco de paciência ainda!” Não tardaram a alcançar o poço; mas, querendo haurir água, deram pela falta da corda para descer o balde. Por causa da seca extraordinária o proprietário do poço a havia afastado, de medo que viesse a faltar água, se todos a pudessem usar.

O santo, que não olhava para si mas para a sede dos seus confrades, foi ter com ele e pediu com humildade e bons modos, cedesse por uns momentos a corda para extrair a água e dessedentar os jovens. Foi porém repelido bruscamente.

Também esse homem teve de se convencer da criminosidade da sua avareza por um milagre estupendo. Afastando-se dele disse Geraldo: “Negais água ao vosso próximo, que deveis amar como a vós mesmo; pois bem, também a vós o poço há de negá-la”. Dito isso saiu com seus confrades. Não tardou muito, correu o homem atrás deles, gritando de longe com todos os pulmões: “Tende compaixão dos pobres que precisam da água do poço; é o único em toda a região!” Que é que aconteceu? Conforme a ameaça de Geraldo a água começou a diminuir sensivelmente. Abriram-se os olhos do dono do poço, o qual reconheceu o castigo da sua falta de caridade e de sua avareza. Arrependido estava disposto a dar de beber não só aos religiosos mas também aos dois animais que os acompanhavam, contanto que voltas-se outra vez a água a encher o poço.

Os viajantes não quiseram dar crédito às palavras do homem, porque da beira do poço tinham visto dentro água em abundância; parecia-lhes impossível secar-se o poço em tão poucos minutos. Devido às insistências do homem voltaram e verificaram que no poço só havia lama e areia molhada.

Geraldo, vendo quebrada a teimosia do dono, mandou atar a corda ao balde e lançá-lo ao poço. No mesmo instante apareceu novamente água. Depois que todos beberam, o santo dirigiu-se ao dono com as palavras: “Meu irmão, por amor de Deus nunca mais negueis a um sedento a água, que é de todos; do contrário Deus também vô-la negará. Não manda acaso o Senhor que amemos todos os homens? Sede misericordioso, se quiserdes que Deus use de misericórdia convosco”.
O homem tomou a peito aquelas palavras; dali em diante a corda ficou sempre junto ao poço, dando a possibilidade a todos de matar a sede.

Em Manfredonia voltaram à casa do capelão, que os hospedara tão gentilmente dias antes. No dia seguinte foram para Foggia. O caminho até lá teve de ser feito a pé com grandes dificuldades, mormente para o nosso santo. Inesperadamente repetiu-se a hemoptise que tivera já freqüentes vezes; Geraldo porém não quis saber de alívio; enquanto os seus confrades se revezavam no uso dos animais, ele caminhava a pé, esforçando-se por ocultar aos outros a sua fraqueza extrema. Nenhuma queixa saiu dos seus lábios; se não o tivesse visto vomitar sangue, ele teria guardado inviolável segredo sobre o seu mal-estar.

A sua fraqueza não o impediu de tratar os confrades com toda atenção e caridade e fazer tudo quanto lhes pudesse causar alegria e contentamento. Em Foggia ele propôs um passeio ao santuário da “Virgem coroada” pouco distante da cidade. Todos concordaram e no dia seguinte para lá se dirigiram guiados pelo santo.
Sucedeu então ao servo de Deus o mesmo que no monte Gargano; mal se ajoelhara na igreja, o seu espírito ficou preso nos doces laços do êxtase. Quando Geraldo voltou a si perguntou-lhe um dos estudantes o que ele havia tido. “Nada, respondeu o irmão, isso não passa de fraqueza minha”.

Os romeiros fizeram mais um desvio para visitar em Tróia o belíssimo Crucifixo entregue à veneração pública pelo santo bispo Cavalieri de Tróia, tio materno de Santo Afonso de Ligório. Os jovens clérigos interessaram-se vivamente pela imagem venerável em si mesma e principalmente grata pela recordação de um santo parente do fundador da Congregação. “Mais consolações do que os outros, diz Tannoia, sentiu Geraldo à vista do Crucifixo; todos foram testemunhas da emoção do seu coração e arroubo extático do seu espírito”.

Essa peregrinação foi realmente uma série de milagres, e contribuiu não pouco para consolidar a fé nos jovens confrades de Geraldo e fortificá-los na sua vocação.

Um desses jovens sempre se recordava com comoção da viagem empreendida por Geraldo, porque viu realizar-se à risca uma profecia feita então pelo santo; era Pedro Paulo Blasucci que havia professado um mês antes. Seu irmão Domingos terminara há sete meses, ainda na flor dos anos, a sua vida inocente e rica em virtudes, como um segundo São Luís; faleceu santamente em Caposele.

A esse Pedro Blasucci predisse Geraldo nessa peregrinação ao monte Gargano, que ele seria superior geral da Congregação, o que se realizou quarenta anos mais tarde; a 24 de abril de 1793 foi o Pe. Blasucci eleito reitor-mor e regeu a Congregação vinte e três anos, até a sua morte em 1816.

A viagem de Geraldo fez-se em nove dias. Ao entregar a bolsa ao superior continha mais dinheiro do que na partida. Não se enganou pois o Pe. Fiocchi quando disse que a melhor matula para a viagem era a confiança divina do Irmão Geraldo.

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