Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Nos planos da Providência, Geraldo não devia apenas distinguir-se pelo brilho das virtudes dentro do convento, mas quanto possível a um simples irmão leigo, ser um salvador de almas e verdadeiro apóstolo em não insignificante parcela da sua pátria.



CAPÍTULO IX 
O esmoleiro 

Nos planos da Providência, Geraldo não devia apenas distinguir-se pelo brilho das virtudes dentro do convento, mas quanto possível a um simples irmão leigo, ser um salvador de almas e verdadeiro apóstolo em não insignificante parcela da sua pátria. Esse desejo de atividade apostólica despertou-se em sua alma desde a infância. Já temos visto como ele trabalhou na conversão dos pecadores nos primeiros anos de sua vida religiosa; porém então não eram muitas as ocasiões que para isso se lhe ofereciam. Depois da sua profissão a coisa tornou-se outra.

Favorável ocasião para isso teve o nosso santo no costume de os redentoristas napolitanos levar consigo às missões um irmão leigo na qualidade de ecônomo, que tinha o ofício de prestar aos padres os serviços domésticos e de fazer diversos negócios fora de casa.
Como Geraldo possuía em alto grau as qualidades requeridas para esse mister, recebeu não raras vezes a incumbência de acompanhar os missionários. Que ocasião excelente para o exercício de seu zelo apostólico!
Sem transgredir os limites, indicados por seu ofício e modéstia, o santo realizou e conseguiu mais pelo exemplo de suas virtudes e piedosos colóquios do que muitos pregadores. Ele era, diz uma testemunha de sua operosidade, o mais ativo colaborador dos sacerdotes, mormente na instrução do povo por ele procurado. Achou meios de chegar-se ocultamente aos extravios para os ganhar para a virtude, que conseguia quase sempre, de sorte que os missioná-rios costumavam dizer: “O trabalho e o exemplo de Geraldo produzem mais resultado do que mil missões e pregações”.

Quando algum confessor não se podia arranjar com algum pecador nem abrandar-lhe o coração com conselhos e pedidos, mandava-o ao Irmão Geraldo, que, quase sempre, em pouco tempo o reenviava instruído e convertido.
O que sacerdotes zelosos e doutos não conseguiam, o indouto irmão liqüidava com poucas palavras. Em geral falava calmamente com o pecador; em caso de necessidade, porém, sabia manejar o azorrague e discorria com severidade, efetuando as mais admiráveis conversões.
“É Deus que operava por meio do Irmão, afirmava um missionário, nós só tínhamos que admirá-lo e procurar imitá-lo”.
Também fora das missões, como em novenas, tríduos e outros trabalhos semelhantes, os padres apraziam-se em ter a Geraldo por companheiro. Cada qual contava certo com o resultado de seu trabalho, sempre que podia ter ao lado o Irmão Geraldo.

Não eram entretanto as missões e outros trabalhos semelhantes, que constituíam a ação mais abençoada e profícua de Geraldo.
Mais vasto campo de ação abria-se quando a penúria do convento o constrangia a pedir esmolas.
Por ocasião da fundação de Iliceto Santo Afonso escreveu ao Pe. Rossi: “Munamo-nos de coragem, a nossa vida lá será sempre a de indigentes”. E essa profecia realizou-se.
As tristes condições de miséria, em que se começou a fundação de Iliceto, não melhoraram; a penúria crescia dia a dia, e não se podia esperar auxílio de outras casas, porque elas também mal possuíam o necessário para se manter.
Os superiores viram-se pois na dura necessidade de recorrer à generosidade de benfeitores; mandavam para isso diversos irmãos esmolar em vários lugares com a autorização dos bispos e dos vigários.

Entre os irmãos não havia nenhum mais apto para essa delicada e escabrosa ocupação do que o nosso santo. Sua edificante modéstia, a mistura suave de afabilidade, simplicidade e austeridade, que lhe eram próprias, sua prudência no trato com o mundo, enfim sua fama de santidade recomendavam-no para esse ofício; podia-se com fundamento esperar dele não só o fim próximo do peditório, mas também aquela unção que ele sabia imprimir à sua atividade, a exemplo de São Francisco de Assis e São Félix de Cantalício.

Para Geraldo era o exercício desse ofício a melhor ocasião de desenvolver em todos os sentidos a sua caridade apostólica.
Nos três anos seguintes percorreu vários povoados, aldeias e cidades, distribuindo ricos tesouros de graças celestes em paga das pequenas esmolas que recebia.
Não conhecemos muito pormenores das viagens abençoadas do nosso santo esmoleiro; entretanto o pouco que sabemos é bastante para formarmos uma idéia mais ou menos adequada da sua atividade e nos enchermos de assombro diante dela.
Primeiro diremos algo em geral da vida do santo em suas peregrinações, deixando para mais logo a descrição de sua operosidade em lugares determinados.
O religioso obrigado a entrar em contato constante com o mundo, deve ser perito na arte de conservar sempre o espírito recolhido da cela e de se não mundanizar no barulho e rumor do século.

Geraldo possuía essa arte em grau elevado; vivia da mesma for-ma dentro como fora do convento: era sempre o mesmo irmão simples, pobre e amável. Contemplando-o em suas viagens de aldeia em aldeia, ao lado da sua cavalgadura, pobremente vestido, recolhido, amavelmente saudando a todos, trocando algumas palavras com quem o apostrofava, abençoando as crianças que lhe iam beijar as mãos, parando em cada igreja para rezar um pouco e pedindo esmola com incomparável modéstia e humildade, podia-se reconhecer imediatamente o homem da oração e dos carismas divinos.

As duras mortificações praticadas em casa, o santo as prosseguia em suas viagens. O voto feito de executar sempre o que julgasse mais perfeito, tornava-se sempre mais exato: nem as viagens penosas, nem as dificuldades do peditório dispensavam-no do rigor do voto.
Jejuava também fora do convento; e sempre que tomava algum alimento, misturava-o com ervas amargosas. Quando tomava algum descanso, à noite, desprezava os leitos e dormia no chão; e para que ninguém o notasse desarranjava a cama de manhã. Quando, às vezes, não lhe era possível alcançar a casa dos benfeitores e amigos da Congregação, dormia ao relento; em casa inteiramente estranha nunca se alojava.

Geraldo caminhava ao lado do seu jumento; cavalgar parecia-lhe luxo e comodidade. Às vezes, quando os superiores se lembravam de prescrever-lhe a equitação, Geraldo obedecia; aliás a cavalgadura ia mais fresca e folgada. Encontrando, de caminho, alguém com peso às costas a seguir a mesma estrada, não sossegava enquanto não lhe tirava o fardo para pô-lo no seu jumento, mesmo que se tratasse apenas de uma pequena distância. Aos confrades, que às vezes o acompanhavam, cedia sempre a sela marchando ele ao lado.

Virtude característica no nosso Geraldo era a extraordinária modéstia em toda a sua conduta. Freqüentemente encontrava-se com pessoas do outro sexo; nunca porém perdeu coisa alguma da decência delicada, que lhe era própria. Fizera-se escrúpulo em rezar uma Ave Maria em louvor da Imaculada sempre que, em virtude do seu ofício, se encontrava com mu-heres, propósito esse que sempre executou conscienciosamente. Evitava, quanto possível, falar a sós com essas pessoas; mesmo quando era necessário dirigir-se a muitas ao mesmo tempo, guardava sempre a maior discrição, embora se entretivesse sem o menor acanhamento. Conservava os olhos sempre baixos não tanto por sua causa, mas pelo bom exemplo que devia dar.

A sua presença produziu sempre profunda impressão. Grandes e pequenos e até povoações inteiras recebiam-no com verdadeiro entusiasmo. Se todos porfiavam em dar-lhe generosas esmolas, de sorte que, como Geraldo se exprime, “as mulheres da sua terra arrancariam os seus brincos e os homens os seus tesouros, se ele os não impedisse” — contudo mais ávidos eram todos em receber dele as esmolas espirituais.
Edificação especial causava a todos o seu espírito de oração. Viam-no a cada momento livre diante do SS. Sacramento, não raramente em êxtase. Em suas viagens, os viandantes notavam que Geraldo, em seu espírito, seguia caminhos diversos dos que seus pés trilhavam.
Porém não era somente com o exemplo das suas virtudes que remunerava as esmolas recebidas; pagava-as ricamente com uma outra moeda, ainda mais preciosa. Terminado o peditório transformava-se em apóstolo.
De todos os lados recorriam a ele assaltando-o com pedidos e perguntas; uns queriam suas orações, outros desejavam conselhos, consolo e instrução. À tarde achava-se quase sempre rodeado de gente; e ninguém se arrependia dessa santa ousadia, pois Geraldo regozijava-se sempre que lhe era dado comunicar a outrem os dons recebidos de Deus. O assunto usual da sua palestra era: obrigação de levar uma vida verdadeiramente cristã, a fugida do pecado, a fidelidade no cumprimento dos deveres do próprio estado, a recepção freqüente dos santos sacramentos, o amor a Jesus Cristo, a devoção a Nossa Senhora e semelhantes.

O irmão era tão hábil em consolar os outros, que alguém afirmou “ter Geraldo levantado o ânimo a todos os que sofriam”. Reanimava as almas aflitas apontando-lhes o exemplo de Jesus paciente, e conseguia fazê-las carregar a cruz com resignação e até com alegria. Não suportava discórdias, inimizades e semelhantes escândalos; restituía a paz às famílias, que lhe ficaram devedoras dessa felicidade, aliás perdida talvez para sempre.

Em geral não deixava passar ocasião de impedir pecados e corrigir pecadores.
Ao viajar um dia por San Menna, notou que seu cavalo tinha perdido as ferraduras. Dirigiu-se a um ferreiro, que em sua avareza quis explorar a simplicidade do irmão. Terminado o trabalho exigiu pagamento exagerado. Sem lesar o voto de pobreza, unicamente para satisfazer a ganância do ferreiro, Geraldo não podia concordar com a injusta exigência. Santamente irado mandou o cavalo que restituísse as ferraduras; o animal deu um salto, sacudiu os pés e despregou as ferraduras. O homem perdeu a fala de tamanho susto; recuperou-a só quando Geraldo, montado em seu cavalo, havia desaparecido. Caindo em si e reconhecendo a sua falta, correu atrás gritando: “Geraldo, Geraldo, parai, esperai um pouco”. Era tarde; o irmão ia longe e não voltou.

Uma outra vez encontrou junto à ponte de Bovino um cocheiro, que blasfemava horrendamente. O carro atolara debaixo da ponte e os animais não o podiam puxar para fora; o carro e os animais estavam em grande perigo. As blasfêmias penetraram como punhaladas no coração do santo. “Cessai de blasfemar”, gritou Geraldo ao cocheiro. — “Cessarei se me salvardes o carro e os animais, que irão ao fundo”, foi a resposta. “Bem — replicou o santo e, dirigindo-se aos animais como sinal da cruz — mando-vos em nome da SS. Trindade que puxeis para fora o carro”. Palavras não eram ditas, o carro tornou-se leve e os animais puxaram-no sem esforço para fora do rio. O cocheiro ficou estupefato. Geraldo aproveitou-se da disposição do homem para completar a sua vitória. Repreendeu-o, admoestou-o a abandonar o mau costume de blasfemar e concluiu com as palavras: “De hoje em diante nada mais de blasfêmias; se vos suceder no futuro desgraça semelhante a esta, lançai ao carro este meu lenço e Deus vos há de socorrer”. O cocheiro não tardou em ter ocasião de verificar a verdade dessa predição. Achando-se uma vez em apuros semelhantes àquele, disse consigo mesmo: “vamos ver se o Irmão é de fato um santo” e lançou ao carro o lenço de Geraldo que levava sempre consigo — repetiu-se o milagre de acordo com a predição do santo.

O nosso esmoleiro empreendeu de fato uma campanha gloriosa contra o pecado. Geraldo fazia, por assim dizer, caça formal aos pecadores, nada descurando para a conversão deles. A atração da sua caridade é que agia, mais que tudo, sobre os corações. Um outro fator talvez mais poderoso ainda nas conversões era a penetração que exercia sobre as consciências.
Para abrir brecha nos corações empedernidos tomava singulares posições de assalto. Encontrou-se um dia, não longe de Iliceto, com um jovem aventureiro que o fitou e examinou de alto a baixo. O traje de Geraldo era pouco recomendável; uma capa velha e remendada pendia-lhe dos ombros, a batina curta em mau estado, um chapéu velho e usado cobria-lhe a cabeça. Não admira que o moço teve dificuldade em discriminar a classe, à qual poderia pertencer o santo. A idéia, que se formou, foi de estar diante de um cigano.

Quem sabe, pensou ele, o homem poderá ser-me útil. Aproximando-se de Geraldo perguntou-lhe:
“Ser-me-á permitido acompanhá-lo? Julgo serdes um feiticeiro”.

Embora pouco lisonjeira, a apóstrofe agradou a Geraldo, que desejava aproximar-se do jovem para colocá-lo no bom caminho. Deu-lhe uma resposta evasiva; o aventureiro porém viu em suas palavras uma afirmativa e prontificou-se a servi-lo. “Se procurais algum tesouro, disse, tomai-me como auxiliar”.

 — Mas, replicou Geraldo, tendes coragem e inteligência? — “Naturalmente, afirmou o aventureiro, não sabeis quem eu sou; ouvi o que eu já tenho feito”.

O estranho pôs-se a enumerar com grande pose as suas extravagâncias; entre outras disse que há seis anos não se aproximava dos sacramentos.

“Pois bem, disse Geraldo aparentemente satisfeito, o tesouro que procura será vosso, achá-lo-emos logo”. Isso encorajou ainda mais o pecador, que continuou a relatar novos crimes, enquanto que o irmão forjava o plano de prendê-lo em sua rede.

Assim chegaram a uma espessa floresta. Geraldo entrou primeiro; o companheiro seguiu-o pensando que iria começar a escavação do tesouro.

Chega-dos ao centro disse Geraldo: “Aqui estamos” e estendeu a sua capa no chão, convidando o jovem a aproximar-se dele. Tremendo aceitou o convite e, na sua grande superstição, temeu ter que ver o demônio. Geraldo mandou-o ajoelhar-se e pôr as mãos; olhou para o céu e disse solenemente ao aventureiro: “Prometi-vos que acharíeis um tesouro e cumpro minha palavra; mas o tesouro não é deste mundo; é o tesouro do paraíso; se o quiserdes ver, aqui está”.

Tirou do peito o crucifixo. Todo perplexo o jovem pôs-se a considerá-lo; por essa não esperava ele: “Contemplai-o bem, continuou o santo, este é o tesouro que tendes perdido há tantos anos, comutando-o por coisas miseráveis do mundo”.

Com vivas cores mostrou ao pecador a miséria de sua alma, pôs-lhe ante os olhos a detestabilidade dos seus desvarios e con-jurou-o com toda a insistência a voltar-se para Deus. Não foi em vão; o aventureiro transformou-se, arrependeu-se de coração. Vendo Geraldo a transformação completa produzida por suas palavras, abraçou-o ternamente e levou-o consigo.

O convertido, entre lágrimas e soluços, acompanhou o irmão ao convento sem relutâncias. Lá acabou de encontrar o tesouro perdido. Com uma confissão sincera reconciliou-se com Deus, gozando, em seguida, a paz da graça e vivendo com o bom cristão conforme os avisos que Geraldo lhe dera.

Assim como o servo de Deus se servia das suas excursões para salvar almas da lama do pecado, da mesma forma e com o mesmo afã procurava ganhar amigos para a vida perfeita. Com grande habilidade movia virtuosas donzelas a abandonar o século para tomar o véu. A força persuasiva desenvolvida nessas ocasiões, era um dos seus mais fortes carismas. Os conventos das Carmelitas de Ripacandida, das Beneditinas de Atella e das freiras de Saragnano tiveram considerável reforço de novas religiosas devido aos esforços e zelo do nosso santo. Isto deu-se sobretudo com o convento de Foggia, que recebeu como postulantes duas filhas de Constantino Capucci, que já conhecemos, e mais doze moças pertencentes a essa família.

Deus comprazeu-se nesse zelo de Geraldo apoiando-o repetidas vezes com milagres estupendos. Conta-se, por exemplo, que diversas donzelas, de caminho para o convento, sobrevindo-lhes violenta pancada de chuva, não se molharam por se haverem protegido estendendo o manto que Geraldo lhes dera.
Coisa mais admirável ainda sucedeu às filhas de Capucci, quando da casa paterna se dirigiram ao convento de Foggia. Em companhia do pai e do santo chegaram a um rio que transbordara, tornando impossível a passagem. Geraldo não se perturbou; deu às águas a ordem que Josué deu outrora às ondas do Jordão. — Eis, as águas dividiram-se deixando os viandantes atravessar o rio a pé enxuto. O pai das duas moças, homem sóbrio e instruído, referiu-se sempre com admiração a esse acontecimento até a sua avançada idade, de sorte que não é possível duvidar razoavelmente dele.

As excursões do santo eram uma quase ininterrupta série de milagres de toda sorte. Para mencionar apenas mais um, estava Geraldo em Venosa na residência do Cônego Calvini, quando uma pobre mãe lá apareceu com um menino de pernas tortas; apresentou-lhe o filho, pedindo-lhe tivesse compaixão do pequeno e da mãe e orasse a Deus por eles. “Não é nada, disse Geraldo com sua costumada simplicidade, as pernas estão curadas”; tocou-as em seguida elas endireitaram-se instantaneamente.

Em outro lugar bateu o santo à porta de uma senhora muito pobre; pediu pão, mas a mulher alegou a sua extrema pobreza, dizendo que não tinha para si nem mais uma fatia. A pobre possuía apenas um pouco de farinha que acabava de chegar do moinho. Geraldo mostrou-se admirado com a desculpa da mulher. “Como, exclamou, não tendes nada? então a vossa caixa não está cheia de pães?” — “Está vazia, não há nem um pedaço dentro”, replicou a mulher, e para convencê-lo, conduziu-o até o lugar do depósito e mandou abri-la. Geraldo fê-lo e, ó prodígio, havia pão em grande abundância. Um grito foi a expressão de espanto e da alegria da mulher diante daquele milagre. É escusado dizer que a pobre ofereceu ao irmão daquele pão prodigioso com todo o respeito e generosidade.
Um outro milagre semelhante narra-o o Irmão Antônio de Cosimo, que sucedeu a Geraldo, muitos anos depois nos lugares onde este esmolara:
“Esmolando na Basilicata, diz ele, cheguei em Ferrentina a uma casa, onde encontrei uma velha cega por nome Lucrécia, a quem apostrofei: ‘Não quereis dar uma esmola para o convento de Iliceto?’ Querendo saber quem eu era, respondi: ‘Sou um irmão leigo de Iliceto’, ao que a cega exclamou cheia de alegria: ‘Ó Irmão Geraldo, meu caro Irmão Geraldo, permiti que vos beije as mãos’. Ao ouvir que o Irmão Geraldo já era falecido há muitos anos, começou a chorar e a soluçar: ‘Ele morreu! Geraldo morreu! Meu Deus, ele era um grande santo’.

Contou-me então que Geraldo lá chegara num ano de má colhei-ta, para esmolar. Ela porém desculpou-se dizendo não possuir mais de três alqueires de farinha, que devia chegar para o sustento da família e dos cama-radas durante a semana toda. A nova colheita estava muito longe; era-lhe por impossível dar esmolas. ‘Isso não faz mal, respondeu Geraldo, dai agora à Nossa Senhora uma esmola maior do que o costumado alqueire e vereis que a Mãe de Deus aumentará a sobra, de sorte que esta dará para o sustento da família até a próxima colheita’. — ‘Se for assim, replicou Lucrécia, tirai quanto quiserdes’. O restante da farinha, continuou a contar a mulher comovida e chorosa, deu de fato até a colheita, como Geraldo havia predito. Isso parece incrível, disse ela, mas é a realidade e eu tenho a Geraldo na conta de um verdadeiro santo, sim, é um grande santo porque do contrário não faria os milagres que fez”.
Uma outra testemunha conta: “Em toda parte onde Geraldo aparecia como esmoleiro, conquistava-se a fama de um homem de Deus, um anjo de pureza, um taumaturgo, de sorte que essa reputação e estima continuaram até depois de sua morte”.
Em conseqüência das suas excursões abriu-se ao santo um novo campo de atividade, que julgamos bom mencionar neste lugar, a saber: o seu apostola-do epistolar.

Quem uma vez travou relações com o nosso irmão, experimentou a força da sua palavra, doutrina e consolo, e sentiu o espírito de sabedoria, que o animava; continuava a querer gozar sempre essa felicidade e prosseguir essas relações com o extraordinário conhecedor do seu coração. De todos os lados Geraldo recebia cartas pedindo conselhos, consolação, esclarecimentos, sendo-lhe assim necessário pegar de uma pena para não abandonar a obra começada, deixando de lado os seus “penitentes”, como se exprime o Pe. Tannoia.

As cartas do santo são o espelho límpido da sua alma cândida e seráfica. Ortografia, estilo e concatenação de pensamentos traem o indouto irmão leigo, o conteúdo porém revela o mestre da vida espiritual. São pérolas preciosas em uma ostra informe.
A maior parte delas perdeu-se; as restantes são dirigidas, em sua maioria, às Virgens consagradas a Deus; daremos em outro lugar desta biografia o lado edificante delas. Algumas cartas, das quais só restam fragmentos, são endereçadas a homens e senhoras no século. Queremos, no fim desta capítulo, mencionar para utilidade do leitor e prova da esclarecida sabedoria e solícita caridade do santo, alguns tópicos desse singular e abençoado apostolado. Começamos com a breve mas linda carta de Geraldo a um homem desconsolado à beira do desespero; é uma admoestação à oração e à confiança na Providência divina.
“Recebi vossa prezada carta. Se fordes fiel a Deus, ele vos há de amparar. Deus sabe quanto eu sinto os vossos sofrimentos. Queira o Espírito Santo esclarecer-vos sobre o grande dever que temos de sofrer por amor d’Aquele que tanto padeceu por nós. Meu irmão em Cristo, tende paciência em vossas tribulações, pois que Deus as permite para o vosso bem; ele quer que, caindo em si, a alma se salve. Só uma coisa é necessária: suportar tudo com paciência e resignação à vontade divina; isso contribuirá para a vossa salvação. Coragem, que vencereis a tentação! Tende fé, que conseguireis tudo do meu Deus”.
Semelhantemente escreve a uma pessoa que, não havendo conseguido uma colocação, ficou extremamente desconsolada.

“Tende paciência. Não conseguistes logo o que procuráveis, porque, talvez, Nosso Senhor vos quer humilhar. Deus costuma chamar a atenção das almas por meio de sofrimentos e amarguras, para que elas compreendam o que quer dizer ofender a Deus. Nesse caso o melhor é deplorarmos, sem cessar, os nossos pecados pedindo ao Senhor que prolongue os nossos dias para termos tempo de chorar e sofrer por ele. Porque quereis desesperar? Os vossos sofrimentos nada são em comparação dos que mereceis pe-los vossos pecados. Não seria muito pior, se estivés-seis agora no inferno? Meu filho, tomai cuidado, o inimigo é astuto e se não fordes mais fiel a Deus, ele achará meios de precipitar-vos na desgraça. Enchei-vos de coragem e confiai no Senhor; ele dar-vos-á força para as vossas angústias. Há pouco recomendei-vos ao Senhor N; infelizmente ele ainda não está em condições de satisfazer o vosso desejo. Entregai todo o negócio a Deus, que vos ajudará na medida que o servirdes fielmente”.

Finalmente, mencionemos ainda a carta que Geraldo, à guisa de diretor espiritual, escreveu ao Pe. Caetano Santorelli de Caposele. Esse sacerdote pertencia à família do médico Santorelli, muito dedicada ao santo, mormente nos últimos tempos. O sacerdote dirigia-se ao santo em seus grandes escrúpulos por conhecer a sua alta competência. Geraldo respondeu-lhe a carta seguinte:

Jesus e Maria!

A graça do Espírito Santo habite constantemente na alma de V. Revma. e a SS. Virgem vos guarde. Amém.

Eu vos escrevo muito às pressas, Revmo. Senhor. Com viva satisfação recebi a vossa missiva e agradeço-vos a caridade demonstrada àquele servo de Deus. Deus vos há de pagar como espero.

Agora ouvi-me com toda a atenção. O que vos quero dizer, digo-o em nome da SS. Trindade e no de minha Mãe Maria Santíssima; fazei que seja esta a última carta que vos escrevo nesse sentido.

Quanto aos escrúpulos da vida passada, sei que tendes já examinado, mais de uma vez, a vossa consciência com todo o cuidado; por isso eu vos digo: não penseis mais nisso! Todos os vossos temores e dúvidas são apenas um ardil do espírito infernal que vos quer perturbar a paz do coração. Não ligueis  importância à suas insinuações, afugentai-as como verdadeiras tentações e conservai a paz interior para progredirdes no caminho da perfeição.

Quanto aos temores a respeito da administração do sacramento da penitência, digo-vos com toda a verdade: também isso não é nada, apenas uma tentação. O demônio quer demover-vos desse ofício, para o qual fostes destinado, desde a eternidade, para o vosso maior proveito espiritual.

 Cuidado para não cairdes nessa tentação! — falo-vos em nome de Deus. Se abandonásseis esse ofício, teríeis grande dano em vossa vida espiritual, e Deus teria de diminuir a recompensa que vos preparou desde a eternidade.

 Abandonar esse ofício seria não querer fazer a vontade divina, pois — eu vô-lo repito — é vontade de Deus que trabalheis com zelo na vinha do Senhor.

Os erros que lá cometeis não vos devem desanimar; basta que tenhais a vontade seria de nunca ofender a Deus; quanto ao resto não vos inquieteis. A respeito da ciência — Deus vô-la deu suficiente para o desempenho desse ofício.

A visita que me quereis fazer em companhia do sr. Nicolau (é provavelmente o médico Santorelli), parece-me irrealizável agora, porque, como me diz o superior, tenho de partir para Pagani. Agradeço-vos a caridade que, sem eu o merecer, tendes para comigo.

Orai por mim, pois que necessito de orações. Seja sempre bendita a bondade de Deus, que me alenta  em todas as minhas tribulações. Recomendações a todos da vossa casa.

Abraçando-vos in Cor de Jesu e beijando-vos reverentemente as mãos bem como as do sr. Nicolau, permaneço de V. Reverendíssima muito indigno e mísero servo e irmão em J. Cristo.
GERALDO MAJELLA, C.Ss.R.


Nenhum comentário:

Postar um comentário