Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

domingo, 17 de março de 2013

O santo irmão dedicou-se também de modo especial aos doentes. Encheu-se de compaixão ao entrar no hospital dos incuráveis. Daí por diante visitou muitas vezes esse hospital.


A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA
CAPÍTULO XIX 
   
Em Nápoles 

Em fins de julho de 1754 Geraldo deixou a solidão de Caposele para ir a Nocera dei Pagani. O Pe. Margotta, que na qualidade de procurador da Congregação, tinha de passar em Nápoles grande parte do ano, precisava de um irmão desde que seu companheiro, o Irmão Francisco Tartaglione, recebeu incumbência de tratar de outros negócios do Instituto. Grande admirador de Geraldo pediu-o a Santo Afonso por companheiro. 

O santo fundador aceitou gostosamente ao pedido de Margotta, porque conhecia a afinidade espiritual dos dois religiosos e queria de certo modo desagravar o irmão da sua dura provação com uma prova de confiança especial. 

Se isso consolou o Pe. Margotta, agradou, não menos, ao servo de Deus; e de fato a permissão de passar uma temporada ao lado do distinto sacerdote foi-lhe uma reparação pelas humilhações recebidas. 

O Pe. Francisco Margotta era um homem, que por suas purificadas virtudes podia ser colocado, com honra, ao lado do nosso santo. Em muitos pontos assemelhava-se a Santo Afonso. Em sua mocidade seguira quase a mesma carreira como o santo fundador. Nascido a 10 de fevereiro de 1699 em Calitri, de pais nobres, recebeu de sua mãe, após a morte do pai, uma educação verdadeiramente cristã. Já na infância mostrou inclinação declarada para a piedade e revelou todos os sinais de santidade, que costumamos ler nas biografias dos grandes servos de Deus. 

Fez seus estudos com tanto brilho que chegou a terminar o curso filosófico aos dezesseis anos. Desejando dedicar-se ao direito partiu para a capital do reino, onde levou vida pura e inocente, apesar dos encantos sedutores da grande cidade. Distinguiu-se desde a mocidade por uma devoção ardente a Jesus Sacramentado, edificando toda a cidade de Nápoles com sua conduta exemplar e modéstia angelical. 

Terminados com distinção os exames e obtido o grau de doutor em direito, voltou para sua terra. 
Ao talentoso jovem abriram-se naturalmente todos os caminhos das honras e alegrias terrestres; ser-lhe-ia fácil gozar o que o mundo chama felicidade, mas o seu espírito, já então, procurava coisa mais alta. Recusou o enlace matrimonial com uma moça da família Capucci em Lacedogna. Todos conheciam as suas intenções; quando, pouco depois, foi nomeado governador em Andretta, disse a gracejar um dos seus subordinados: “Estejamos alerta e procedamos bem: recebemos um capuchinho por governador”. 

E de fato a vida de Margotta como governador não diferenciava muito da de um religioso. Justiça, caridade e piedade foram virtudes que os moradores de Andretta admiravam diariamente no seu novo chefe. Do outro lado os seus parentes, muito a contragosto, percebiam nele pouco interesse para a administração dos seus próprios negócios temporais, sobretudo das finanças. 

A mãe pediu-lhe desistisse do cargo em Andretta e voltasse a Calitri, o que ele fez com grande prazer. Novas tentativas foram feitas para que ele abraçasse o estado conjugal, porém em vão; Francisco declarou peremptoriamente não querer coisa alguma no século. 

Um passeio de visita a seus parentes em Bisaccia decidiu-lhe a vocação. Lá vivia um santo sacerdote por nome Caetano Giuliani, discípulo do venerável Padre Antônio de Torres, o qual, depois de empregar grande parte da sua vida na pregação de missões, se havia retirado para a solidão afim de consagrar os últimos anos da vida ao negócio da própria salvação, sem todavia abandonar a direção espiritual de algumas almas privilegiadas. 

A aproximação desse santo sacerdote abriu para Margotta uma nova esfera de idéias. Atraído pela sublimidade do sacerdócio resolveu tornar-se padre; após madura preparação recebeu em 1731 o presbiterado das mãos do arcebispo de Conza. 

Daí por diante a sua aspiração era salvar almas e trabalhar, o mais possível, na vinha do Senhor. A fim de ativar-se com mais proveito no confessionário e no púlpito entrou para a Congregação dos missionários do Pe. Pavone, na qual se dedicou à sua vocação como um santo sacerdote, santo confessor e santo missionário. 

Quando porém a Congregação do SS. Redentor abriu a residência de Caposele, resolveu nela entrar (1747) depois de contribuir para a fundação dessa casa com considerável parte da sua herança paterna. 
Como redentorista distinguiu-se na pregação de missões e na direção de almas. Era modelo consumado de todas as virtudes, mormente de obediência e humildade. 

A palavra do superior era para ele a voz de Deus. Com alegria obedecia até aos irmãos leigos. Sua humildade corria parelha com sua obediência; procurava humilhações onde as podia encontrar. Seu amor ao SS. Sacramento e à SS. Virgem colocava-o no mesmo nível de Santo Afonso. 

Incansável trabalhava Margotta no aperfeiçoamento de sua alma e, enquanto o Pe. Cafaro esteve entre os vivos, seguiu com ardor a direção desse grande homem espiritual. 
No primeiro capítulo geral da Congregação (1749) o Pe. Margotta foi nomeado procurador geral do Instituto, cargo que exerceu até a morte, ocorrida em Nápoles a 11 de agosto de 1764. Como procurador hospedava-se com Geraldo no palácio do pai de Santo Afonso. 

Geraldo, nessa ocasião viu pela primeira vez a celebérrima cidade onde natureza e arte espargiram seus encantos, porém não perdeu nada do seu recolhimento e calma interior. Não se alterou sua alma mesmo no meio das ruas mais movimentadas da capital: “No meio das curiosidades de Nápoles, diz Tannoia, não perdeu o seu recolhimento, antes pelo contrário, ainda mais se concentrou sem Deus”.   

O palácio, que habitou com o Pe. Margotta, era-lhe fiel mentor para não esquecer na grande cidade, o que lá menos se tem em vista; tudo recordava-lhe as virtudes, os grandes e difíceis combates, as ardentes preces, as penitências de seu venerando Pai, Santo Afonso. 
Em perfeita união de sentimentos com o Pe. Margotta, desenvolveu-se entre essas duas santa almas, na esfera da virtude, uma disputa digna de todo o elogio e admiração. O fogo que ardia em um comunicava-se ao outro, nenhum queria ser excedido. 

Como os negócios não eram urgentes, usaram ambos, com avareza santa, dessa ocasião para se dedicarem à piedade e à oração. 
O Pe. Margotta dava preferência à igreja dos oratorianos para o exercício da sua devoção; lá celebrava o santo Sacrifício e permanecia horas inteiras de joelhos, prolongando suas orações muitas vezes até altas horas da noite. 

Geraldo não lhe cedia a palma, ardoroso, como era, no amor à oração, à meditação e à visita do SS. Sacramento. Terminados os seus poucos e necessários giros pela cidade e arrumada a cozinha, consagrava o resto do tempo à oração, aos exercícios de piedade e à visita aos diversos santuários da cidade. Nessas igrejas permanecia, às vezes, a metade do dia ajoelhado a um canto ou sobre o pavimento. 

Alegrou-se imensamente ao constatar em Nápoles a exposição perene do Santíssimo à adoração dos fiéis, o ano inteiro, ora numa ora noutra igreja.  
Assim encontrava facilmente ocasião de visitar o Santíssimo exposto todos os dias e de haurir assunto para as suas meditações. Às vezes iam os dois, Pe. Margotta e Geraldo, à igreja onde se achava exposto o Sacramento, caindo ambos numa espécie de êxtase de sorte que muitas vezes perdiam a hora de voltar para casa. 
Costumavam visitar juntos os lugares, onde podiam lucrar indulgências. 

Ao lado do Pe. Margotta e estimulado pelo fervor dele, Geraldo considerava a sua vida em Nápoles como um paraíso, na expressão de Tannoia; as palavras escritas nessa ocasião a Ripacandida são a expressão desses sentimentos: “Acho-me, escreveu, presentemente em Nápoles, com o Pe. Margotta e tenho tempo de desalterar minha alma na conversação com Deus”. 

Disputavam eles não só no amor de Deus e no seu serviço, mas também no rigor da penitência e na renúncia de si mesmos. O Padre Margotta andava pelas ruas de Nápoles como um “crucificado, na expressão de Tannoia, coberto de cilícios e cadeias de ferro, dormia sobre a terra nua flagelava-se cruelmente e preocupava-se tão pouco com o sustento do corpo, que por vezes o esquecia completamente”. 

Em tudo isso imitava-o Geraldo com perfeição. Também ele torturava seu corpo com cilícios, flagelava-se, tomava por leito a terra nua e muito pouco se incomodava com o pão material. Quando uma vez Margotta voltou para casa ao meio dia e perguntou ao companheiro o que havia preparado para o almoço, respondeu-lhe Geraldo em seu tom costumado de gracejo: “O que V. Revma. recomendou”. Queria dizer: “Nada”. — Diante disso crê-se facilmente o que um biógrafo de Geraldo escreve: “A vida de Margotta e Geraldo em Nápoles era um jejum contínuo; eles só matavam a fome, que sentiam de Deus”. 

Quanto à abnegação própria, Margotta praticou-a com tanta perfeição que não só exerceu a pobreza ao ponto de precisar ser obrigado a aceitar um hábito novo, mas até de ir de porta em porta mendigando nos conventos, sem se incomodar com as zombarias a que se expunha. 
Não procedeu de outra forma o nosso Geraldo. Como é sabido os Lazzaroni de Nápoles não pertencem à classe dos mais bem vestidos; não obstante até eles divertiam-se muitas vezes a custa de Geraldo e de suas vestes, tão pobremente andava ele trajado. Mendigar à porta dos conventos era também muito do seu gosto; aparecia ora só ora em companhia de Margotta à portaria dos oratorianos em procura de um pedaço de pão, confundindo-se com os outros mendigos; e teriam continuado esse modo de vida, se os superiores maiores não lhe tivessem proibido por inconveniente. 

Porém mesmo após essa proibição não lhes faltou oportunidade para a abnegação. Achava-se um dia Geraldo na oficina de um artífice quando lá entrou um homem do povo. Este aproximou-se de Geraldo, cumulou-o de grosserias, pôs-lhe os dedos nos olhos e no nariz dizendo: “Ó meu tesouro, como és belo!” O servo de Deus permaneceu insensível a esses gracejos de mau gosto; mas os presentes irritaram-se e ter-lhe-iam dado o merecido castigo, se Geraldo não tivesse intercedido pelo culpado. “Não é nada, disse, sou um pecador miserável. Que fez ele? quis divertir-se um pouco comigo”. 

A oficina em que isto se deu, era o lugar em que Geraldo gostava de passar boas horas durante sua estada em Nápoles; lá fabricavam-se crucifixos e imagens de Ecce Homo de carton-pierre. Desejoso de aprender essa arte pediu instruções ao mestre, grande amigo da Congregação e obteve ótimo resultado, chegando a confeccionar diversos crucifixos para distribuí-los entre o povo. 

Entretanto a vida de Geraldo em Nápoles não foi de completo silêncio. Como poderia ele ficar sem atividade? Onde há fogo, difunde-se luz e calor, por mais oculto que esteja. Como Margotta também Geraldo encontrou, sem procurar, ocasião para os trabalhos apostólicos. Pobres havia muitos na cidade e pecadores lá não faltavam. Quanto ao tratamento dos primeiros, Margotta foi exemplar; compadecia-se tanto deles que não raras vezes lhes dava peças de roupa necessárias para a sua pessoa. Encontrando um dia na cidade um pobre muito necessitado, deu-lhe os seus sapatos e voltou descalço para casa. 
A disputa santa de Geraldo com seu mestre nesse particular, mostra-o o episódio seguinte.  
O Irmão Francisco Tartaglione achando-se a negócio em Nápoles, entregou a seu confrade algum dinheiro para comprar víveres. De caminho Geraldo encontrou um indivíduo maltrapilho que vendia pederneira e mecha. O olhar compassivo do servo de Deus inspirou-lhe coragem; pediu-lhe tivesse dó de um miserável que estava a morrer de fome. 

Não foi preciso mais para o bom irmão se esquecer do pão e dos peixes: comprou do vendedor toda a pederneira e mecha. Ao voltar para casa Francisco Tartaglione perguntou a Geraldo pela refeição preparada. Como resposta, o santo abraçou seu confrade dizendo alegremente: “Porque tantos cuidados? Só Deus e nada mais”. — Está certo, replicou o Irmão Francisco, mas agora é preciso também pensar na refeição”. 

Mal pronunciara essas palavras, viu sobre a mesa as pederneiras e as mechas. “Que é isso?” perguntou. “Meu caro confrade, respondeu Geraldo, tudo isso nos pode ser útil; devo porém confessar-lhe francamente. Quando saí para fazer as compras, dei com um homem que vendia esses objetos; estava morto de fome, tive dó e com o dinheiro que me destes comprei estas coisas”. 

Embora descontente com essa resposta que não lhe matava a fome, ocultou Francisco seu desgosto admirando a grande caridade do santo. Entretanto Margotta voltou para casa. Geraldo foi logo participar-lhe o ocorrido e comunicar-lhe que havia feito a esmola presumindo a licença do superior. O Pe. Margotta sorriu-se e disse: “Mas que comeremos hoje?” “Deus providenciará” respondeu Geraldo. E de fato, na hora da refeição bateram à porta. “Eis o que nós esperávamos” exclamou Geraldo dirigindo-se à portaria em companhia de Margotta. Lá estava uma criada com um cesto repleto de víveres, presente de um senhor desconhecido. 

O santo irmão dedicou-se também de modo especial aos doentes. Encheu-se de compaixão ao entrar no hospital dos incuráveis. Daí por diante visitou muitas vezes esse hospital; lá ia de cama em cama, falando aos doentes da paciência, do valor dos sofrimentos, da resignação com a vontade de Deus, das alegrias do céu. Aos moribundos tratava com solicitude particular preparando-os para a morte e a entrada na eternidade. 

Às obras de misericórdia espiritual ajuntava ainda serviços corporais, fazia a cama aos doentes, limpava e pensava-lhes as feridas, dava-lhes o alimento e a bebida etc. Como não era lícito fazer sempre essas visitas aos enfermos, aproveitava-se dos dias em que eram permitidos pelo regulamento do hospital. 
Desvelo especial teve para com os dementes. Não sabemos como é que ele conseguiu licença de entrar no hospício dos alienados; os seus biógrafos dizem apenas que ele lá esteve muitas vezes. Era tocante vê-lo entreter-se com esses infelizes, acomodando-se aos diversos estados dos doentes e agindo salutarmente sobre aqueles espíritos perturbados, por meio de discreta alegria e mansa animação. Às vezes reunia-os ao redor de si no pátio, ensinava-lhes a invocar a Deus e os santos e esforçava-se para lhes inculcar submissão aos guardas e vigilantes. 

Essa caridade agiu eficazmente sobre os ânimos dos doentes mentais. Sempre que Geraldo aparecida, os loucos agrupavam-se ao redor dele como os filhos em torno de sua mãe. Alguns externavam a sua satisfação com palavras lisonjeiras. “Padre, diziam, vós nos consolais tanto, queremos estar sempre convosco, não nos deixeis mais”. “Não queremos que vá embora, exclamavam quando Geraldo se despedia, as coisas que nos dizeis, nenhum outro as diz; a vossa boca é do paraíso, queremos ouvir-vos sempre”. Às vezes Geraldo levava doces e frutas e repartia-os com os loucos para torná-los mais obedientes e dóceis. 

Só uma vez o apego dos infelizes a Geraldo quase teve conseqüências funestas. Estando o santo para sair, dois loucos saltaram e agarraram-no dos dois lados impedindo-lhe qualquer movimento. “Não, não queremos que vos vades” gritavam os doidos apertando-o sempre mais. Como essa ternura dos loucos se tornava sempre mais intensa, o irmão correu risco de ficar sufocado ou espremido. Felizmente um outro louco correu em auxílio do santo; dando murros saltou por entre os dois companheiros gritando imperiosamente: “Alto lá! nem tanta confiança com o confessor dos doentes!” Geraldo deu ainda alguns conselhos e retirou-se. 

Também em Nápoles o santo dedicou-se ao seu trabalho predileto: à conversão dos pecadores; nesse particular foi incentivado admiravelmente pelo zelo extraordinário de Margotta que envidava todos os esforços para reconduzir os extraviados ao caminho da virtude. Deus servia-se dele para instrumento de graça, como o prova o fato seguinte ocorrido durante a sua estada em Nápoles. 

Ao passar por perto de um palácio ouviu Margotta uma voz interior que lhe dizia: “Entra no palácio e dize ao senhor dele que se converta, porque do contrário será alvo da ira divina”. Encorajado sobrenaturalmente o Pe. Margotta entrou no luxuoso palácio e cumpriu a sua missão e não sem resultado. O rico pecador compungiu-se, cedeu às inspirações da graça e decidiu-se a romper com a vida passada para começar uma nova segundo o beneplácito divino. 

Geraldo imitou com honra o exemplo de Margotta. Lançava sua rede sempre que podia, e como diz Tannoia, não passou nem um só dia sem ver recompensada essa sua pesca d’almas. Sempre que, a negócio, passava por alguma venda, livraria ou oficina, esforçava-se por cativar os rapazes, mormente os operários que lá trabalhavam, a fim de os ganhar para a virtude. 

Quando percebia que algum deles trilhava mau caminho, não o perdia mais de vista e insistia até reconciliá-lo com Deus. Os convertidos tornavam-se geralmente apóstolos auxiliares do santo, procurando parentes e conhecidos e levando-os ao servo de Deus, de sorte que, na expressão de um seu biógrafo, a residência de Geraldo se tornou uma “ante-câmara da penitência”. O Pe. Margotta teve repetidas vezes a satisfação de receber das mãos do irmão, pecadores contritos para lançá-los nos braços do Redentor. 

A penetração das consciências foi também aqui, muitas vezes, o primeiro passo para a operação da graça, a primeira alavanca para remover o rochedo da culpa de um coração. Geraldo entrou uma vez em um negócio onde se vendiam rosários, medalhas e outros objetos de devoção. Lá se achava nesse momento, um sacerdote por nome Francisco Colella. Ao perceber-se na presença de dois sacerdotes o negociante pôs-se a discorrer sobre coisas edificantes dando aparências de piedade para assim fazer negócios mais lucrativos. 

Infelizmente a sua piedade não era real e a sua vida muito se distanciava das belas palavras que proferia. Depois de ouvi-lo longo tempo, Geraldo acenou-lhe para uma conversa particular. A sós com ele repreendeu-o fortemente por causa da sua hipocrisia e revelou-lhe um pecado gravíssimo que lhe pesava na consciência e do qual ninguém podia ter conhecimento; depois retirou-se deixando o pecador transido de assombro. Este, passado o susto, foi ter com Colella e disse-lhe: “Esse religioso deve ser um grande servo de Deus”. — “Que vos disse ele?” perguntou Colella. “Ah, replicou o negociante, estou como que fora de mim, descobriu-me um pecado que só Deus e eu conhecíamos”. É escusado dizer que o homem completou sinceramente a sua conversão.  

Antes de tudo procurou Geraldo exercer a sua caridade para com quem tinha sobre ela o primeiro direito, isto é o Pe. Margotta. 
Esse virtuoso sacerdote sofria cruelmente sob o peso dos escrúpulos; meses inteiros achava-se sua alma envolvida em densas trevas; seu espírito não encontrava luz, seu coração entristecera-se e sua vontade abatera-se em um profundo desânimo. Geraldo compadeceu-se do sacerdote, consolou-o, reanimou-o e teve a felicidade de ver seus esforços coroados de pleno êxito, como o próprio Margotta o confessou ao Padre Robertis. 

É certo que naquela ocasião não podia prestar-lhe todo o auxílio, como o próprio Geraldo o afirmou. Achando-se um dia o Pe. Margotta mais oprimido que de costume disse a Geraldo: “Vinde e vamos ao Irmão Cosimo em São Jorge para que ele implore de Nossa Senhora algum consolo para mim (ele referia-se à uma conhecida imagem na igreja dos Pios Operários). “Vamos, respondeu Geraldo, mas desta vez não conseguireis a graça”. Visitaram São Jorge, falaram com o Irmão Cosimo e pediram suas orações, mas ao voltar para casa sentiu-se Margotta ainda mais abatido e triste do que antes. Mais tarde, como veremos, conseguiu Geraldo restituir-lhe a paz e a consolação desejada. 

Se o servo de Deus deu provas de que lia no futuro, também demonstrou que coisas distantes não escapavam às suas vistas. 

 O leitor lembrar-se-á ainda do arcipreste Felix Coccione, que batizou o nosso santo. Ele tinha um irmão chamado Francisco que lhe sucedeu no cargo de arcipreste, gozando grande cotação em Muro. Esse digno sacerdote foi assassinado em plena rua. Geraldo, ao longe viu esse triste acontecimento e participou-o a três dos seus conterrâneos. Um deles conta o fato do modo seguinte: “Geraldo vinha muitas vezes a minha casa, onde rezávamos juntos o terço. Uma tarde pareceu-me ele extremamente abatido. 

À pergunta pela causa da sua tristeza respondeu: “Meu caro Paschal, nosso bom arcipreste Coccione acaba de ser assassinado em Muro”. — Mas isso é impossível, repliquei — ontem ainda recebi uma carta de Muro e nada consta lá de um tal acontecimento”. Geraldo insistiu: “Não há dúvida nenhuma, meu caro conterrâneo, é assim mesmo como vos digo”. 
E de fato o primeiro correio trouxe-me a notícia da funesta tragédia; percebi que Geraldo recebera comunicação do céu sobre o fato. 

Dois ou três dias antes, a 11 ou 12 de outubro de 1754, achando-se o santo no recreio, exclamou de repente: “O nosso Padre Latessa acaba de entrar no céu”. O Pe. Angelo Latessa, digno filho de Santo Afonso, falecera em Caposele a 5 de outubro, no oitavo dia da sua morte Geraldo viu sua alma purificada chegar à visão de Deus. 

Geraldo pretendia passar despercebido e desconhecido em Nápoles, mas não o conseguiu. Os seus dotes naturais e seus carismas sobrenaturais atraíam sempre mais as vistas de todos e conquistaram-lhe em todos os lados amigos e veneradores. 

Em suas visitas a diversos conventos de Nápoles o Pe. Margotta levava consigo o Irmão Geraldo. Muitas vezes uma única palavra de seus lábios bastava para chamar a atenção de todos, como sucedeu cm os Pios Operários, oratorianos e jesuítas. Entre estes destacou-se sobretudo o Pe. Francisco Pepe, homem de grande ilustração e santidade, que se encheu de admiração pelo santo, com o qual se entretinha, horas e horas, sobre assuntos da via espiritual. 

O Pe. Pepe recebera do Papa Bento XIV plenos poderes para conceder certas indulgências aos fiéis. Desejando usar retamente dessa faculdade para o bem de pessoas dignas, encarregou Geraldo de auxiliá-lo distribuindo prudentemente certo número de indulgências. Geraldo podia concedê-las a quem freqüentasse a santa Comunhão, visitasse diariamente o SS. Sacramento, prestasse culto a Nossa Senhora visitando suas imagens ou jejuando aos sábados. Usando essas faculdades concedia também aos sacerdotes o altar privilegiado. 

O que mais admiravam em nosso santo era a sua assombrosa sabedoria. Em toda a parte ficavam pasmos ao ouvir esse simples irmão leigo falar com a precisão de um professor de teologia sobre os mais sublimes mistérios da fé. Como é natural pessoas menos bem intencionadas procuravam pôr à prova essa sabedoria do santo, que entretanto sempre se saía bem, confundindo muitas vezes os corações maldosos. 

“Durante a minha estada em Nápoles, conta o Pe. Celestino de Robertis, foi ter conosco um sacerdote que se estava especializando no tratado da SS. Trindade; começou com o irmão uma palestra sobre esse assunto. Propôs os pontos mais difíceis, como a geração do Verbo, a igualdade dele com o Pai, a processão do Espírito Santo etc. Geraldo respondeu a tudo qual primoroso e abalizado teólogo. 

Eu fiquei assombrado pelo modo com que refutava todas as objeções bem como pela facilidade e clareza com que se exprimia; o irmão não se embaraçou nem uma vez, pelo contrário, o sacerdote é que se viu em apuros para se sair da rede complicada que tramou”. 

Aos poucos tornou-se Geraldo o assunto das palestras das almas piedosas, e não tardou a ser procurado por pessoas de todas as condições. Uns iam ter com ele por curiosidade, outros em procura de conselhos; não poucos abriram-lhe os seus corações pedindo os auxiliasse a fazer uma boa confissão. 

Também senhoras distintas e fidalgas abordaram-no nas questões das suas almas; o santo era visto ora num ora noutro palacete sendo sempre acolhido com acatamento e consultado como confessor. O irmão furtava-se geralmente a esses convites, porém às vezes havia circunstâncias e atenções a que ele não podia esquivar-se. 

Achava-se o santo sozinho em casa, quando se apresentou um senhor muito bem trajado dizendo que sua patroa, dama da alta nobreza, pedia a visita de Geraldo. Este logo notou que o empregado não o conhecia e julgou poder facilmente furtar-se à visita. Sorriu com ar de desprezo dizendo: “Não compreendo porque procuram tanto esse irmão; ele é um tolo, meio louco”. Com essas palavras despachou o empregado que referiu fielmente à dama o que ouvira do porteiro. 

Das circunstâncias percebeu a senhora que o porteiro não era outro senão o santo. Como ela desejava recomendar-lhe sua filhinha gravemente enferma dirigiu-se no dia seguinte, de manhã, à igreja do Espírito Santo que Geraldo costumava freqüentar. Ela estava já na igreja, quando Geraldo chegou; correu a seu encontro e conjurou-o a que curasse sua filhinha. O santo volveu seus olhos ao tabernáculo e apontando-o disse-lhe: “É aquele, e não eu, que distribui as graças!” “Sim, mas é por vosso intermédio que devo receber essa graça” respondeu com confiança a aflita mãe. Geraldo prometeu orar pela enferma. A senhora permaneceu ainda algum tempo rezando na igreja. 

Não tardou muito, apareceu a dama de honra anunciando que a doença da menina cessara repentinamente e que a pequena estava completamente sã. A cura coincidiu com o momento em que Geraldo prometeu orar pela enferma. 
Margotta entretanto chegou à conclusão de que seria melhor não prolongar por mais tempo a estada de Geraldo em Nápoles; não havia já descanso nem tranqüilidade em casa; além disso não queria expor o bom irmão à tentação da vaidade. Pediu a Santo Afonso chamasse de Nápoles a Geraldo ao menos por algum tempo. O santo fundador, acedendo a esse pedido, mandou  Geraldo à casa de Caposele. 

O santo jubilou com essa transferência; humilde como era, julgava-se incapaz para tudo e desejava a solidão. Pouco antes da sua partida da capital desabafou-se em uma carta a Ripacandida: “Ó meu Deus, estou perdendo tempo! que infelicidade, perco tantos momentos, horas e dias e não sei tirar proveito deles! quanta perda! Deus me perdoe... Mas agora eu me retiro para agradar a Deus; pedir-lhe-ei que me prenda de tal modo que não possa mais sair de casa; espero que Ele me atenda”. 

Essa esperança realizou-se, porém só em parte, como veremos. 
Em princípios de novembro de 1754 Geraldo deixou a cidade de Nápoles, onde passara mais de três meses, para se dirigir à sua nova residência de Caposele.   

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