Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

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Caminhada para o Céu

sexta-feira, 1 de março de 2013

Parece que o entretenimento com Deus desta vez se tornou mais íntimo, gozando sua alma alegrias maiores e mais profundas.


A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA


 CAPÍTULO XVII 

Dias procelosos 

Se o ano de 1753 proporcionou honra e glória ao nosso santo, o seguinte deu a prova cabal de que era digno desse acatamento e respeito, porquanto a sua virtude não era metal sem valor, que brilha, mas ouro puríssimo e precioso.
A Providência quis fazê-lo passar por uma dessas provações que não são raras na vida dos grandes santos, e que só eles sabem suportar com tranqüilidade e firmeza.

Nos dias da páscoa desencadeou-se sobre ele a tempestade. Durante a quaresma estava Geraldo a serviço da Congregação em Atella, onde travou conhecimento com o Cônego Camillo Bozzio, que lá pregava os sermões quaresmais.
O encontro de Geraldo com Bozzio foi um dos acontecimentos mais alegres da vida do santo nesse ano, de sorte que não podemos furtar-nos ao desejo de reproduzi-lo com as próprias palavras do cônego.

“Tive ocasião, escreve esse sacerdote, de me entreter familiarmente com o Pe. Cafaro, de feliz memória, sobre Geraldo e ouvi de seus lábios muitos rasgos da virtude e santidade desse irmão, que era seu penitente. Ventura de me encontrar pessoalmen-te com ele, só tive em 1754 em Atella, aonde ele fôra a serviço da Congregação e onde eu estava pregando os sermões quaresmais... Desde esse tempo formou-se entre nós uma amizade íntima, que, resultante de motivos sobrenaturais, teve o seu complemento no amor de Cristo”.

Essa amizade não foi fruto de uma impressão passageira causada pelo bom irmão, mas o resultado de maduro exame da sua virtude. “Vi Geraldo, diz Bozzio, na sacristia da igreja, onde ele palestrava com diversos sacerdotes sobre assuntos religiosos. Aproximei-me e comecei a provocá-lo com estas palavras de pouco caso: Que prosa fiada é essa? Não passais de um ignorante irmão leigo e quereis bancar o teólogo? Não compreendo como esses senhores perdem seu tempo a ouvir-vos; eles enganam-se muito, fazendo de vós tão alto conceito — eu tenho-vos na conta de um indivíduo vaidoso, a meu ver não passais de um hipócrita e mais nada!

Essa apóstrofe inesperada, esses insultos sem fundamento não conseguiram banir a alegria do semblante do bom irmão, nem perturbar-lhe a paz da sua alma; sorriu modestamente, abraçou-me manifestando seu inteiro contentamento. “Tendes razão, disse ele desculpando meu estranho modo de falar, tendes razão, eu sou um pobre ignorante e preciso que peçais a Deus por mim. Perdoai-me”.

Esse fato bastava para encher a Bozzio de admiração para com o santo; o cônego porém teve ainda muitas outras ocasiões de perceber nele características de extraordinária santidade. Entrou uma vez inesperadamente no quarto de Geraldo que se hospedara, como ele, em casa de Grazioli, cujas duas filhas o santo irmão levara para o mosteiro de Ripacandida. Ao abrir a porta o cônego viu Geraldo em profundo êxtase elevado nos ares.

“Outro dia, continua Bozzio, notei que sua alma se achava presa de emoções, de tristeza extraordinária. Perguntei-lhe se não havia comungado pela manhã; confessou não o haver feito por sentir sua consciência perturbada. Essa perturbação era apenas efeito da sua humildade. Ao entrar ele, à tarde, em meu quarto, percebi logo que o desejo da comunhão o atormentava; procurava distrair-se afastando a saudade que lhe enchia o coração. Para esse fim saímos a passeio e cantamos algumas estrofes de Jeremias; tudo foi em vão. Levei-o à matriz principal, onde de portas fechadas, cantamos com acompanhamento do órgão, que Geraldo sabia bem tocar, o hino (composto por Santo Afonso) que começa com as palavras: Fiori felici, voi che notte e giorno...

A minha voz era como a do órgão; saía de um interior vazio, de um coração frio; mas a dele jorrava de um peito ferido do amor de Jesus, e deixava transparecer a saudade que o dominava”.

Enquanto Bozzio em Atella se convencia sempre mais, por experiência própria, da santidade de Geraldo, a tempestade preparava-se para cair sobre o servo de Deus. A semana santa passou-a o santo pacificamente em Foggia, onde negócios reclamavam a sua presença. Como de costume entregou-se, nesses dias, à meditação da Sagrada Paixão e à penitência, passando boa parte desse tempo na capela do conservatório do SS. Redentor.

Edificava a todos com sua devoção e hauria dessas profundas meditações a força sobrenatural, da qual em breve teria grande necessidade. Parece que o entretenimento com Deus desta vez se tornou mais íntimo, gozando sua alma alegrias maiores e mais profundas. Ele, que guardava o maior segredo a respeito do seu interior, deixou escapar, em uma carta, esta palavra: “Passei esses dias em indizível contentamento”.

No excesso dessa alegria não terá ele pressentido a hora amarga que se aproximava? Não terá entrevisto nele a cruz pesada que o ameaçava? Não terá percebido nessas doçuras extraordinárias os mensageiros de dores e provações? O certo é que Geraldo estava preparado, quando soou a hora rude da provação, o inimigo não o surpreendeu desarmado.

O instrumento de que o demônio se serviu para causar sofrimento e amarguras ao santo e paralisar sua atividade em prol das almas, foi uma tal Neria Caggiano. Devido aos esforços do santo essa menina entrou no conservatório de Foggia, onde todavia não permaneceu muito tempo. Para justificar a sua saída Neria propalou calúnias contra as religiosas de Foggia, até que, impelida pelo espírito da mentira, se atreveu a expectorar o seu veneno contra o santo. Não lhe foi difícil encontrar pretexto de acusação. Sempre que ia a Lacedogna Geraldo hospedava-se com seu amigo Constantino Capucci, em cuja casa esteve também em princípios de 1754.

Das quatro filhas desse senhor, duas, por intermédio do santo, se internaram no conservatório de Foggia; as outras duas entre as quais Nicoletta, estavam em casa. Ninguém parecia tão vulnerável em ponto de honra como Nicoletta que era geralmente conhecida por sua piedade e virtude ilibada. Neria, a caluniadora, denegriu-lhe a honra declarando-a violentada por sedução vergonhosa de Geraldo.

Às vezes é fácil dar à mentira aparências de verdade, o que aconteceu no caso, chegando a caluniadora a convencer do crime imputado a Geraldo, o seu próprio confessor Benigno Boaventura. Este grande amigo de Santo Afonso e da Congregação, julgou-se obrigado em consciência a levar o caso ao conhecimento do superior de Geraldo, afim que a hipocrisia do irmão não prejudicasse a toda a Congregação; não só obrigou a caluniadora Neria a comunicar o ocorrido ao santo fundador mas também creu-se na necessidade de lhe escrever pessoalmente.

É fácil imaginar-se a impressão dolorosa que essa notícia causou a Santo Afonso. A acusação parecia incrível, mas as razões alegadas eram ao menos no momento, tão convincentes que encobriam completamente a infame mentira. Benigno era digno de toda fé, e acatadíssimo por Santo Afonso.

Entretanto também é certo que o santo fundador não deixou de duvidar da veracidade da acusação, porque, do contrário, teria expulso Geraldo, sem misericórdia, do seio da Congregação. Afonso duvidava, mas para que lado inclinava-se ele em sua dúvida? Não seria Geraldo uma daquelas almas que, depois de atingir um alto grau de perfeição, se tornam vítimas da ilusão de Satanás? Teria o irmão cometido alguma imprudência imperdoável ou dado ocasião que motivasse de algum modo aquela acusação? É difícil sabê-lo, ainda mais porque Afonso impôs a Geraldo penas duríssimas sem lhe declarar expressamente o motivo desses castigos. Se é muito provável que o santo teve de fato dúvidas a respeito da inocência de Geraldo e lhe impôs castigos para obter de seus lábios uma confissão clara, não é infundada a opinião de que ele considerou falsa a acusação e puniu o santo para prová-lo.

Seja como for, Afonso ao receber a carta caluniadora, mandou um sacerdote a Iliceto com ordem de levar a Nocera dei Pagani o irmão denegrido em sua reputação. Este recebeu a ordem com toda a calma, deixou no dia seguinte Iliceto, para onde nunca mais devia voltar e encaminhou-se para o lugar, onde Afonso o esperava com impaciência.

Que triste surpresa para Geraldo ao ouvir aquela acusação! Ele ter cometido uma infâmia que tanto detestava, ter violado vergonhosamente uma virtude que, na sua própria expressão, lhe era a mais bela e a mais querida! “Ó meu Deus — lemos em seus a-pontamentos — entre todas as virtudes do vosso beneplácito, agrada-me mais a pureza e a castidade. Ó pureza infinita, de vós espero, ficar sempre livre do menor pensamento impuro, que me pudesse sobrevir neste mundo”. De ter ele sido infiel a esse sentimento, era acusado e de tal forma que chegou a ser enganado quem conhecia toda a sua vida até aquele momento.

O santo achava-se diante de um difícil problema. Deveria salvar a sua honra atacada, defender sua inocência, amparar o seu bom nome contra mancha tão hedionda; ou calado tomar sobre si a cruz pesada, suportar paciente o ódio, insulto e desprezo dos homens e entregar à Providência a justificação e salvação da sua honra? Para o primeiro tinha muitos e bons motivos, o segundo convinha mais a sua humildade e ao desejo de se conformar com seu divino Redentor; se o primeiro lhe parecia permitido e bom, o último mostrava-se-lhe mais perfeito e heróico.

Lembrado do voto de executar sempre o mais perfeito, resolveu-se Geraldo seguir o último. Apesar de se reconhecer inocente ouviu as acusações sem proferir uma palavra em sua defesa, com toda a calma como se fossem todas reais e ele inteiramente digno de castigo. Por meritório que fosse o silêncio do santo aos olhos de Deus que conhece as dobras dos corações, aos olhos dos homens, nas dadas circunstâncias, tinha a má aparência da ambigüidade; embora não fosse confissão de culpa, não podia ser considerado como defesa da acusação, dando assim motivo fundado para o exame.

Santo Afonso repreendeu o irmão com palavras pesadas, exprimiu com vivacidade o seu pesar e indignação e proibiu-lhe a santa comunhão; igualmente interditou-lhe, sob as mais graves penas, qualquer relação com pessoas de fora, qualquer palestra ou carta.
O humilde irmão curvou a fronte, aceitou tudo em silêncio conservando, nesses momentos tão dolorosos, a jovialidade do seu semblante e a paz da sua alma.

Nem nessa tão difícil situação conseguiu o espírito da crítica e murmuração apoderar-se do seu coração nem causar-lhe aversão ao santo fundador. Ao contrário Geraldo testemunhou-lhe sincero amor, como no-lo atesta um confrade que então com ele privava. Ao encontrar-se com o superior andando pelos corredores de Pagani, Geraldo olhava-o com a humildade e amor de uma criança. Quando Santo Afonso passava por perto dele exclamava: “Meu Pai, tendes o semblante de um anjo! Ao ver-vos sinto-me repleto de consolação”.

Geraldo, apesar da dureza da provação pôde conservar a paz e suportar tranqüilamente esses embates interiores, que o sacudiam, porque, nesses casos e nessas tempestades, não era marinheiro de primeira viagem. E de fato por entre todos os favores com que o céu o favorecia, estendia-se uma longa cadeia de sofrimentos internos. Sendo a sua vida a de um santo, não podia ficar sem espinhos e cruzes.

Já antes da sua entrada na Congregação, eram-lhe familiares os sofrimentos da alma. Estes aumentaram-se com sua entrada para a vida religiosa, como o provam os documentos que temos da sua vida. Além das dores que, às sextas-feiras, faziam dele a imagem da morte pela participação da agonia de Jesus, o bom irmão teve de suportar, embora nem sempre, cruel tormento pelo medo de se poder separar de Deus e de se privar da sua visão no céu.

Isso era conseqüência natural da sua humildade na qual só via a sua indignidade, insuficiência e pecado. Esse tormento crescia na proporção que se aperfeiçoava sua humildade e precipitava-o muitas vezes em um abismo de desânimo e tentações que se sentia sem auxílio, sem esperança, desconsolado e como que aniquilado. De todos os lados assaltavam-no ondas de desespero comprimindo-lhe o coração, que só encontrava então apoio e consolação em sua fé singela e viva.

Nessas angústias Geraldo costumava dirigir-se aos amigos de Deus e pedir-lhes orações; às vezes Deus atendia essas súplicas concedendo algum lenitivo e consolação para a sua alma.
Nos primeiros anos de sua estada em Iliceto, residia lá o venerável clérigo Fr. Domingos Blasucci, a quem Geraldo comunicava os seus segredos por reconhecer o valimento desse jovem piedoso junto de Deus. Um dia o santo foi ter com Blasucci que na palidez do rosto notou logo a dor que acabrunhava o bom irmão. À pergunta de Blasucci pela causa do seu sofrimento, Geraldo respondeu manifestando-lhe com sinceridade as suas indizíveis angústias e suplicando-lhe se dignasse auxiliá-lo nas dores de sua alma. Domingos compadecido fez-lhe sobre o cora-ção o sinal da cruz e os sofrimentos desapareceram como por encanto deixando o irmão consolado e santamente alegre.

Tais consolações extraordinárias não duravam regularmente longo tempo, eram como gotas frescas caídas sobre a língua em fogo de uma pessoa sedenta. As dores voltavam, às vezes ainda mais violentas, prostrando sua alma no incêndio devorador de seus sofrimentos internos.
As cartas de Geraldo testemunham, em diversas passagens, esse estado de sua alma; por vezes descreviam-no com palavras que, embora breves, enchiam os leitores de compaixão e dó.
Assim escreveu, aludindo de leve aos seus sofrimentos, à venerável Irmã Maria de Jesus: “Não vos esqueçais de me recomendar ao Senhor, porquanto o necessito indizivelmente; Deus conhece minhas constantes tribulações”.

Mais claramente fala da grande amargura da sua alma em uma outra carta à mesma religiosa.
“Ó Deus, assim começa, grande satisfação causou-me a recepção dessa nova carta, pela qual tanto suspirava. Digo-vos com verdade e diante de Deus: esse desejo não é meu mas do coração que necessita do auxílio alheio por não se poder valer a si próprio. É vontade de Deus que eu caminhe por entre tormentos e tempestades. Ah! eu também quero que em mim se cumpram, do modo mais perfeito, seus santos desígnios”.
“Estou cheio de pecados, escreve oprimido de dor à Irmã Maria de Jesus, todos convertem-se; só eu permaneço obstinado; fazei penitência por mim, para que Deus me perdoe; peço o mesmo também a todas as vossas filhas”.

Às religiosas de Ripacandida escreve outra vez em maio de 1753: “Pedi ao Senhor, pedi muito por mim que me acho em grandes necessidades espirituais. Só Deus conhece a minha desolação e aflição. Se quiserdes podeis auxiliar-me. Fazei-me esse favor e caridade”.
A natureza e o motivo último de seus sofrimentos ele o declara nas linhas dirigidas à Irmã Maria de Jesus: “Avalio perfeitamente as dores que tendes sofrido, posso porém afiançar-vos que eu as sinto ainda mais no meu coração; não podeis medir-lhes a profundeza nem a enormidade. Dizendo que eu as sinto mais do que vós, não há exagero nas minhas palavras, porque a divina justiça pregou-me na cruz de tal forma que julgo que ninguém pode nela ser cravado mais do que eu. Seja sempre bendita a santíssima vontade de Deus. O que mais me faz tremer e inspira maior espanto é o pensamento de que não conseguirei a perseverança até o fim”.

O martírio desse pensamento perseguiu o irmão até o fim da vida. Como confirmação disso queremos aduzir duas cartas endereçadas pelo santo em 1754 à Irmã Maria de Jesus. Já a epígrafe da primeira é a expressão de um coração aflito e angustiado. “Meu Deus, compadecei-vos de mim”. Geraldo começa: “Venerável irmã, como podeis gracejar comigo? Escrevendo-me dessa forma — vós o sabeis — acrescentais novos tormentos aos que sofro por causa dos meus pecados. Estais alegre, eis porque gracejais. Mas eu — que dizer? Deus assim o quer e folgo com a vossa felicidade. Deus vos conserve nesse feliz estado, a vós a quem ele tanto ama! — Assim são as coisas: enquanto um sobe o outro baixa. Estou tão abatido que julgo não poder mais levantar-me, oprimido por dores eternas. Seja! Isso não me incomoda contanto que eu ame só a Deus e o agrade em tudo; isso basta! Mas eis o motivo das minhas dores: parece-me que sofro sem Deus. Venerável Madre, se me não ajudares, sinto-me ameaçado de um sofrimento maior ainda.

Acho-me num abatimento profundo, num mar de confusão como à beira do desespero. Parece-me que já não há Deus para mim, que cessou a misericórdia divina, para dar lugar tão somente à justiça. Considerai o triste estado em que me acho. Se realmente existe entre nós a santa aliança da fé, é agora o momento de me auxiliardes e pedirdes a Deus por mim. Suplico-vos, tende dó de minha alma; já não tenho coragem de aparecer diante das criaturas”.

A outra missiva datada de Nápoles, foi escrita dez meses antes da morte do santo. A mesma dor pungente, como na outra carta, encontra nesta a expressão dos seus atrozes sofrimentos. É do teor seguinte:
“Jesus e Maria!
Cara e prezada irmã. Escrevo-vos pregado na cruz, e muito às pressas por falta de tempo.  

Compadecei-vos da minha agonia. Pouco tenho para escrever, e se me não esforçasse, nem poderia pegar na pena; as lágrimas não o permitiriam. Meus sofrimentos são tão acerbos que me põem em agonia; quando já me julgo expirar, volta-me outra vez a vida, para mais me torturar. Estou mergulhado em dores; não sei dizer outra coisa; não vos quero comunicar o fel e o veneno, que me molestam, para não vos encher da mesma amargura. Sei que estais feliz, e o vosso contentamento me anima e me faz reviver em Deus. Louvado seja Deus pelos favores a mim concedidos. em vez de me esmagar sob as suas santas pancadas, concede-me sempre nova força para viver; manda-me sofrimentos somente para eu imitar o meu divino Redentor.

Ele é meu mestre e eu seu discípulo. É conveniente que eu dele aprenda e siga os seus vestígios. Mas ah — eu já não ando; sem movimento estou com ele na cruz, abismado em luta e indizíveis dores; é como se uma lança me transpassasse tirando-me a vida; mas parece, de outro lado, que a cruz em que estou pregado, somente me prolonga a vida e os tormentos. Todos — assim penso — abandonaram-me; mas eu que não quero contrariar o plano do meu Redentor que deseja o meu sofrimento com ele sobre a cruz — curvo minha fronte e digo: Já que é essa a vontade de Deus, aceito com alegria tudo o que me quiser impor”.
Do que fica dito se depreende que Geraldo não se achava em vereda desconhecida quando a calúnia inundou de luto e dor a sua alma; e por isso pôde suportá-la com pasmosa tranqüilidade e calma.

Embora justificável, sob o ponto de vista humano, uma exteriorização da dor, uma doce queixa, uma palavra de indignação contra a maldosa mentira, o perfeito imitador de Cristo preferiu calar-se e tragar até às fezes o cálix da amargura.
A desgraça que lhe acontecera e a causa da sua humilhação espalharam-se logo entre os confrades. A impressão porém causada não foi a intencionada pela caluniadora; todos compadeceram-se do santo e ninguém acreditou tivesse ele cometido falta grave.

Alguns padres, que conheciam Geraldo a fundo, foram de opinião que ele se justificasse para, com seu silêncio, não dar aparências de culpado. Mas o humilde irmão não quis saber de justificação própria, “Deus cuidará disso, exclamou o santo; se ele quer a minha humilhação, porque me opor à sua vontade. Se ele quiser manifestar a minha inocência, quem melhor do que ele poderá fazê-lo? Deus faça de mim o que quiser; eu só quero o que ele quer”. Ouviam-no rezar uma vez: “Senhor, a minha causa é também a vossa; se me quiserdes humilhar, sinto-me feliz, porquanto é esse o caminho que trilhastes”.

Geraldo nada fez para fazer cessar os seus sofrimentos, apenas redobrou suas penitências e orações. A visita ao SS. Sacramento era alívio para sua alma e a união das suas dores com as do Redentor o consolo para o seu coração. Passava a noite em oração. Quando o silêncio levava os confrades ao repouso, saía sozinho ao ar fresco da noite; contemplava as estrelas, que da região da paz lhe acenavam com seu brilho parecendo falar-lhe da terna solicitude divina; entre orações, suspiros e lágrimas erguia os braços para o céu. Assim procurava conforto do alto e para suportar as dores, qual flor, que ressequida pelo calor do dia, bebe o orvalho do céu na solidão da noite.

Só após prolongadas orações é que procurou algum descanso, não no leito, mas no esquife em que repousou por longo tempo o corpo do venerável Padre Sportelli.
“As suas humilhações, relata Tannoia, não lhe arrancaram lágrimas, mas ocasionaram-lhe prazer. A natureza rebelava-se, não há dúvida; no embate da dor, desconfiando de suas próprias forças, recomendava-se às orações de outros. Se alguma vez chorava, não era por sua causa, mas pelo estado espiritual da pessoa que o caluniara. Oferecia a Deus as suas penitências, para lhe alcançar luz e graça”.

Dor cruel causou-lhe a proibição da santa comunhão; submeteu-se facilmente à sentença que privava do amor, da estima e do convívio de seus confrades e dos estranhos; mas pareceu-lhe insuportável a proibição que o afastava da santa comunhão.
“Deixai-me por favor — disse a um padre que lhe pedira ajudasse a missa — não me tenteis; eu vos poderia arrancar Jesus das mãos”. Contudo, nem quanto a isso quis ele mitigação da pena, a fim de se conformar inteiramente com a vontade divina. “Basta-me ter Jesus no coração”, disse a um que o procurava consolar. Uma outra vez observou: Deus quis castigar o meu fraco amor e fugiu de mim; mas eu o tenho no meu coração donde não o deixarei sair”.

Uma vez pretenderam induzi-lo a pedir a Santo Afonso permissão para comungar. Geraldo vacilou a princípio, mas não tardou a tomar resolução firme. “Não, disse batendo com a mão na escada em que se achava, não! é preciso morrer sob a prensa da vontade divina”.
Aos amigos de fora causou dolorosa impressão e estranheza o fato de não poderem mais ver o Irmão Geraldo. Não se sabia o que era feito dele; somente alguns ouviam boatos de algum castigo infligido ao irmão. Entre estes estava a Irmã Maria Celeste Crostarosa, que ficou com isso profundamente penalizada ignorando qual pudesse ser a causa do castigo de Geraldo. Supondo que talvez alguma liberdade no exercício de seus piedosos trabalhos pudesse ter sido a causa, escreveu-lhe: “Soubemos pesarosos do vosso sofrimento. É sempre a vossa caridade que vos faz sofrer; desta vez o demônio conseguiu impedir que nos fizésseis uma visita em Foggia. Entretanto nós não cessamos de orar por vós e espero que ele, o demônio, seja ainda confundido. Onde quer que estejamos ou vivamos sempre nos veremos em Deus e juntos amaremos a Jesus nosso único bem, que muito nos ama”.  

Também o Padre Margotta, a quem Geraldo mandara participar o ocorrido, escreveu-lhe a carta seguinte em tom paternal:
“Meu caro Geraldo.
Vossa carta alegrou-me duplamente, primeiro porque nela me prometeis as vossas orações, e segundo porque me comunicais a vossa conformidade com a vontade de Deus quanto ao ocorrido. Desejo-vos todo o bem e o progresso sempre crescente no serviço de Deus; conservai-vos firme em vossa boa vontade de viver sempre no cumprimento do beneplácito divino sob a obediência e submissão completa aos superiores. Em minhas aliás fracas orações, rogo por vós ao Senhor e a nossa mãe Maria, para que vos concedam a força necessária afim de vos conformardes em tudo com a vontade de Deus e executardes todos os vossos piedosos desejos”.

Esses confortos caridosos, vindos dos lábios humanos pouco reanimariam a alma provada de Geraldo, se Deus não corresse em seu auxílio.
“Assunto de suas meditações eram então, como observa Tannoia, os atributos divinos. Nesse oceano mitigava ele a sede devoradora que sentia da santa comunhão. Perguntando-lhe alguém como podia passar sem a comunhão, respondeu: “Delicio-me com a imensidade do meu Deus”. Ao aprofundar-se na contemplação dos atributos divinos ficava absorto em Deus e caía em êxtase, esquecido de si próprio”.

O Padre Cajone, então prefeito dos doentes na casa de Pagani foi, uma tarde, testemunha de um desses arroubos, quando de conformidade com o uso na Congregação, fazia ao irmão doente a santa meditação. “Tomei por assunto, diz Cajone, o amor de Deus para conosco e o direito que tem ao nosso coração. A declaração do tema foi suficiente para pôr Geraldo num estado de completo esquecimento de si próprio. Estava ele deitado de costas, a cabeça recostada à parede e os olhos voltados para o céu. As pálpebras não se moveram durante todo o tempo da meditação. À princípio não supus nada de extraordinário; mas quando, passado o tempo da oração, ele permaneceu na mesma posição apesar do rumor que fiz, notei que ele estava absorto em Deus. Nesse estado ficou ainda algum tempo causando-me profunda admiração”.

Uma outra ocorrência admirável durante essa doença de Geraldo narra-a o Pe. Landi. “Muitos dos nossos padres contaram-me e o nosso reitor-mor (Santo Afonso) pode confirmar a verdade da narração. Achava-se este à mesa na sala de jantar, quando de repente Geraldo, não completamente vestido, entrou e se lhe apresentou. Afonso censurou aquela falta de respeito e perguntou-lhe o motivo porque aparecera dessa forma diante dele. “Eu vim, respondeu Geraldo modestamente, porque V. Revma. me chamou”. O santo demonstrou assim claramente que soubera por vias sobrenaturais o desejo que seu superior tinha de vê-lo e falar-lhe”.

O silêncio inviolável guardado pelo santo deu que pensar. Não era possível chegar a uma clareza completa. Se todos os que admiravam Geraldo, sua virtude e seu espírito reconheciam a calúnia e desejavam dos seus próprios lábios uma defesa clara e aberta, outros julgavam não infundada a acusação. Geraldo — assim diziam — era conhecido e relacionado com todos na casa onde se diz cometido o crime, é pois o caso de se perguntar, se a consciência do irmão não está manchada e se não é bom procurar um homem da sua confiança que lhe possa arrancar a confissão humilde da culpa depois de lhe desfazer a confusão compreensível no caso.

Fazendo justiça também a esse parecer, Afonso mandou o irmão a Ciorani, que era então casa de noviciado para lá refletir com tranqüilidade e liberdade sobre a questão. Cartas ao reitor Pe. Xavier Rossi e ao mestre de noviços Pe. Tannoia recomendavam-lhes observassem atentamente o irmão e seu procedimento até nos menores pontos. A ordem de Afonso foi cumprida à risca como era de esperar desses dois religiosos modelares. “Entretanto, diz Tannoia, nada se notou de censurável nele; era sempre alegre, humilde para com todos e pronto para executar pontualmente as ordens mais insignificantes. O mais admirável é que ele não proferia a mínima palavra a respeito do seu infortúnio. O tempo que restava do trabalho passava-o na igreja diante do SS. Sacramento ou em sua cela no mais perfeito recolhimento”.

Durante os dez ou doze dias, que Geraldo passou em Ciorani, as opiniões a seu respeito começaram a esclarecer-se em Pagani. O procedimento sempre modelar do irmão, no qual nem os mais experimentados e hábeis olhos podiam descobrir coisa alguma que pudesse servir de ponto de apoio para a condenação do acusado, foi para os que até então duvidavam na inocência de Geraldo, um peso considerável na balança do julgamento. Embora ainda não estivesse resolvido o caso, o fiel pendia para a pureza do irmão desmascarando a calúnia infame levantada contra ele.

Apenas regressado de Ciorani a Pagani, Geraldo recebeu ordem de acompanhar a Caposele o Pe. Giovenale que iria substituir o Pe. Mazzini que adoecera. Permitiram ao irmão receber, aos domingos, a santa comunhão, mas não lhe consentiram relacionar-se com estranhos. O Pe. Giovenale foi incumbido de vigiá-lo, humilhá-lo e mortificá-lo.

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