Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

segunda-feira, 25 de março de 2013

Assim como Jesus nos dias da sua vida mortal nunca deixava de unir o pão do corpo ao da alma, Geraldo também procurava não só socorrer às necessidades corporais dos pobres, mas também às das suas almas.


 A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO XX 

O porteiro 

O santo caminhava para o termo da sua carreira; tinha ainda dez meses apenas de vida, findos os quais essa bela estrela, que tanto se elevara no horizonte brilhando sempre com mais viva luz, deveria apagar-se às vista dos mortais. Um pressentimento do fim que se aproximava, acompanhou o irmão a Caposele. 

Também lá foi-lhe concedido, como em outro lugar, a felicidade de ter como superior um homem, não só de valor para o desempenho do seu cargo mas de influência salutar sobre ele. 

Se na chefia da casa não se achava já o seu diretor e pai, o Pe. Giovenale que regia o convento por ocasião da dura prova por que passou, o Pe. Gaspar Cajone, novo reitor não lhe ficava atrás em virtude e habilidade, e pertencia como o Pe. Cafaro e o Pe. Fiocchi, aos ornamentos e alicerces da Congregação. 

Cajone nasceu na cidade episcopal de Tróia, no reino de Nápoles, a 4 de agosto de 1722. A princípio pretendeu dedicar-se ao serviço do governo, plano esse que abandonou ao completar seus vinte e quatro anos de idade. Ocasião para isso foi a missão pregada por Santo Afonso em Tróia. 

No processo da beatificação do santo conta Cajone: “Eu assistia às pregações de Afonso e, sem dele me ter ainda aproximado, formara já alto conceito da sua santidade. Suas vestes pobres, a modéstia do seu exterior, seu recolhimento contínuo, o zelo apostólico com que anunciava a palavra de Deus, tudo isso insinuou-me o desejo de dizer adeus ao mundo”. 

Essa aspiração realizou-se uns anos mais tarde (1751) quando lhe caiu nas mãos o precioso livro sobre “a vocação à vida religiosa” que o santo naquela época entregara ao prelo. Leu-o atentamente e durante a leitura não só renovou-se o antigo apelo da graça mas também romperam-se os laços que prendiam seu coração ao mundo. Entrou no noviciado e na vida religiosa com a virilidade própria de sua idade e do seu caráter. 

Após dois anos de congregação, foi julgado apto para o cargo de reitor em Caposele, cargo esse em que prestou relevantes serviços ao Instituto durante longos anos. No capítulo geral convocado e presidido por Santo Afonso em Pagani (1764) foi eleito consultor-geral e exerceu esse cargo até o fim da vida. Em 1779 fundou a residência de Benevento, da qual foi o primeiro reitor. Incansável na vinha do Senhor, sábio conselheiro e santo religioso, austero, pontual e prudente, atingiu idade avançada, foi testemunha no processo da beatificação de seu pai espiritual Santo Afonso e faleceu a 30 de outubro de 1809. 
Esse era o homem que a Providência deu por superior a Geraldo no último quartel da sua vida. 

“A vida de Geraldo em Caposele, relata Tannoia, foi a mesma de Iliceto. Sempre humilde e paciente, mostrou-me continuamente amigo do trabalho, do recolhimento e da união com Deus. Todo ofício era-lhe agradável: na cozinha; na padaria, na portaria cumpria sempre o seu dever com indiferença de ânimo, porquanto, dizia ele, pode-se servir a Deus e fazer sua vontade em qualquer cargo. O Pe. Cajone afirma que Geraldo, por assim dizer, arrancava para si o serviço das mãos dos seus companheiros. Doente ou são, trabalhava sempre até ao cansaço”. 

Logo que Geraldo chegou a Caposele confiaram-lhe o cuidado da portaria. 
A aptidão do santo para esse cargo importante deduzimo-la das palavras que pronunciou ao receber as chaves da portaria: “Estas chaves devem abrir-me as portas do paraíso”. 

Prazer especial nesse novo cargo causou-lhe a incumbência de distribuir esmolas aos mendigos e necessitados que se apresentavam na portaria. 
Um dos seus biógrafos escreve: “O novo cargo proporcionou a Geraldo imensa satisfação por lhe estar unido o encargo de cuidar dos pobres. Não houve jamais mãe que tratasse de seus filhinhos com mais desvelo e solicitude do que Geraldo de seus pobres. Sabia jeito de não despachar a ninguém descontente; as explorações e grosserias não o vexavam nem impacientavam. Havia pobres, que depois de socorridos, voltavam segunda vez pedindo nova esmola. 

Geraldo bem os percebia, mas alegrava-se por reclamarem, embora ardilosamente, a sua caridade”. Desculpando-os dizia: “Nosso Senhor também rouba os corações”. Denominava-os “os meus pobres” ou “os pobres de Cristo” e mostrava-se, quanto possível, generoso para com todos. Santorelli censurou-lhe um dia em sua generosidade sem medidas. “Deveis fazer distinção, disse, e socorrer só os que são realmente indigentes”. “Absolutamente não, respondeu o irmão, todos devem receber alguma coisa porque todos me pedem pelo amor de Deus”. 

Que entretanto Geraldo fazia distinção, prova-o o desvelo que tinha para com os pobres doentes que não podendo ir à portaria, mandavam os filhos ou parentes em busca de comida. Os doentes recebiam caridade dobrada; por amor deles ia pessoalmente à cozinha e escolhia os melhores e mais leves pratos, às vezes tirava de seu próprio prato para lhes fornecer alimento mais delicado. Quando não encontrava coisa mais fina, dava-lhes pedaços de pão de trigo para o preparo de saborosa sopa. 

Às vezes obtinha permissão de revistar a dispensa do convento e alegrava-se quando lá achava doces ou passas para os seus doentes. Com ternura dizia: “Para os doentes pobres precisamos sacrificar tudo, porque eles são a imagem de Jesus Cristo. Esse mesmo pensamento exprimiu-o ainda mais engenhosamente com as palavras: “O SS. Sacramento é o Cristo invisível e o pobre doente é o Cristo visível”. 

Quando tinha licença levava pessoalmente os donativos ao domicílio dos pobres enfermos. Nesse caso levava não somente esmola mais copiosa e remédios, mas ainda lenitivo e conforto com palavras repassadas de caridade e consolo celestial. 
O Pe. Tannoia referindo-se a essas visitas do santo ao domicílio dos pobres escreve: “O que Geraldo dava na portaria era o menos. Quantas famílias, que não podiam ir ao convento eram sustentadas por sua caridade! quantas viúvas recorreram a ele com excelente resultado! quantos esforços não envidou e quantos meios não empregou a fim de arranjar boas colocações para moças e assim desviá-las dos perigos facilitando-lhes um bom casamento!” 

Em se tratando dos pobres, a sua confiança em Deus não tinha limites, como se tivesse hipotecada em mãos a garantia da Providência; e não se pode negar que o Senhor o abençoou nessa sua confiança. 

Preparadas as comidas para o almoço entrou Geraldo uma vez na cozinha com as vasilhas dos pobres. O cozinheiro, humanamente falando, não era grande amigo do generoso pai dos pobres, que o pusera muitas vezes em tristes apuros. Observou-o pois atentamente. O santo examinou as comidas preparadas e pôs-se a tirar tanto das panelas que o cozinheiro perdeu a paciência e gritou-lhe: “Que estais fazendo aí, irmão?, para a comunidade então não fica nada?” Geraldo respondeu: “Deus providenciará” e continuou a tirar até encher todas as vasilhas. “Vamos ver onde vai parar isso” murmurou o cozinheiro supondo que a comida não bastasse para os confrades. 

Mas, ó prodígio! na hora da refeição não faltou coisa alguma; pelo contrário, sobrou muito e ainda se pôde dar mais aos pobres. 
Caposele necessitava naquele tempo de um porteiro caridoso e miraculosamente protegido pela Providência. Excepcionalmente frio o inverno daquele ano, e excessivamente escassa a colheita de 1754; daí a fome dos indigentes já no mês de dezembro. A região de Caposele sofreu imensamente com isso; eis o motivo do aumento extraordinário dos mendigos à porta do convento. Todas as manhãs lá compareciam cerca de duzentos pobres; homens, mulheres, crianças e velhos. O Pe. Cajone recomendou ao porteiro muita solicitude com os pobres. “Irmão, disse-lhe, agora deveis pensar em tudo! se não cuidardes dos pobres, morrerão todos. Não vos imponho limites, permito-vos empregar para isso tudo o que temos em casa”. 

O reitor não precisou dar duas vezes semelhante ordem; Geraldo pôs-se imediatamente em ação em prol dos pobres. 
Aquela pobre gente andava mal vestida, quase nua, sofrendo por isso horrivelmente as inclemências da temperatura. Geraldo procurou remediar esse mal na medida do possível; percorreu a casa, examinou os armários da rouparia, tirou as vestes usadas com as quais beneficiou grande número de indigentes. 
Reduziu ao extremamente necessário a sua própria roupa para poder auxiliá-los. 
Devido ao rigor do inverno os pobres sofriam não pouco com a espera na entrada do convento; Geraldo mandou levantar lá uma fogueira para aquecer sua pobre gente. 

Comovia-se até às lágrimas ao ver as criancinhas que o rodeavam a tiritar de frio. Exclamava: “Nós pecamos, e estas criancinhas tem de sofrer por nossa causa”; tomava-lhes as mãozinhas e acalentava-as entre as suas, vendo nos inocentes a pessoa de Jesus que sofreu inocente pelos nossos pecados. 

Na proporção que se aumentava a miséria, crescia a confiança do santo na divina Providência; e quanto mais se intensificava esta, tanto mais se manifestava o auxílio direto do céu. Acontecia encontrarem-se no convento somas de dinheiro, de cuja pro-cedência ninguém tinha conhecimento, e que bastavam justamente para socorrer as necessidades dos pobres. “Três ou quatro vezes, conta o Pe. Cajone, apresentou-me o servo de Deus não insignificante importância de dinheiro, encontrada à porta da casa. Só Deus e Geraldo sabem de onde veio e quem lá a deixou”. 

É impossível descrever quanto pão e quantos víveres o santo distribuiu. “Era opinião geral em Caposele, escreve Tannoia, e os nossos o viram muitas vezes, que o pão se multiplicava nas mãos de Geraldo. Um dos nossos clérigos atestou ter visto os cestos, esvaziados por Geraldo, encherem-se subitamente de pães; um outro relatou que um cesto cujo conteúdo Geraldo havia esgotado, imediatamente depois se achou ainda mais cheio do que antes”.  

O irmão encarregado da padaria notou uma vez que Geraldo havia distribuído entre os pobres todo o pão da dispensa, de sorte que para a comunidade não sobrou nem uma fatia. O irmão calou-se; poucos minutos antes do jantar foi dar parte do ocorrido ao superior; embora de manhã tivesse enchido o forno, não restava nada para os confrades. O Pe. Cajone mandou chamar Geraldo e repreendeu-o diante do acusador mostrando-lhe a imprudência com que agira, porquanto naquela hora era impossível comprar pão fora do convento. Geraldo ouviu calmo e modesto a repreensão do reitor, dizendo depois: “V. Revma. não deve temer, Deus providenciará!” e dirigindo-se ao confrade continuou: “Meu irmão, olhai melhor e vede se não sobrou pão”. — “Nem um pedacinho, replicou este um tanto agastado, e para vos convencerdes disso, vamos juntos à dispensa”. 

O humilde Geraldo acompanhou o irmão que apressou os passos até o depósito dos pães. Com a mão na tampa disse: “Vede, vede se há aqui um pedaço sequer” e abriu a caixa. Esta estava cheia até em cima”. Louvado Deus! exclamou Geraldo e foi imediatamente à igreja para agradecer ao Senhor. O irmão que censurara a liberalidade de Geraldo, ficou mudo de assombro. Nesse estado encontrou-o o Reitor, que ao ver tanta quantidade de pães, pediu explicações ao acusador. “Meu Padre, respondeu ele, Geraldo é de fato um santo e eu quis que V. Revma. lhe desse uma penitência, quando fui ter com V. Revma., aqui não havia uma migalha de pão e agora, vindo aqui com Geraldo, encontrou pão em abundância. Isto ninguém, senão Deus, podia ter feito!” “Sim, replicou o reitor, foi Deus quem o fez; deixemos Geraldo agir, porque Deus está com ele”. 

Desejando Geraldo causar especial alegria aos pobres preparou-lhes com o auxílio dos confrades uma boa quantidade de macarrão. Chegada a hora da repartição o servo de Deus levou a macarronada à portaria, mas eis os pobres eram muito mais numerosos, naquele dia, do que em outras ocasiões. Não havia proporção entre o macarrão e a turma dos mendigos. Geraldo não se inquietou; distribuiu, encheu prato por prato sem parcimônia. A macarronada deu para todos e ainda sobrou com admiração dos irmãos que auxiliaram Geraldo. As comidas aumentavam-se nas mãos do servo de Deus. 

As muitas distribuições causaram sensível diminuição de trigo na dispensa. O Pe. Cajone que não queria tentar a Deus quis limitar um pouco a liberalidade de Geraldo e disse-lhe: “Irmão, dai o que puderdes, mas nada falte à comunidade”. Geraldo respondeu: “Não vos inquieteis, meu padre; Deus, como o espero, providenciará tudo”. Ah! Irmão, replicou o superior, vós quereis milagres à força”. 

Em seguida o padre Cajone desceu ao celeiro e vendo-o repleto reconheceu infundado o receio de vir a faltar o pão. Assombrado voltou para casa, onde encontrando-se com Santorelli, que entrava, disse: “Meu caro doutor, estou pasmo de admiração. A nossa provisão de trigo estava já esgotada. Queixando-me disso a Geraldo, ele respondeu-me do seu modo cheio de fé: Deus providenciará. 

Acabo de examinar o celeiro e encontro-o cheio. Eu me confundo diante do poder taumaturgo e da virtude do nosso santo irmão”. 
Amparado assim pela Providência, o santo aliviou a necessidade de muitas centenas de pobres nos meses de janeiro e fevereiro de 1755 em que se revelou mais aguda a carestia. O santo sentia-se tão contente e grato para com Deus que, nessa ocasião não era preciso nada de extraordinário para o inundar de prazer e alegria. 

Em Caposele vivia um habilíssimo flautista e cantor por nome Felippe Falcone. Esse pobre cego era um dos melhores amigos de Geraldo e dos mais assíduos à portaria. Um dia disse-lhe Geraldo: “Toca”. — Que quereis que eu toque? perguntou o cego. “Toca o hino 
Il tuo gusto e non il mio 
Voglio solo in te mio Dio etc. 

Geraldo, já às primeiras palavras, aprofundou-se nos sentimentos por elas expressos. Enebriado do amor divino, pôs-se a saltar e a dançar repetindo as palavras do hino: “Não o meu mas o vosso gosto” De repente cessaram os movimentos, os olhos do santo fitaram o céu e na presença de todos Geraldo elevou-se nos ares na altura de alguns palmos. 

Assim como Jesus nos dias da sua vida mortal nunca deixava de unir o pão do corpo ao da alma, Geraldo também procurava não só socorrer às necessidades corporais dos pobres, mas também às das suas almas. 

Antes da distribuição do pão ensinava regularmente aos pobres o catecismo. Colocados, em grupos, todos os indigentes, as crianças na frente e os adultos atrás, falava-lhes das verdades da fé e dos deveres do cristão acomodando-se à capacidade compreensiva dos ouvintes. Para movê-los à paciência e à resignação, mostrava-lhes Jesus a carregar sua pesada cruz. Exortava-os à oração e à recepção dos santos sacramentos, sugerindo-lhes sentimentos de contrição e ódio ao pecado. 

As catequeses de Geraldo eram bálsamo para os pobres, e beneficiavam também a muitos outros que não pertenciam à classe dos mendigos. 
Ao correr a notícia de que Geraldo unia às esmolas palavras de salvação, muitos moradores de Caposele afluíam à portaria na hora da distribuição para ouvir as explicações do santo irmão, e não poucos aprenderam verdades que ignoravam, ou sentiram emoção santa que nunca haviam experimentado até então. 

“Era belo ver, diz Tannoia, como muitos dos ouvintes iam à igreja e contritos se prostravam aos pés do confessor. Diversos, de vida escandalosa, e remissos na recepção dos sacramentos, aproximaram-se humildes do tribunal da penitência, convertidos pelas palavras de Geraldo”. 

Entre essas conversões sobressai a de uma moça, aparentemente piedosa, que vivia em sacrilégio e má vida; iludia a si e aos outros e não se preocupava com as admoestações dos confessores. Um dia apareceu também ela à portaria. Geraldo conheceu logo a podridão de sua alma; despachados os mendigos, chamou-a à parte e pôs-lhe em vivas cores diante dos olhos o estado deplorável da sua alma. A admoestação do santo surtiu efeito; a pecadora caiu em si; Geraldo enviou-a ao Pe. Fiocchi em Iliceto, onde entre lágrimas e soluços fez a sua confissão. A sua vida posterior provou terem sido sinceras as suas lágrimas. Humildemente narrou em público os seus desvarios e o modo como fora convertida por Geraldo. O Pe. Cajone em uma relação posterior louva a sua perseverança. “Ela continua, diz ele, com edificação geral e não pode lembrar-se de Geraldo sem soluçar de saudades e gratidão”. 

Essa recordação grata muitas vezes acompanhada de lágrimas, não era coisa rara entre os que apareciam à portaria de Caposele, se encontravam com o santo e dele recebiam o pão e o consolo. A fisionomia de Geraldo ficou indelevelmente gravada na lembrança dos pobres que dele falavam como de um pai e o veneravam como a um santo. 

Esse amor de Geraldo aos pobres era um eflúvio da sua perfeita caridade, o que se depreende do seu procedimento para com todos, especialmente com seus confrades. Lembramo-nos que em Nápoles o santo consolava o Pe. Margotta e lhe predissera para mais tarde a cessação dos seus escrúpulos e sofrimentos interiores. Em Caposele o santo não esqueceu o seu caro confrade; pedia com instância a Deus, quisesse libertá-lo dos seus sofrimentos; não contente com as orações ofereceu-se a Deus para tomar sobre si o peso que acabrunhava o pobre sacerdote. E o Senhor aceitou esse generoso oferecimento. 

O médico Santorelli, penetrando um dia em sua cela, viu-o com a pena na mão e perguntou-lhe: “Que fazeis aí?” “Estou escrevendo, respondeu o irmão, ao Pe. Margotta para lhe participar a cessação dos seus tormentos e exprimir o meu contentamento”. E de fato o Pe. Margotta viu-se livre, em Nápoles, dos seus sofrimentos espirituais, no momento em que Geraldo lhe escrevia; o santo porém foi assaltado de uma melancolia, que destoava imensamente da sua jovialidade habitual. Seus olhos perderam o brilho e o sorriso desapareceu dos seus lábios; parecia oprimido e acabrunhado de desânimo desolador. O superior perguntou-lhe pela causa da sua tristeza e Geraldo teve de revelar o segredo. “Eu não tinha coração, disse, para ver sofrer tanto o nosso Pe. Margotta; ofereci-me a Jesus para ser torturado em seu lugar”. 

O fato seguinte mostra-nos ainda mais claramente a genuína e profunda caridade do santo. 
A arte de confeccionar Ecce-homos e crucifixos, aprendida em Nápoles, Geraldo a exerceu em Caposele com a permissão dos superiores. Para isso necessitava de tintas e cola, que lhe eram fornecidas por Estevam Sperduto, marceneiro do convento. Este, agastado com os repetidos pedidos escondeu as tintas dentro do quarto, para mais facilmente poder negá-las ao santo. Geraldo percebendo a mentira apontou-lhe o lugar onde estavam escondidos esses objetos. Apesar disso, o marceneiro tornou a ocultar o pote com as tintas e as colas. 

O novo esconderijo não foi menos impenetrável do que o primeiro. Geraldo encontrou tudo, mas não notou as tintas dentro do vaso da cola e, supondo tudo em ordem, colocou o pote ao fogo. A mistura das duas coisas estragou, naturalmente a ambas. Quando o marceneiro voltou para casa, vendo o acontecido indignou-se ao ponto de espancar o santo com uma bengala que tinha na mão. Geraldo pôs-se de joelhos exclamando: “Meu irmão, batei que tendes razão para isso”. A humildade de Geraldo acalmou o marceneiro, que arrependido disse: “Irmão supondes que vos quero matar; não, não vos quero mal, a raiva me cegou”. — E Geraldo, assim contou Sperduto mais tarde, nunca se queixou do meu mau procedimento e ficou sempre meu amigo. Eu porém reconheci nessa ocasião o seu grande valor que até então eu desconhecia”. 

A sua caridade, mansidão e humildade conquistavam-lhe em toda a parte amigos e admiradores. Entre esses merece especial menção o Dr. Nicolau Santorelli, que aliás era homem apto para travar relações de amizade com o servo de Deus. 
“Ele era, diz Tannoia, extremamente piedoso e terno venerador da SS. Virgem. Amava tanto a Jesus, que não podia furtar-se ao desejo da comunhão diária; passava muitas horas do dia em oração e união com Deus; mortificava-se e procurava crucificar-se promovendo com seus trabalhos a maior glória de Deus. Fundada a casa de Caposele, colocou-se sob a direção espiritual do Padre Sportelli e mais tarde, do Pe. Cafaro; todas as manhãs, quaisquer que fossem as inclemências do tempo, ia visitar o seu diretor espiritual e dar expansões à sua devoção na igreja. Assistia regularmente à pregação dos sábados e das novenas, bem como a adoração do SS. Sacramento, em se incomodar com a distância que não era pequena”. 

Apenas conheceu mais de perto o nosso santo relacionou-se com ele com a amizade de um irmão, procurando tirar proveito dos seus carismas extraordinários. Sempre que ia ao convento visitava o irmão e consultava-o sobre as necessidades de sua alma. De seu lado Geraldo correspondia fielmente à amizade de Santorelli, confiava-lhe os seus segredos e ajudava-o e a família dele em todas as dificuldades. 

Quanto aos outros veneradores de Geraldo, cuja amizade muito o consolou nos últimos anos da sua vida, mencionemos apenas o Cônego Bozzio, que vimos relacionar-se em Atella com o servo de Deus. Ele continuou em Caposele a amizade lá iniciada e sentia-se feliz por poder estar perto do servo de Deus e entreter-se mais vezes com ele. Em suas visitas e palestras ficou conhecendo a fundo o espírito e a vida do santo, de sorte que lhe foi possível deixar à posteridade uma relação muito interessante a respeito de Geraldo.  

Dessa relação temos já haurido algumas citações, demo-la porém em sua íntegra ao menos quanto aos pontos principais, de um lado porque manifesta claramente a estima em que Geraldo era tido, e do outro porque contém magnífico testemunho sobre o irmão. Essa relação conduz-nos naturalmente ao assunto do capítulo seguinte. 

“Desde o início da nossa amizade, diz Bozzio, deu-me Geraldo inúmeras provas da sua comprovada virtude. Eu tinha por certo (e julgo não ter errado) que o espírito do irmão estava constantemente abismado na Divindade; daí aquela união íntima com Deus, a qual se manifestava ora mais ora menos claramente. Tendo-se ele distinguido na união prática com Deus, isto é na conformidade da vontade humana com a divina, de maneira a falar sempre dela com profunda compenetração e a viver desapegado completa e constantemente das coisas terrenas, não duvido que Deus o tivesse também elevado à união com Ele. 

Prova disso tive pouco tempo antes da sua enfermidade mortal. Estávamos conversando a sós, quando ele me perguntou a significação de alguns versos do salmo 17 que começa com as palavras: Diligam te Domine, fortitudo mea (quero amar-vos, Senhor fortaleza minha), e em particular a significação das palavras Inclinavit caelos et descendit et ca-ligo sub pedibus ejus (inclinou os céus e desceu e a escuridão da noite estava sob seus pés). Entendi logo que ele queria falar da oração, que os místicos denominam contemplação na via negativa e que lhe dava, sempre que a praticava, a aparência de um homem envolto em trevas misteriosas. Dei-lhe alguma explicação, mas ele, experimentado no assunto, falou melhor do que eu. 

Em todos os seus trabalhos a vontade divina era o alvo a que aspirava. Essa aspiração não se perturbava nem sofria com a grande submissão que costumava prestar aos superiores. 

Seu ânimo permanecia sempre o mesmo tanto nos dias em que Deus o visitava como nos que dele se afastava; era sempre o mesmo na aridez como na abundância da luz. Mesmo quando seus sofrimentos internos se revelavam externamente, não se notava nele nenhuma contrariedade ou impaciência. 

A sua conduta era um misto de encantadora modéstia e graciosa jovialidade. Se algumas das suas ações pareciam esquisitas e estranhas, era o efeito da ininterrupta união com Deus e, em parte, do desejo que tinha de ser tido na conta de louco desprezível a todos. Ele possuía, aliás, claríssimo espírito e natu-reza moderada. 

Para expressar tudo em poucas palavras, digo que tenho por muito verossímil o que padres da sua Congregação e santos homens experimentados na vida espiritual têm afirmado, isto é que Geraldo possuía êxtases admiráveis, obediência em grau heroico a ponto de executar ordens que lhe eram dadas mentalmente; que ele se gloriava dos sofrimentos como os profanos de suas falsas alegrias, submetendo-se perfeitamente às determinações da Providência, por penosas que lhe fossem, e que ele tinha verdadeira fome dos sofrimentos. Também tenho como certo o que pessoas fiéis a ele têm relatado, isto é, que ele penetrava os corações conhecendo-lhes as tentações, inclinações não mortificadas, aridez e consolações; que ele podia predizer o tempo reservado para a purificação de uma alma, bem como os momentos próximos ou distantes das visitas do Senhor; e que ele tinha o dom da profecia e os dos milagres. 

No referente a sua obediência, poderão os padres da Congregação fornecer testemunhos mais exatos; eu posso assegurar que Geraldo sempre falava dela com o mais profundo respeito dedicando-lhe intenso amor em seu coração. Um dia achava-me eu no campo, durante o recreio, nas proximidades do convento de Caposele. O superior, que me tinha visto, ordenou a Geraldo me beijasse os pés, o que ele procurou fazer imediatamente. Querendo furtar-me a isso, apressei os passos; o santo correu e não podendo alcançar-me pediu que o esperasse. Para não o fatigar tive que parar e ele beijou-me os pés com suma satisfação. 

Diante de tudo isso, digo ser impossível o santo ter sido guiado por um outro espírito — humano ou diabólico — que não o espírito divino. Mesmo que não houvesse outras provas, bastariam para isso o seu heroísmo na obediência e a conformidade com a vontade de Deus, bem como a sua constante jovialidade de coração. O exercício dessas virtudes é a prova cabal de que Geraldo se deixava guiar tão somente pelo espírito de Deus, porquanto as coisas extraordinárias são livres de todas as possíveis ilusões pela prática dessas virtudes. Quando ao sofrimento suportado por amor de Deus (o que se dá com Geraldo) se une o desejo de sofrer ainda mais, atinge-se certamente o auge do amor possível neste mundo. 

Nesse amor aparece a alma no estado sublime de santidade , no qual o Apóstolo exclama: Vivo ego, jam non ego, vivit vero in me Christus. Vivo, mas já não sou eu que vivo, é Jesus que vive em mim”.   


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