Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O santo visitou-a e disse-lhe: “Isso não é nada”. A enferma estava curada, conforme constatação do médico, seu irmão. Além desse milagre relata-se ainda a cura de uma parturiente desenganada dos médicos, e um êxtase que se deu na igreja diante de todo o povo.




A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA

CAPÍTULO XXIII 

Último ofício e última excursão 

O último quartel de vida do servo de Deus foi consagrado a uma obra de obediência e de caridade, a qual, por ser oposta ao temperamento tranqüilo e reconcentrado de Geraldo e contrária ao seu desejo da solidão, revelou ainda com maior brilho o seu bom espírito.

Sendo a casa de Caposele uma fundação nova, era ainda muito estreita e mal acabada e por isso impunha-se a ultimação das obras logo que para isso houvesse os necessários recursos.

Ao voltar de Nápoles a Caposele Geraldo encontrou a construção em andamento e a casa cheia de pedreiros e carpinteiros, estando o material da construção esparramado por toda parte; o dia inteiro ouvia-se o barulho e a vozeria dos operários. O santo, regressando da capital rumorosa, esperava encontrar a solidão e a paz, porém só achou ocasião para oferecer ao Senhor o sacrifício, que para ele não era pequeno.

A construção em si não era o único sacrifício que Deus exigia dele. O Pe. Cajone resolveu nomeá-lo inspetor das obras confiando-lhe o cuidado dos operários, dos carros necessários, do pagamento e de outras coisas semelhantes. Essa incumbência pouco se harmonizava com o estado da alma de Geraldo naquela época, e muito menos ainda com a sua saúde; aceitou-a, porém, com prontidão e bem depressa se adaptou ao serviço, desempenhando-o ardorosamente.

Via em tudo isso a vontade de Deus; não se contentou só com a vigilância e ordens gerais; ele mesmo pôs mão à obra; andava de um lado para outro, determinando e aconselhando conforme julgava necessário. Entre os operários era ele o primeiro a começar e o último a abandonar o serviço. Ora cavava a areia, ora inspecionava a olaria, ora percorria a vila em procura de material para a obra. Permanecia em pé dia e noite, esquecido de suas necessidades corporais e de suas dores, reprimindo o desejo e a saudade, que sentia, de meditação perante o tabernáculo.

Também aqui não faltaram milagres. Um dia o reitor achou-se em apuros por ocasião do pagamento dos operários: “Como pagaremos o pessoal, disse a Geraldo, o sábado está chegando e então?” “Ah, exclamou o inspetor das obras, fazei um requerimento a Nosso Senhor no SS. Sacramento”. O requerimento foi feito e entregue a Geraldo para o despacho. O santo foi à igreja com o papel e colocou-o sobre o altar; bateu singelamente à porta do tabernáculo dizendo:

“Querido Jesus, aqui está um requerimento nosso, despachai-o!” Para extorquir a resposta, permaneceu a noite inteira de sexta-feira para sábado na igreja em oração diante do altar e conjurava o divino Mestre auxiliasse a casa. Ao amanhecer tornou a bater no sacrário, e pouco depois ouviu o som da campainha na portaria, onde encontrou duas sacolas com dinheiro, que tirou o superior dos sérios apuros. Donato Spicci, que então se achava no convento, pediu algumas moedas desse dinheiro caído do céu e levou-as a Muro.

Até os elementos pareciam respeitar, às vezes, o zelo e a obediência do Santo. Geraldo teve uma vez de ir à vila por causa da construção. No momento da saída, formou-se medonho temporal e a chuva começou a cair a cântaros; a atmosfera estava carregada despejando raios e fazendo roncar os trovões.
Isso não impediu o santo de cumprir a ordem recebida. O Pe. Cajone, ao saber do caso, mandou um portador atrás de Geraldo com ordem de fazê-lo voltar. Mas — ó prodígio — o santo caminhava em plena estrada, enxuto no meio do aguaceiro torrencial. Não obstante Geraldo voltou, obedecendo à ordem do seu superior.

Uma outra vez achava-se o santo, a negócio, em casa da família Ilaria quando viu um peru exibindo-se vaidosamente na rua. Geraldo que sempre se elevava a Deus à vista das criaturas: como flores, pássaros e outros animais, lembrou-se da Onipotência divina à vista do peru. Cheio de santa alegria exclamou: “Vem cá, criatura de Deus, vem cá!” O peru, como se compreendesse aquelas palavras, abriu as asas e saltando aproximou-se de Geraldo, que o acariciou aos seus pés.  

Casos semelhantes deram-se repetidas vezes; as aves voavam para ele e sentavam-se em suas mãos como se tranqüilas repousassem em seus ninhos.
Uma palavra sua era bastante para amansar animais ferozes. Estava uma vez Geraldo à janela do colégio em companhia de seu antigo mestre Vito Mennona, quando pela rua passou um rapaz a cavalo; este não podendo governar o animal que se espantara, corria perigo eminente de ser cuspido da sela num barranco muito íngreme. “Está perdido” foi o grito de todos. O santo estendeu a mão para o cavaleiro com a oração: “SS. Virgem, acudi!” e voltando-se para os circunstantes disse: “Ele vai cair, mas não se machucará”. Às palavras de Geraldo o animal parou bruscamente diante do abismo, o rapaz foi ao chão mas sem lesão alguma.
Geraldo achava-se em plena atividade na construção quando o arcebispo de Conza visitou o convento, como ficou relatado no capítulo antecedente.

Para auxiliar os padres, deu-lhes 300 ducados e numa circular concitou clero e povo da diocese a auxiliarem a construção do convento de Caposele, e pediu ao Pe. Cajone que enviasse alguns dos seus religiosos às paróquias afim de arrecadarem as esmolas. O Pe. Cajone pensou logo no Irmão Geraldo, que já havia demonstrado grande habilidade para esses trabalhos delicados e todos estavam certos de que Geraldo seria um dos encarregados. A sua saúde, porém, fez o superior desistir dessa resolução; era alto o verão, o calor excessivo, e alguns lugares a ser visitados eram insalubres nessa estação do ano. Era pois de temer que o irmão já muito fraco sucumbisse ao exaustivo trabalho.

Nessa indecisão o Pe. Cajone mandou chamar o irmão e consultou-o a respeito da sua saúde. O santo respondeu com sinceridade e declarou-se pronto a executar a ordem, se esta lhe fosse dada. Sem proferir palavras, o Pe. Cajone colocou-lhe a mão sobre a cabeça dizendo interiormente. “Em nome da SS. Trindade quero que sares e vás arrecadar as esmolas”. Geraldo sorriu-se olhando para o reitor: “Porque vos rides?” perguntou. “V. Revma., respondeu Geraldo, parece não falar e fala; quereis que eu sare e vá esmolar. Pois bem, ficarei são e sairei ao peditório; sim, meu padre, eu quero obedecer a sarar”. Diante disso o Pe. Cajone deu-lhe ordem expressa de angariar as esmolas.

Geraldo esteve logo pronto e partiu, na segunda metade de julho de 1755.
Uma das primeiras paróquias por ele visitadas foi Senerchia, cuja igreja estava em construção, para a qual uma floresta vizinha devia fornecer o necessário madeiramento. Possantes castanheiras, já derrubadas, não podiam ser transportadas ao local por falta de meios. Ao ouvir do embaraço, disse o irmão:

“Não receeis, a igreja é de Nosso Senhor, e Deus providenciará para que ela seja construída”. Dito isso foi à floresta, ajoelhou-se e rezou; levantando-se da oração pediu uma corda, amarrou-a ao tronco maior, que não podia ser movido por várias juntas de bois, e exclamou: “Criatura de Deus, em nome da SS. Trindade, ordeno-te que me acompanhes”. Diante da turma admirada arrastou o tronco até o lugar da construção e com tanta facilidade como se a árvore fosse um pequeno cálamo. Em seguida concitou o povo a imitar o seu exemplo; a força misteriosa do santo comunicou-se a todos; com facilidade puxaram os outros troncos até o local da construção.

Além desse milagre relata-se ainda a cura de uma parturiente desenganada dos médicos, e um êxtase que se deu na igreja diante de todo o povo.
Senerchia conservou grata recordação do santo, venerando-o como um grande santo e invocando-o depois da sua morte, como padroeiro e protetor.
“Não há uma pessoa em Senerchia, atestou mais tarde uma senhora de lá, que não tenha escolhido o venerável irmão para protetor especial; temos o costume de acrescentar às nossas orações um Padre-Nosso e Ave-Maria em agradecimento à SS. Trindade pelos grandes dons concedidos a seu servo. Cada qual invoca-o em suas necessidades; como nossa família é possuidora de um dente do servo de Deus, todos vêm procurar, a cada passo, essa relíquia, para tocá-la em pessoas gravemente enfermas”.

De Senerchia seguiu Geraldo a Oliveto, onde se devia hospedar com o arcipreste Angelo Salvadore. O irmão participara-lhe sua chegada em uma carta que assim termina: “V. Revma. deseja conhecer este pobre pecador; Deus realizou o seu desejo”. Ao ler estas palavras ficou pasmo, porque de fato, desde há muito tempo desejava conhecer o santo, sem todavia ter comunicado a ninguém o seu desejo. Quando Geraldo chegou, abraçou o sacerdote, dizendo-lhe ao ouvido: “Lestes as últimas palavras da minha carta?” Salvadore fingiu não saber a que palavras o santo se referia e disse: “Sim, notei a expressão Vosso indigno servo e admirei-me da vossa humildade”. — “Não é isso, não”. — “Também não é isso”. — “Que então?” — Geraldo disse abertamente e sem rodeios: “Vós desejáveis vêr-me, e agora o Senhor me enviou a vós”.

Chegada a hora da refeição, Geraldo que se ausentara, não compareceu. O arcipreste dirigiu-se ao quarto do irmão, parou à porta e olhou pelo vão da fechadura. O santo estava em êxtase elevado nos ares numa altura de meio metro. Profundamente comovido retirou-se em silêncio; passado algum tempo tornou a fazer o mesmo exame e encontrou o irmão na mesma posição. Ninguém mais pensou em comer; o arcipreste contou o ocorrido aos seus, que comovidos não puderam conter as lágrimas. Quando Geraldo, voltando a si, saiu do quarto, estava todo inflamado de amor divino e dirigindo-se ao sacerdote, como se nada houvesse sucedido, disse: “Continuai no vosso sistema de vida, eu não quero ser pesado à família”.

Essa boa impressão, que o santo causou ao arcipreste Salvadore, logo no princípio, aumentou-se consideravelmente nos dias seguintes.  
O primeiro êxtase de Geraldo visto por Salvadore, excitara a piedosa curiosidade de todos os moradores da casa, tornando-se a vida do santo um estudo formal para todos da casa. Só assim foi possível descobrir o que Geraldo sempre sabia ocultar: seu jejum quase absoluto, suas vigílias que mal lhe permitiam duas horas de repouso, suas flagelações sangrentas, e outras mortificações. Tudo servia de edificação; a presença de Geraldo era para todos da casa uma pregação séria e eficaz.

Também em outras casas teve Geraldo ocasião de operar o bem, sacudindo as almas.
O padre Tannoia e outros relatam a esse respeito dois fatos que impressionavam vivamente a todos.
Um dia notou Geraldo uma grande multidão de povo agrupado em torno de um infeliz que se debatia como um louco afugentando de si os que dele se queriam aproximar. O santo chegou-se sem temor e perguntou: “Quem és?” — “Sou o demônio”, foi a resposta. “Em nome da SS. Trindade ordeno-te que deixes esta criatura”, disse o santo; com as palavras: “Sairei, mas caro me pagareis” perdeu o espírito mau todo o poder sobre o corpo do infeliz.

Uma vez viu Geraldo uma criancinha diante de uma casa e assustou-se exclamando: “Que monstro cresce em Oliveto!” Essas palavras causaram assombro, porquanto ninguém percebeu-lhes o sentido. O futuro comprovou a veracidade daquela exclamação. Michelângelo — assim se chamava a criança — mal chegado à adolescência, por seus crimes mais pareceu um demônio do que um homem. Na idade de quinze anos quis violentar sua própria irmã; repreendido pelo pai, procurou tirar-lhe a vida e chegou ao ponto de o pai ter de defender-se. Mais apressado do que o filho desfechou um tiro contra o monstro, como Geraldo denominara a criança anos antes.

De Oliveto foi Geraldo a Contursi, onde se demorou apenas um dia. Em fins de julho encontramo-lo em Auletta. Passando pela praça pública deu com um homem desconhecido e apostrofou-o: “Meu filho, como podeis viver em paz? Cometestes em tal ocasião uma culpa grave e ainda não a confessastes. Fazei-o depressa”. O pobre homem ficou assustado com a repreensão do irmão desconhecido, caiu-lhe aos pés, prometeu corrigir-se, foi ter com um sacerdote e fez a sua confissão, mudando de vida e permanecendo fiel a seus propósitos até o fim.
José Maria tinha uma filha que sofria horríveis convulsões. Geraldo achava-se uma vez na casa dele, quando a filha foi vítima desse acesso. A pedido dos pais o santo fez o sinal da cruz sobre ela e a enfermidade desapareceu para sempre.

Em outra casa de Auletta mostraram-lhe uma menina, paralítica de nascimento, a qual não podia fazer o menor movimento. A esse mal acrescia ainda extrema indigência na família. Pediram a Geraldo a recomendasse ao Senhor: “Não é nada, disse ele, a menina está boa”, chamou a pequena que, levantando-se do leito, lhe foi beijar as mãos. Foi tão grande a sensação causada que o povo gritava nas ruas: “Milagre, milagre” apontando para o santo. Aglomerando-se o povo, Geraldo ocultou-se na casa do sacerdote Abbondati; o povo porém seguiu-o gritando sempre: “O santo, onde é que está o santo”. Como o alarme não parecia querer cessar, Geraldo recorreu à fuga; pela porta de trás escapuliu-se, sem ser visto, para a vizinha vila Vietri da Potenza, onde chegou cansadíssimo por haver corrido muito.

Em Vietri encontrou-se com uma moça de má reputação, que a sorrir, pediu ao irmão uma efígie de Maria. Este deu-lha com as palavras: “Tratai de pôr em ordem os vossos negócios e recomendai-vos à SS. Virgem, porque tendes poucos dias de vida!” E de fato, a moça de aparência sadia, mal chegou em casa foi atacada de ardente febre. Felizmente lembrou-se do irmão, mandou chamar um padre, confessou-se arrependida e morreu três dias após o encontro com o santo.
De Vietri dirigiu-se Geraldo a São Gregório, onde se hospedou com o arcipreste Robertazzi, que o não conhecia. Lá, onde chegou provavelmente a 14 de agosto, esperava passar uns dias sossegado na solidão e colher talvez desprezo e zombarias. Ao entrar em seu quarto exclamou com a face em terra: “Divino Salvador, agradeço-vos o terdes-me libertado de tamanho pesar. Aqui ninguém me conhece; agradeço-vos, Senhor”. Essa libertação, porém, não durou muito. Não se esconde aquele a quem Deus quer pôr no candelabro.  

O suspiro de Geraldo em seu quarto foi ouvido pelo arcipreste, chamando-lhe a atenção para a piedade do irmão. O dia seguinte confirmou-lhe o conceito que fizera do seu hóspede. Enquanto se entretinha com Geraldo, recebeu a visita de um senhor que tomou parte na conversa. Geraldo propôs um caso de moral dizendo ao arcipreste: “Se alguém interiormente resolveu cometer um adultério e, tocado da graça, não o realizou, estará acaso obrigado a manifestar na confissão a resolução tomada, embora não a haja realizado?” O arcipreste chocou-se com aquela pergunta, intempestiva que não quadrava com o assunto da palestra, mas deu a resposta, que os teólogos costumam dar nesse caso. Pouco depois o visitante, prestes a sair, chamou o sacerdote à porta e disse-lhe admiradíssimo: “Tendes um santo em casa! O caso proposto pelo irmão deu-se comigo momentos antes; obcecado pelo demônio resolvera-me cometer o crime, mas não o cometi; eu vô-lo confesso para confusão minha e honra desse santo homem!” O arcipreste encheu-se de veneração e estima para com o santo irmão, ao reconhecer o motivo da estranha pergunta.

Até então envidara o santo todos os esforços para se desempenhar da sua difícil missão, apesar da saúde combalida, que não o auxiliava. Na residência do arcipreste de São Gregório teve uma forte hemoptise seguida de febre tão violenta, que lhe não foi possível continuar a viagem. O médico declarou sem importância a moléstia e prescreveu apenas uma sangria. Geraldo porém viu na enfermidade um mensageiro da morte. Já uns meses antes anunciara claramente a Santorelli a aproximação do fim de sua vida: “Doutor, disse jovialmente, não sabeis de certo que morrerei este ano; a tuberculose pulmonar dará conta de mim”. — “Como sabeis isso, irmão?” perguntou Santorelli. — “Pedi essa graça a Nosso Senhor, respondeu Geraldo, e ele prometeu atender-me”. — “Mas porque de tuberculose?” replicou o médico. “Porque assim morrerei mais desamparado, disse Geraldo; embora em nossa comunidade haja grande caridade para os doentes, sei que morrendo dessa moléstia, menos cuidarão de mim”.
Ainda em data anterior a essa, predissera já ao Irmão Januário Rendina a sua morte próxima; também a este declarara haver suplicado ao Senhor a graça de morrer tuberculoso.

Velozmente aproximava-se a hora em que sua oração iria ser atendida pelo céu.
Diante da declaração do médico de São Gregório, de que a sua enfermidade não era grave, Geraldo continuou o seu giro. A 22 de agosto, sexta-feira, foi a Buccino, onde no mesmo dia à tarde teve nova hemoptise; os dois médicos consultados optaram novamente pela sangria. No dia seguinte reenviaram-no a Oliveto, onde o ar menos áspero mais condizia com o seu estado de saúde. Apesar da pequena distância entre essas duas povoações, Geraldo sentiu-se extremamente enfraquecido, mormente em conseqüência das sangrias, que lhe fizeram perder muito sangue. O santo submeteu-se a essa viagem unicamente em obediência aos médicos que lhe haviam prescrito mudança de ar.

À tarde chegou à casa do seu amigo, o arcipreste Angelo Salvadore, donde comunicou ao superior a enfermidade, que o prostrara. A carta, modelo de simplicidade, calma e conformidade com a vontade de Deus, tem a data de 23 de agosto e reza assim:
“Venho participar a V. Revma. que na igreja de São Gregório fui acometido de violenta hemoptise. Um médico, a quem consultei ocultamente, notando que eu não tinha febre nem dor de cabeça, declarou repetidas vezes que o sangue vinha da garganta e não dos pulmões, assegurando-me não ter a doença gravidade alguma. Fez-me então a sangria, que muito me abateu. Ontem à tarde fui a Buccino; juntamente na hora em que me ia acomodar, sucedeu-me o mesmo que em São Gregório, quando tive acesso de tosse. Dois médicos, chamados à pressa, entre outras coisas prescreveram-me a sangria. Desta vez abriram-me as veias do pé. A segunda hemoptise não me causou mais dores do que a primeira. Também esses médicos declararam que o sangue não provinha dos pulmões, mas ordenaram-me a seguir sem tardar para Oliveto, o que fiz na manhã seguinte, isto é hoje, para assim mudar de ar e ter possibilidade de consultar o Dr. José Salvadore, que é um médico célebre. Aqui chegando não o encontrei, mas o arcipreste, seu irmão, garantiu-me que ele chegará ainda esta tarde. Peço a V. Revma., queira dizer-me o que tenho de fazer. Se quiserdes que volte logo para casa, fa-lo-ei imediatamente; se porém fordes de opinião que devo continuar a coleta, estou pronto a obedecer. Meu peito parece-me agora em melhor estado do que em Caposele; não tusso mais como antes.
Termino. Peço-vos que me deis ordem terminante, e tudo irá bem. Sinto perturbar V. Revma.; entretanto, caríssimo Pai, não vos incomodeis, isso não é nada. Recomendai-me a Deus, para que me conceda a graça de fazer sempre sua santíssima vontade e merecer o seu beneplácito”.

Essa carta, levada por um portador próprio a Caposele naquela tarde, alarmou não pouco o Pe. Cajone, que deu ordem ao irmão permanecesse, até segunda ordem, na casa de Salvadore, cuja família sentiu-se feliz de poder hospedar alguns dias o amável e modesto irmão. Para Geraldo aqueles dias foram menos de descanso do que de oração e glorificação do Eterno.

Geraldo teve ocasião de mandar um portador a um tal Lourenço de Mossi em Caposele para tratar de um negócio. O próprio ao chegar, encontrou seu pai atacado de febre em estado desesperador. O filho aproveitou o ensejo de escrever ao santo, pedindo recomendasse o seu pai enfermo à SS. Virgem. E eis — no momento em que Geraldo leu a carta de Lourenço em Oliveto, o doente restabeleceu-se em Caposele.  

O Irmão Francisco Fiore recebeu ordem de ir cuidar de Geraldo em Oliveto, mas quando lá chegou, sentiu tamanha febre que não pôde ter-se em pé nem subir ao andar onde estava o santo. O médico José Salvadore, chamado às pressas, subiu para avisar Geraldo da chegada e da desventura do recém-vindo. A notícia da doença do Irmão Francisco impressionava um tanto a Geraldo, que, contendo-se, disse ao médico: “Fazei-me o favor de dizer ao Irmão Francisco em meu nome, que por obediência sacuda a febre, se levante e venha, porque os nossos negócios estão marcados e eu não tenho tempo de tratar de um doente”. O médico sorriu diante dessa ordem escusando-se.

“Fazei o que vos disse” tornou a pedir Geraldo. Para não contradizê-lo, o médico deu ao doente o recado que lhe parecia “irrealizável”. O Irmão Francisco, ao recebê-lo, sentiu-se bom, levantou-se são e foi ter com Geraldo, que o censurou: “Que é isso, disse-lhe, nós viemos fazer a coleta e vós vos deixais prender pela febre! por obediência, mandai-a embora, e que ela não volte mais”. “Obedecerei”, respondeu o Irmão Francisco. — “Não quereis tomar-lhe o pulso, sr. doutor?” disse Geraldo dirigindo-se ao médico. A febre desaparecera completamente.
Como ele e seu irmão, o arcebispo, se mostrassem admirados, disse Geraldo: “Talvez vos estranhais disso, não é um milagre, é apenas o efeito da obediência”.
Por essa mesma ocasião a irmã de Salvadore, por nome Rosa, guardava o leito ardendo em febre.  

O santo visitou-a e disse-lhe: “Isso não é nada”. A enferma estava curada, conforme constatação do médico, seu irmão.
Diante de tantas experiências felizes o arcipreste Salvadore pôde atrever-se a recomendar ao irmão taumaturgo um doente digno de compaixão, por cuja cura muito se interessava: era o Padre Domingos Sassi que, atormentado de escrúpulos, foi tomado de profunda melancolia chegando ao ponto de levar lamentável existência devido a idéias fixas que o prostraram. O pobre alienado, encerrado em seu quarto, chorava e por ninharias prorrompia em imprecações, embora sua vida anterior tivesse sido exemplar.

Já sete anos sofria o infeliz sem poder celebrar nem receber a santa comunhão. A família, que tudo fizera para o restabelecimento do enfermo, vendo baldados os recursos médicos, recorreu ao céu. Diversas vezes fizeram-se romarias aos mais célebres santuários da Consoladora dos aflitos, porém tudo em vão. Também ao Pe. Cafaro se dirigiram e levaram o doente a Caposele, na esperança de que esse santo missionário lhe restituiria a saúde; porém também ele orou em vão durante vários dias. Deus que havia reservado ao nosso santo a cura do pobre sacerdote, inspirou aos irmãos Salvadore o recurso a Geraldo. “Que posso eu fazer!” disse o humilde irmão modestamente e, sem o arcipreste saber, foi ter diretamente com o enfermo. A primeira impressão do santo foi desfavorável. Domingos prorrompeu, como de costume, em gritos e imprecações, com o que o santo pouco se incomodou; fez-lhe sobre a fronte o sinal da cruz, e este tornou-se manso como um cordeiro. No quarto havia um piano; Geraldo mandou-o tocar e ambos cantaram juntos a ladainha de Nossa Senhora. A casa inteira acorreu ao ouvir a voz do sacerdote e rejubilou de alegria ao vê-lo de bom humor.

Domingos restabeleceu-se tão radicalmente que no dia seguinte teria já podido celebrar a santa missa, se Geraldo não tivesse julgado melhor esperar mais dois dias. Na tarde do segundo dia disse ele aos membros da família Salvadore: “Amanhã Domingos vai celebrar a missa e terei prazer em ver todos receber a santa comunhão”. Essa proposta foi aceita com satisfação geral, porquanto todos desejavam ardentemente contemplar ao altar o sacerdote que há sete anos não celebrava, e receber de suas mãos o divino Jesus.
A 28 de agosto os parentes e amigos do sacerdote reuniram-se para acompanhá-lo à igreja; faltava só Geraldo; esperaram ainda um pouco, mas como ele não chegava, foram buscá-lo no quarto; Geraldo estava ajoelhado em profunda contemplação e uma das mãos empunhava o crucifixo e a outra descansava sobre o peito; tinha o rosto pálido, os olhos semicerrados e a respiração quase imperceptível. O arcipreste, o seu irmão e vários outros contemplaram-no sem se atreverem a perturbar-lhe o recolhimento e retiraram-se em silêncio. Mais tarde voltaram novamente e o santo, terminado o êxtase, preparava-se para assistir à solenidade: “Esta noite dormi pouco, e agora de manhã fui subjugado pelo sono”, disse ele querendo desculpar a sua demora.

Entretanto reunira-se na igreja imensa multidão, desejosa de assistir à missa do sacerdote curado miraculosamente. Domingos celebrou-a com a assistência do arcipreste, edificando a todos por sua devoção e exata observância das rubricas, o que ninguém esperava devido à longa interrupção da celebração do santo sacrifício. O Irmão Geraldo e toda a família Salvadore comungaram como fora combinado.
Desde então o Pe. Domingos celebrou todos os dias regularmente a santa missa. Ao toque do sino que anunciava a celebração do santo sacrifício, diziam: “Vamos ver o milagre do Irmão Geraldo”. Para evitar a recaída, o santo — e isto é tão admirável como a própria cura — deu ao arcipreste plenos po-deres para, em seu lugar, mover o padre a celebrar a missa. Mais tarde sempre que este fazia alguma dificuldade para a celebração, bastava o arcipreste dar-lhe ordem em nome do servo de Deus, para desaparecerem todas as dúvidas.

A cura de Sassi não foi o único fato miraculoso ocorrido na casa do arcipreste Salvadore. Um belo dia o irmão deste, por nome Felippe, entrou no quarto de Geraldo para se aconselhar com ele; encontrou-o em oração diante de uma cruz, os olhos voltados para o céu e o santo elevado nos ares. Surpreendido fechou a porta e estava para se retirar quando ouviu a voz de Geraldo: “Felippe, sei o motivo da vossa vinda. Não tenhais escrúpulo disso, confiai na Providência”. Essas palavras, fruto de uma luz sobrenatural, surtiram naturalmente o efeito esperado.

Também o pequeno sobrinho do arcipreste, por nome João, ocasionou um fato maravilhoso. O pequeno, tendo caçado um passarinho, levou-o para casa radiante de alegria. O santo tomou-o nas mãos, entreteve-se um tempo com ele e por fim restituiu-lhe a liberdade sem se lembrar do descontentamento, que havia de causar ao pequeno. Ao ver os lamentos e choro da criança, Geraldo dirigiu-se à janela, por onde saíra o passarinho e disse: “Avezinha, volta porque o menino chora e lamenta a tua libertação; volta, meu passarinho”. Qual criminoso roído de remorsos, a avezinha voou para Geraldo, que a entregou ao menino.

A veneração da família Salvadore para com o santo irmão cresceu dia a dia. O amor, o respeito e a confiança porém do arcipreste foi tanta que não só o chamava “Anjo em carne humana” e o exaltava como “homem cheio de amor de Deus e dos homens”, mas esforçou-se ainda por conquistar-lhe a confiança; propôs-lhe um contrato em que ambas as partes se comprometiam ao auxílio mútuo de orações em vida e depois da morte. O santo concordou gostosamente. Conserva-se até agora esse contrato escrito, que reza textualmente:
“Em nome da SS. Trindade, da SS. Virgem e de toda a corte celeste.

O Irmão Geraldo obriga-se:  
1.º - a recomendar-me ao Senhor de modo especial em suas orações, para podermos juntos gozar um dia no céu;
2.º - auxiliar-me por meio de oração, vocal ou mental, em todas as minhas necessidades espirituais e temporais, onde quer que ele se ache;
3.º - a impetrar-me a graça de exercer santamente o meu ministério, de santificar os que me forem confiados, de me fazer fugir de todo pecado e de me purificar das minhas imperfeições;
4.º - a pedir a Deus pelo bem espiritual e temporal de minha casa, e pela paz e tranqüilidade de Oliveto, minha terra natal;
5.º - a prestar-me assistência espiritual enquanto viver e depois de entrar na eternidade;
6.º - a impetrar para meus penitentes perfeita obediência.
Eu, Angelo Salvadore, que este contrato escrevi, obrigo-me a seguir fielmente todas as inspirações da graça e a orar e mandar orar a divina Majestade pelo venerável Irmão Geraldo”.
À margem da folha acha-se a assinatura do servo de Deus. “Eu, Geraldo Majella do SS. Redentor, obrigo-me a tudo o que está escrito, em virtude da santa obediência, para o tempo e a eternidade”.
* * *

O estado de saúde de Geraldo não melhorava apesar do repouso; pelo contrário, piorava sempre  mais; à hemoptise unia-se ainda a febre, prenúncio seguro da morte próxima.
Querendo Geraldo morrer no meio dos seus confrades, despediu-se da família Salvadore, com a qual estivera oito dias, e aprontou-se para voltar a Caposele.
Antes de deixar Oliveto visitou ainda uma família que lhe era muito cara, a de Angelo Pirofalo. Na hora da despedida disse: “Olhai às vezes para a direção de Caposele! enquanto virdes na janela um pano branco, estarei vivo; quando ele desaparecer, será o sinal da minha morte”.

Oliveto dista de Caposele algumas horas de caminho, de sorte que se não pode distinguir, a olhos nus, as janelas do convento, embora situado sobre uma colina. Não obstante sucedeu o que Geraldo dissera. A família Pirofalo avistou sempre ao longe o sinal misterioso, que desapareceu com a morte de Geraldo.
O servo de Deus deixou também a essa família uma outra lembrança, que mais tarde recordou vivamente a sua grande santidade: o lenço que ficou sobre a sua cadeira. A filha de Pirofalo chamou-lhe a atenção para o objeto, querendo entregar-lh’o, mas Geraldo disse: “Deixa-o ficar, talvez te seja útil um dia”. E de fato. A moça tendo-se casado, achou-se em sério perigo por ocasião do primeiro parto, invocou todos os seus padroeiros, sem todavia obter alívio; por fim lembrou-se da relíquia, que possuía de Geraldo. Mandou-a buscar; ao contato do lenço desapareceram as dores e a criança nasceu risonha e feliz.

O Irmão Geraldo partiu de Oliveto a 31 de agosto de manhã e chegou ao meio-dia em Caposele “tão enfraquecido, diz Tannoia, que já não tinha aparência humana” — “No primeiro instante, escreveu o Pe. Cajone, tive de fazer força para conter as lágrimas”. Geraldo teve logo de guardar o leito.  
   

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