Trocando de roupa para o Banquete Nupcial

Trocando de roupa para o Banquete Nupcial
Caminhada para o Céu

domingo, 28 de abril de 2013

Minha filha, tudo é sem valor, menos amar a Deus. Por isso peço-vos que vos desapegueis de todas as paixões e apegos mundanos, e vos unais intimamente a Deus.


 

A VIDA PRODIGIOSA DE SÃO GERALDO MAGELA

 CAPÍTULO XXIV 

A cela em que se faz a vontade de Deus 

A cela, em que vamos agora entrar para assistir aos últimos combates e vitórias do santo, pode com direito ser denominada escola de paciência cristã, resignação e caridade. Geraldo foi toda a sua vida um valoroso imitador de Jesus Crucificado; nessa imitação fiel distinguiu-se ainda mais em sua última enfermidade, que suportou com calma a paz de um modo admirável.
Seus sofrimentos agravaram-se muito já nos primeiros dias. A hemoptise tornou-se sempre mais forte e repetida; admiraram-se de que ele ainda tinha sangue para perder sem exalar o último suspiro; a fronte cobria-se de suor constante, o coração pulsava com força como se quisesse saltar fora. Mandou colocar diante do leito um grande crucifixo e a imagem da SS. Virgem; à vista dessas duas fontes de força e consolo não lhe era possível desanimar. O cumprimento da vontade divina era, de então em diante, a sua única paixão, que suplantava em intensidade o ardor da febre e lhe tornou caro o sofrimento.

Uma vez apresentou-se-lhe o tentador para o perturbar e fazer vacilar, prometendo-lhe saúde e longa vida; Geraldo exclamou resoluto: “Retira-te, besta miserável; só quero a vontade de Deus; ordeno-te que me não tornes a molestar”.
Tão grande era a sua satisfação no cumprimento da vontade divina, que, não podendo contê-la, manifestava-a aos que o visitavam. Mandou afixar à porta da cela um cartaz com a inscrição em letras garrafais: “Aqui se faz o que Deus quer, como Deus quer e enquanto Deus quiser”.

Em uma visita o Pe. Cajone interrogou-o se estava resignado em tudo à vontade de Deus, ao que Geraldo respondeu: “Sim, meu padre; imagino-me que esta cama é para mim a vontade de Deus, e que estou preso à vontade divina. Creio e espero que eu e a vontade divina já somos uma só coisa”.

O mesmo dizia aos confrades que dele se compadeciam. “Estou executando a vontade divina e quero morrer para me unir a Deus”. Muitas vezes exclamava: “Sempre tenho desejado fazer a vossa santíssima vontade, ó meu Salvador!”
Esse mesmo sentimento de conformidade com a vontade divina transparece da resposta dada pelo servo de Deus a Santorelli, que lhe perguntava o que mais desejava, se viver ou morrer. “Nem viver nem morrer, disse, só quero o que Deus quer; gosto de morrer porque desejo a união com Deus, mas de outro lado não gosto porque nada ainda tenho sofrido por Jesus”.

A sinceridade dessas suas palavras, ele a demonstrou repetidas vezes em sua última enfermidade. Um dia o padre reitor encontrou-o em ânsias de morte; seu rosto estava lívido como um cadáver. Um olhar ao Crucifixo pareceu comunicar-lhe nova vida; seus traços animavam-se, suas faces cobriram-se de sangue. O reitor quis saber o movimento interior que o transformara daquela forma. Geraldo suspirando disse: “Meu Pai, grande, muito grande é o desejo que tenho de me unir a Deus”.

Como lhe era forte o desejo do sofrimento e sincera a convicção de que nada ainda havia sofrido, aspirava por vida mais longa em que mais pudesse padecer. Isso revela a oração que sempre tinha nos lábios: “Sofro, meu Deus, porque não sofro. Sofrer, ó Jesus, e não morrer!” A força para essa conformidade e heroico desejo do sofrimento, tirava-a dos seus colóquios ininterruptos com o Crucificado.

Sempre que possível, pedia que o levassem a uma cadeira em frente ao crucifixo, onde ficava a meditar uma ou duas horas na Paixão do Redentor. Os seus colóquios ardentes, muitas vezes em voz perceptível, eram extremamente edificantes: “Jesus, estou sofrendo muito, mas é por vós que por amor de mim morrestes na cruz; o sofrimento é sempre pouco quando se sofre por amor de vós” — “Ó meu Deus, morrestes por mim e eu quero morrer para vos agradar”.
Todos os visitantes enchiam-se de respeito para com o paciente sofredor. O Cônego Camilo Bozzio, um dos que mais frequentavam a sua cela, exprime-se na sua relação escrita: “Durante a sua longa e dolorosa enfermidade eu o visitava diariamente e via como, de tempo em tempo, ele se absorvia totalmente em Deus em arroubo extático; mesmo quando voltava a si não afastava de Deus o seu espírito”.

“Nunca, continua o relator, pude notar em seu exterior sinais de perturbação, nem jamais ouvi uma queixa de seus lábios; convenci-me de que ele aspirava, em seus sofrimentos, à igualdade com o Crucificado. Quer-me até parecer que, em conseqüência da união de sua alma com Deus, o corpo não padecia na proporção da violência da febre que o devorava. Ele tinha como certo que nenhuma oração é por Deus atendida tão depressa como a que se faz pedindo sofrimentos. Deus concede, dizia ele, graças úteis à salvação da alma; para que essas graças sejam devidamente apreciadas, Deus espera às vezes muito tempo até concedê-las, o que não se dá quando se implora a graça do sofrimento”.

“Não passava dia algum, diz Tannoia, sem Geraldo receber visita de sacerdotes e gentis homens das vizinhanças; todos desejavam de seus lábios uma palavra de animação e pasmavam-se diante da sua imperturbável conformidade com a vontade de Deus”.
E Geraldo, apesar da sua fraqueza, não deixava de distribuir conselhos e admoestações conforme as necessidades de cada um.
O servo de Deus entretanto não atendia só aos que o procuravam pessoalmente, mas consolava por cartas os que o não podiam visitar por qualquer motivo.
Das cartas escritas por Geraldo já no limiar da eternidade possuímos apenas uma, dirigida a Izabel Salvadore, sobrinha do arcipreste, a qual reza assim:
“Jesus e Maria!

Bendita seja a SS. Trindade e nossa querida e divina Mãe Maria Santíssima.
Mui prezada irmã em Jesus Cristo. Só Deus sabe o estado em que me acho, não obstante tomo a liberdade de vos escrever de próprio punho. Podeis disso deduzir o quanto vos ama Nosso Senhor; porém mais ainda ele vos amará, se fizerdes o que peço por vós em minhas orações.
Prezada filha. Não podeis avaliar o quanto me interesso por vós e desejo a vossa salvação eterna. O divino Salvador quer que eu me dedique de modo especial aos vossos interesses espirituais.
Amo-vos, como a todas as criaturas que Deus ama; sabei entretanto que, se alguma criatura me amasse fora de Deus, eu a detestaria em nome de Deus, porquanto as nossas afeições devem ser puríssimas; devemos amar a todos em Deus e nunca fora dele.
Mas vamos ao que importa. Eu vos digo: se fizerdes o que vos tenho pedido tantas vezes, agradareis a Deus Nosso Senhor e também a mim.
Minha filha, tudo é sem valor, menos amar a Deus. Por isso peço-vos que vos desapegueis de todas as paixões e apegos mundanos, e vos unais intimamente a Deus. A vossa principal aspiração seja: pertencer inteiramente ao Senhor. Como isso é belo; sabem-no as almas que o experimentaram; procurai, também vós, experimentá-lo, e dar-me-eis razão.
De que adianta amar o mundo, que só produz amarguras e aflições. O vosso coração pertence a Deus d’ora em diante, nada nele habite senão Deus. Se notardes que qualquer paixão nele se quer aninhar, dizei: O meu coração já me não pertence, porque o dei a meu divino Redentor; nenhum outro nele terá lugar; para longe tudo que não é de Deus. A esposa deve ser cheia de zelo pelo seu esposo divino e por isso fugir em suas ações de toda vaidade. Deve velar sobre seu coração para ser de fato o templo, a casa, a morada de Deus. Sim, é esse o nome de um coração que se consagrou inteiramente ao Senhor.
Orai por mim; mais do que nunca necessito agora de orações! O vosso muito indigno servo e irmão em Jesus Cristo.
Geraldo Majella, do SS. Redentor.
* * *
A enfermidade do irmão progredia a olhos vistos; acharam bom dar-lhe em forma solene de viático a comunhão, que recebia diariamente. Não estando o reitor em casa, o ministro, Padre Buonomano, levou ao doente o SS. Sacramento. Geraldo ergueu-se no leito e com devoção aguardou o momento da santa comunhão. Com a sagrada partícula voltou-se ao Pe. Buonomano ao santo dizendo: “Eis aqui Nosso Senhor, vosso pai e em breve o vosso juiz. Excitai a fé, meu irmão, e exprimi-lhe os sentimentos do vosso coração”.

Assim convidado Geraldo dirigiu com humildade e confiança as seguintes palavras: “Senhor, sabeis que tudo tenho feito e dito em vossa honra. Morro contente, porque espero não haver procurado coisa alguma senão a vossa honra e santíssima vontade”.
Depois da santa comunhão Geraldo pediu a seus confrades que o deixassem só; precisava entreter-se, a sós, com seu Jesus.
Na manhã seguinte, 6 de setembro, Geraldo piorou consideravelmente.
Aos outros sofrimentos sobreveio-lhe a disenteria e um suor que o enfraqueceu extremamente. Já há dias que se não alimentava porquanto não podia ingerir coisa alguma. Pensaram já em dar-lhe a extrema-unção, quando repentinamente o seu estado melhorou.

No mesmo dia chegou uma carta do Pe. Fiocchi, seu diretor espiritual, com a ordem de não mais vomitar sangue e sarar. Geraldo leu a carta e colocou-a sobre peito.
Santorelli, visitando os doentes, chegou ao leito de Geraldo, que com todo recolhimento empunhava a carta, e perguntou-lhe: “Que é isso?” — “Uma ordem do Pe. Fiocchi, respondeu Geraldo; ele quer que não mais vomite sangue”. — “Bem, bem, replicou o médico, e que tencionais fazer?” Geraldo não respondeu; volveu-se ao enfermeiro dizendo: “Irmão, por favor, tirai essa escarradeira”, dando a entender que já não queria vomitar sangue. Vendo porém Santorelli que a disenteria não cessava, disse ao santo: “Que adianta não vomitar sangue, quanto ao outro mal não tenho aviso”.

Santorelli foi ter com o Pe. Gonzilli e pediu-lhe, convencesse o Irmão Geraldo que com a ordem dada o Pe. Fiocchi não queria só meia cura, mas o restabelecimento completo. O Pe. Gonzilli foi ao doente e disse-lhe: “Irmão, é assim que cumpris ordens! e não tendes escrúpulo? o Pe. Fiocchi não quer apenas que deixeis os vômitos, mas que com saúde vos levanteis do leito”. — “Se é assim, replicou Geraldo, humildemente, quero obedecer-lhe também nisso”.

Quando à tarde Santorelli renovou a visita, o irmão recebeu-o com as palavras: “Doutor, amanhã devo levantar-me!” O médico sorriu-se. “Sim, devo levantar-me amanhã, repetiu Geraldo; se me quiserdes dar alguma coisa para comer, estou pronto a tomá-la”. Santorelli hesitou a princípio, mas por fim deu-lhe licença para se levantar. Naquele momento chegou um mensageiro de Oliveto com um cesto cheio de pêssegos, enviado pela família Salvadore. Vendo-os sobre a mesa observou o médico: “Se me prometerdes cumprir as ordens do Pe. Fiocchi, permito-vos provar alguns destes pêssegos”. — “Sim, replicou Geraldo, a obediência deve ser cumprida e Deus glorificado”, e comeu três pêssegos. Com isso o santo sentiu-se mais forte e ficou com outra aparência. A hemoptise não se renovou mais, a febre cessou e a enfermidade parecia extinta. Geraldo levantou-se com desejo de recomeçar os seus trabalhos.

Não sem temor voltou Santorelli no dia seguinte para ver o seu doente. Não o encontrando na cela perguntou por ele; Geraldo, apoiado numa bengala, passeava no jardim. O médico exclamou: “É um milagre da obediência!” O santo também estava convencido do milagre, porquanto não ignorava a proximidade da sua morte. Ele mesmo disse em confiança ao doutor: “A festa da Natividade de Maria teria sido o dia da minha morte e da minha entrada no céu; pedi porém ao Senhor que adiasse o meu falecimento para o dia seguinte por causa do grande número de romeiros que aqui afluem nessa ocasião; minha morte seria então pesada à comunidade.

A ordem do Pe. Fiocchi adiou ainda mais o desenlace”. A um conterrâneo seu, que se achava como carpinteiro em Caposele, disse o mesmo com as palavras: “Meu bom conterrâneo, o dia da minha morte seria na festa da Natividade da SS. Virgem, mas Deus acrescentou mais uns dias à minha existência”.
Nesse dia, destinado para a grande viagem, Geraldo apareceu no refeitório; supunham todos que ele haveria de recuperar novamente a saúde.
Poucos dias depois entrou na pátria celeste uma alma santa e muito cara ao servo de Deus: Maria Celeste Crostarosa, falecida em Foggia a 14 de setembro. Geraldo teve a consolação de ver a sua entrada no céu na mesma hora da morte e ficou tão comovido que não pôde ocultar o seu contentamento. Um irmão leigo, ao notar essa alegria extraordinária em Geraldo, perguntou-lhe pela causa dela: “Sabeis, irmão, disse exultando de prazer, hoje em Foggia a alma de Maria Celeste voou para o céu; foi receber a recompensa do seu amor a Jesus e Maria”.

Embora fosse grande a sua satisfação, interrompeu a narração com um suspiro que exprimia a saudade do céu, a ele por enquanto fechado. A princípio não deram crédito às palavras de Geraldo a respeito da morte de Crostarosa; notícias chegadas de Foggia confirmaram-nas integralmente.
Ainda um outro fato desse tempo mostra que Deus manifestava ao nosso santo a morte dos seus amigos distantes.

Heriberto Caifi de Oliveto, parente da família Salvadore, contratado para trabalhar no convento de Caposele, perguntou ao arcipreste se tinha recados para lá, mas não recebeu nenhum a não ser lembranças e desejos de boa viagem. No dia seguinte de manhã dirigiu-se Caifi a Caposele, onde foi recebido por Geraldo. Quis entregar-lhe as lembranças de Salvadore, quando o santo lhe disse: “Nosso bom arcipreste está de luto; seu pai acaba de falecer”. — “Não é possível, replicou Caifi, deixei o ancião em ótima saúde; ainda ontem à tarde estava alegre, sentado junto dos seus; foi ele que mais insistiu para eu não esquecer as lembranças a Caposele”.

Geraldo não mudou de parecer afirmando que “o ancião morrera repentinamente de uma síncope”. — “Então devo voltar a Oliveto para prestar-lhe as últimas honras, disse Caifi: “Sim, ide e dizei ao arcipreste que se console porque seu pai nem tocou o purgatório”. Caifi encontrou sem vida o velho Salvadore e toda a casa em luto, que se mitigou e converteu em júbilo pela afirmação do Irmão Geraldo.

A morte, afugentada pela obediência de Geraldo, não concedeu paz, mas só pequena trégua; a melhora do santo era apenas a glorificação da obediência. Geraldo exprimiu-o claramente quando alguns confrades se congratularam com ele. “Deus fez isso, disse, só para a sua glória e para mostrar o que pode a obediência; apesar disso morrerei logo e entrarei na eternidade”.
Em princípio de outubro seu rosto tornou a empalidecer-se como antes, voltou novamente a febre e o enfraquecimento do corpo provou que a antiga moléstia dele se apoderara novamente. Geraldo não se agastou com isso, pois a sede que tinha do sofrimento atingia seu auge. O desejo da identificação com Jesus, que dourara os elos da corrente de sua vida, excitou-o a pedir a graça de participar das dores internas que Jesus sentiu na hora da morte. Essa súplica heróica foi atendida, e Geraldo se afundou num mar de amarguras.

Um dia entrou Santorelli quando Geraldo, entretido com o Crucificado, suspirava em alta voz: “Senhor, auxiliai-me neste purgatório”. O doutor perguntou-lhe porque suspirava, ao que Geraldo respondeu: “Meu caro doutor, pedi ao Senhor me fizesse descontar aqui todos os meus pecados e ele atendeu-me. Sofro um verdadeiro purgatório; consola-me o pensamento de comprazer assim a Jesus Cristo”. “Sofro e suporto um verdadeiro martírio, disse-lhe em outra ocasião, sinto-me num estado tal, que não tenho força para falar”.

O mesmo expressou ao sacerdote Geraldo Gisone, que mais tarde entrou na Congregação e que fora consultar o santo a respeito da sua vocação. Ao despedir-se disse a Geraldo: “Orai por mim, porque sofro muito”. — “Ah! se soubésseis o quanto sofro — replicou o irmão; é preciso sofrer, meu caro, é preciso sofrer”. — “Mas que sofreis vós?” perguntou o sacerdote. “Acho-me, respondeu Geraldo, nas chagas de Jesus, e estas estão em mim; padeço sem cessar todos os tormentos e dores que Jesus sofreu em sua dolorosa Paixão”.
O santo porém não demonstrava impaciência nem desgosto; só poucas vezes, quando lhe perguntavam como passava, respondia que aquilo não tinha importância alguma.

E realmente todas aquelas dores ainda lhe pareciam poucas. “Sofro muito, é verdade, ó meu Jesus, mas padeço por vós que por mim morrestes na cruz. É tudo muito pouco, sim, muito pouco”. Era-lhe usual a exclamação: “Sofro, meu pai, sofro!” ou: “Oh! quanto sofro porque não sofro!” — “Irmão Geraldo, costumava perguntar-lhe o médico de manhã, sofrestes muito à noite?” Geraldo respondia sempre acanhado: “Mas eu nada sofro!” ou: “Eu sofro, porque não sofro nada”.
O que mais o incomodava era o pensamento de causar trabalho aos seus confrades.  

Santorelli mandara que, à noite, um irmão velasse para dar remédio ao doente nas horas marcadas. Ao ouvir isso Geraldo exclamou chorando: “Senhor doutor, isso é que me faz sofrer!” e repetiu essas palavras com sinais de descontentamento.
Também o fato de a comunidade fazer orações por ele, contrariava à sua humildade. “Sou um ser inútil, dizia, e não mereço tantas caridade”.
As despesas com os remédios eram-lhe como uma pedra sobre o coração. Santorelli encontrou-o muito abatido; Geraldo pediu que lhe apresentasse a soma das despesas dos remédios; ele tencionava escrever nesse sentido aos parentes a fim de aliviar um pouco a pobre casa de Caposele.

“Repeli esses pensamentos”, disse-lhe Santorelli para tranquilizá-lo. Geraldo replicou: “Meu Senhor, que vantagem tenho eu causado à Congregação e porque tantas despesas?” Essa delicadeza colocava em seus lábios palavras de gratidão; mostrava-se grato, por qualquer serviço, a seus superiores e outros irmãos.
Admiração causava também a sua indiferença a respeito dos remédios e sua assombrosa obediência ao médico e ao enfermeiro. Enfraquecido como estava não podia, ele mesmo, tomar os remédios; sempre que o irmão lhe dava, ele os recebia sem a menor repugnância. Sentia às vezes nojo ou desejo de vômito, mas procurava reprimi-los. “Meu Deus, exclamava, ajudai-me que já não tenho força”. Qualquer palavra, alusiva à obediência, movia-o a fazer o que parecia impossível e a reprimir a natural repugnância.

Em lhe faltando a voz, pedira ao Irmão Estevam Perduto lhe recitasse os atos de conformidade, caridade e contrição, que repetia em voz baixa. Esse irmão perguntou-lhe um dia, se não sentia temor ou tentações. Geraldo respondeu: “Tudo fiz pelo amor de Deus, que sempre tive diante dos olhos; procurei sempre andar em sua presença; como nunca desejei coisa alguma senão sua santa vontade, agora morro em paz”.

Provavelmente a 14 de outubro recebeu o santo a visita do abade Prospero d’Aquila de Santo André, que o médico chamara de Oliveto. O abade foi acompanhado de um rapaz do sítio, a quem prometera mostrar um santo; o pequeno entrou na cela de Geraldo com o coração a tremer. Apesar da natural curiosidade, não teve coragem de transpor os umbrais do quarto e ficou atrás da porta, de sorte que Geraldo não o podia ver. Conhecendo porém o caso por uma luz sobrenatural, mandou chamar o rapaz, que acanhado e medroso entrou no quarto e contemplou o “Santo”.

Pouco depois, tomando alento, girou os olhos pela cela e, vendo a um canto um piano, interessou-se por ele, pois que nunca vira semelhante coisa em sua vida. Geraldo mandou-o sentar-se ao piano e tocar uma peça. Enorme foi o embaraço do menino, que pediu desculpas alegando sua ignorância completa em matéria de música. Geraldo insistiu e o menino sentou-se ao instrumento, pôs no teclado os dedos rudes e rijos para dar alguma nota qualquer. Ninguém esperava outra coisa senão um conjunto horrível de notas desafinadas. Entretanto já o primeiro toque nas teclas produziu harmonioso acordo, e o menino ignorante tocou admirável e comovente sinfonia, que encheu de assombro os assistentes. Quando mais tarde perguntaram ao menino qual fora o seu sentimento na ocasião, respondeu que não sabia o que lhe acontecera, mas ao tocar nas teclas sentira uma força inexplicável que movia os seus dedos sobre o teclado. Esse instrumento foi readquirido pela família Santorelli e conservado com todo o cuidado, de sorte que em 1843 ainda se achava em perfeito estado.

A 15 de outubro, festa de Santa Teresa, as forças de Geraldo estavam já completamente esgotadas: “Meu caro doutor, disse de manhã a Sartorelli, recomendai-me à Santa Teresa e recebei por mim a santa comunhão”. Ele a recebeu como viático com a devoção e ternura de um serafim, que se abisma na essência divina. Após a comunhão pediu lhe apresentassem o corporal, sobre o qual repousara o SS. Sacramento, colocou-o sobre o peito, onde o conservou até o derradeiro suspiro, como sinal do seu amor a Jesus.

Permaneceu tranqüilo o dia inteiro; à tarde perguntou quantas horas era. “Seis”, foi a resposta. “Ainda seis horas de vida”, replicou Geraldo. Pouco depois apareceu Santorelli, que o achou muito enfraquecido mas não próximo da morte; pelo contrário, o doente parecia-lhe melhor do que de manhã; por essa razão desculpou-se quando Geraldo lhe pediu ficasse com ele, alegando diversas visitas que tinha a fazer a outros doentes.
Arrependeu-se entretanto quando, ao voltar no dia seguinte, ouviu que Geraldo falecera; compreendeu então, infelizmente tarde demais, o motivo porque Geraldo o queria conservar consigo na véspera.

Às 7 horas da tarde chegou de Oliveto um próprio com uma carta do arcipreste, que recomendava a seu santo amigo um negócio importante. Esse sacerdote, tendo resolvido levantar uma capela em honra a Nossa Senhora da Consolação, mandou construir um forno de cal que, por fraco, ameaçava ruir com consideráveis prejuízos. O arcipreste, recordando-se do contrato feito com Geraldo, enviou-lhe o próprio, pedindo-lhe recomendasse a Deus o seu negócio.
O padre ministro, que recebeu a carta, leu-a em silêncio no quarto do doente sem lhe comunicar o conteúdo. Geraldo porém, dirigindo-se ao próprio disse: “Coragem, o forno não sofrerá nada!” À leitura da carta deu a entender com movimentos de cabeça, que faria a oração desejada; mandou buscar, depois, um pouco de pó do sepulcro de Santa Teresa, deu-o ao portador com a ordem de espalhá-lo sobre o forno, afirmando novamente que ele ficaria intacto. O futuro confirmou a verdade das suas palavras.

Na medida que se aproximava a hora da dissolução Geraldo preparava-se para a chegada do Juiz eterno. Apesar da inocência batismal, que nunca manchara, parecia-lhe estar carregado de pecados e implorava com suspiros a misericórdia divina: “Ajudai a preparar-me, pedia ao irmão enfermeiro, morrerei esta noite e quero recitar o ofício dos defuntos pela minha alma”.
Poucas horas antes da morte sentou-se no leito e começou o salmo Miserere, pronunciando devotamente cada palavra. Em cada verso intercalava um ato de contrição repetindo as palavras: “Tibi soli pec-cavi et malum coram te feci: a peccato meo munda me. Pequei contra vós, Senhor, cometendo o mal em vossa presença: purificai-me do meu pecado”. Ao peso da dor suspirava e chorava. Pelas 8 horas exclamou diversas vezes: “Ó meu Deus, onde estais? fazei que eu vos veja”.

Dirigindo-se aos presentes pediu-lhes o auxiliassem a unir-se a Deus. O Irmão Carmine, percebendo a sua inquietação, perguntou-lhe se tinha alguma dúvida de consciência. “Vós me falais de inquietação?” respondeu o moribundo. “Meu caro Geraldo, disse Carmine pouco depois, sempre fomos amigos, lembrai-vos de mim quando estiverdes com Deus”. — “Como poderia eu esquecer-vos?” respondeu Geraldo.

Como o médico achava que a morte ainda não estava tão próxima, só o Irmão Xavier permaneceu com o santo depois da oração da noite feita pela comunidade.
Entre as 10 e 11 horas Geraldo pareceu perder os sentidos. Voltando a si, ficou inquieto e tímido exclamando: “Depressa, irmão, afastai de mim esse miserável! que querem esses dois?” Talvez tenham sido esses últimos sustos, com que o demônio o inquietou.
Pouco depois serenou-lhe o rosto e com alegria o santo repetiu mais vezes as palavras: “Eis a Madona! oh! veneremo-la sempre”, e ajoelhando-se na cama caiu em êxtase.

As duas últimas horas de sua vida Geraldo as passou em contínua união e colóquio com o céu. Os seus olhos permaneciam fixos no Crucificado ou na imagem de Maria; seus lábios proferiam as mais ternas jaculatórias como: Ó meu Deus, perdão, perdão! eu me arrependo!” e outra vez: “Meu Deus, quero morrer para vos agradar; quero morrer para fazer a vossa vontade”. Quando já não tinha voz, o movimento dos seus lábios mostrou que ele continuava os seus protestos de amor a Deus.

Cerca de meia hora antes da morte, pediu água. O Irmão Xavier, secundando-lhe os desejos, foi buscá-la mas demorou-se a voltar por estar fechado o refeitório, sendo preciso primeiro mandá-lo abrir. Ao voltar encontrou o santo voltado para a parede e supô-lo adormecido; porém, momentos depois, notou que ele voltara a si. Geraldo deu um profundo suspiro. Percebendo-o nas últimas, correu a despertar o ministro, que não tardou. Geraldo estava para exalar o derradeiro suspiro; enquanto o padre lhe dava a última absolvição, a santa alma desligou-se dos laços do corpo.

Era uma hora e um quarto na madrugada de 16 de outubro de 1755. Geraldo estava nos seus trinta anos de idade, e aos seis de vida religiosa.
Logo após a morte Geraldo apareceu a uma pessoa piedosa e amiga, envergando o hábito da Congregação e, pouco depois, uma segunda vez, porém em veste mais rica, resplandecente de glória. Animou-a a sofrer muito por Jesus Cristo dizendo: “Grande recompensa dá Deus pelos pequenos sofrimentos que se suportam por amor dele”.

Também ao Pe. Pedro Paulo Petrella, com quem convivera em Iliceto, apareceu Geraldo logo depois da morte, mostrando-lhe um raio da glória que gozava no céu.
O Pe. Ministro, logo que verificou a morte do irmão, despertou a comunidade, para que todos rendessem graças a Deus e à SS. Virgem por todos os favores concedidos ao finado. O sentimento geral era que Geraldo já se achava no céu. Após essa ação de graças foram todos ao quarto do santo irmão, pois queriam proceder à sangria. O Pe. Ministro tomou o braço do santo dizendo: “Irmão Geraldo, fostes sempre tão obediente, mando-vos em nome da SS. Trindade e da SS. Virgem, que nos deis uma prova da vossa santidade”. Aberta a veia jorrou sangue vivo, que apararam em vasilhas; com ele umedeceram mais tarde panos, que foram distribuídos entre os amigos e devotos do santo.
O perfume delicioso da cela de Geraldo, não cessou com a sua morte, ao contrário tornou-se mais penetrante, difundindo-se por toda a casa.

Ao amanhecer o Irmão Carmine quis dar os costumados dobres fúnebres, mas, sem saber como, pôs-se a repicar festivamente os sinos. Um padre, notando o equívoco, correu a avisá-lo, mas o irmão desculpou-se dizendo que alguma força interna a isso o constrangia. Esse sinal, compreendido pelo povo, levou ao convento imensa multidão.

A câmara ardente foi armada na igreja. “O caixão, diz Tannoia, estava assediado de pobres e ricos, leigos e coristas. Um narrava alguma predição do santo realizada literalmente, outro contava como Geraldo lhe penetrara a consciência, um outro gloriava-se de haver o servo de Deus endireitado a sua vida. Os pobres, entristecidos pela perda de seu pai, enchiam de gemidos a igreja e a casa. Não contentes com essas externações de veneração e amor, retalharam a batina do santo e cortaram-lhe os cabelos. Para o cadáver não ficar completamente despido foi necessário postar ao redor do caixão, para impedir o avanço do povo”.
Na manhã de 16 de outubro recitou-se o ofício fúnebre em presença do clero e do povo de Caposele. O Pe. Garzilli cantou a missa e o ministro fez o elogio fúnebre arrancando lágrimas aos assistentes. O cadáver ficou exposto na igreja o dia inteiro; as visitas aumentavam-se sempre, porquanto a notícia da morte de Geraldo divulgara-se rapidamente em todas as direções; de perto e de longe acorreram os amigos e veneradores, para lhe prestarem as últimas honras. Nunca se vira tanta aglomeração de povo em Caposele; com seus lenços enxugavam o suor que miraculosamente umedecia o rosto do servo de Deus; cada qual queria levar uma lembrança.

Entre outras pessoas aproximou-se também da câmara ardente uma tal Rosa Sturchio, grande veneradora de Geraldo a quem consultara em várias ocasiões. Debulhada em lágrimas pedia, de joelhos, a Geraldo lhe desse de lembrança uma relíquia qualquer; e eis, subitamente desprega-se da boca do santo um dente que lhe cai aos pés. Ninguém ousou disputar-lhe aquele presente, que a piedosa senhora conservou qual precioso tesouro.

Naturalmente grande era o desejo de transmitir à posteridade os traços fisionômicos do santo; na falta de um pintor procuraram uma pessoa que confeccionava pequenas estátuas e sabia, por meio de máscaras de cera, tirar o retrato dos cadáveres. Tiraram dois desses retratos, um para a casa e outro para a família Salvadore. Mais tarde lembraram-se de mandar fazer uma pintura do santo e entregaram a um artista a máscara existente no convento. Por mais que se esforçasse o pintor, não conseguia reproduzir a fisionomia do santo — não era possível retratar o servo de Deus. O Pe. Cajone recorreu novamente à conhecida obediência do irmão. “Meu caro Irmão Geraldo, orou ele, vedes que não conseguem tirar-vos o retrato; fazei que o consigam”. A seguir o pintor pôs-se a trabalhar, e o retrato agradou a todos. O santo acha-se lá representado tal qual foi visto em Oliveto na casa do arcipreste em arroubo extático, empunhando uma das mãos o crucifixo e a outra repousando sobre o peito.

Quanto ao exterior do santo, era de estatura alta e de compleição franzina; devido às suas contínuas mortificações era como um esqueleto coberto de pele. Seu rosto era oblongo, pálido, e durante os êxtases, rubro como a chama. A fronte alta e larga, a cabeça volumosa e por isso muitas vezes objeto de hilaridade para os seus companheiros de infância. O seu temperamento era vivo e irascível; a sua mansidão e tranqüilidade eram fruto da sua virtude. A energia física e assiduidade nos trabalhos pesados, por ele demonstrada mormente no claustro, contrastava com sua fraqueza física e parecia ser um dom do céu. Todo o seu exterior desprendia um brilho superior que comunicava ao santo dignidade e majestade.
* * *
Sexta-feira, 17 de outubro, trinta e cinco horas após o desenlace, procedeu-se ao sepultamento do santo. O Pe. Buonamano fez nova sangria da mesma forma como a primeira; tornou a jorrar sangue fresco e rubro; os membros estavam ainda flexíveis e corria o suor maravilhoso em que se molhavam lenços e outros panos.  
Na convicção fundada de que o falecido seria em breve elevado às honras dos altares, mandou Buonamano protocolar oficialmente pelo tabelião os milagres operados logo após a morte do santo. Além dos padres Buonamano e Strina e mais dez irmãos leigos, fizeram sob juramento o seu depoimento mais dez pessoas de Caposele.  

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